segunda-feira, 26 de outubro de 2015

“O senhor vai e a pílula fica”: uma carta aberta a Eduardo Cunha.

Que a pílula fique e ele vá
Que a pílula fique e ele vá.




Senhor Deputado,
Ainda o chamo de deputado graças à ineficiência seletiva da justiça brasileira, que não tratou até aqui de colocá-lo no único lugar digno de sua tão nobre presença: a cadeia.
Como tem passado? Tem dormido bem à noite depois de assistir aos noticiários? Espero que esteja desfrutando do sono dos justos. E espero, também, que pause um pouco o seu milionário jogo de tênis na companhia de sua bela esposa para ler esse recado singelo.
Nós sabemos que a sua absurda tentativa de criminalização da pílula do dia seguinte é mais uma adilosa manobra política para desviar o foco dos recentes escândalos nos quais o senhor está envolvido e que foram noticiados na mídia recentemente. Esta patética tentativa mancha ainda mais o seu filme, que já não é dos melhores. Se o objetivo era desviar o foco, seria mais útil ter vazado um nude na internet.
Não apenas o seu projeto, mas o senhor, em pessoa, representa a completa involução da sociedade brasileira.
Temos vergonha da sua atuação, das suas contas na Suíça e deste projeto que, além de proibir a venda da pílula do dia seguinte, criminaliza a ajuda a mulheres que pretendem abortar fetos frutos de estupro e exige a realização de exame de corpo de delito para comprovar abusos sexuais.
Envergonhamo-nos porque, enquanto a discussão pela criminalização do abordo permanece travada, projetos como este são votados e aprovados na Câmara. Numa patética tentativa de defesa a tão absurda proposta, o senhor declarou: “O projeto quer tratar é da liberdade de consciência. A consciência é inviolável. Não posso obrigar uma pessoa a ser coagida em relação a suas crenças.”
Curiosamente, e deputado não demonstrou tamanha preocupação com a liberdade de consciência quando suas contas milionárias na Suíça foram descobertas. A consciência da justiça brasileira também não parece doer quando se mantém um político tão sujo na Câmara dos Deputados. O senhor só fala em liberdade de consciência para podar – ainda mais, como se fosse possível – a liberdade das mulheres sobre seus corpos.
Deputado, sua consciência, caso fosse minimamente escrupulosa, deveria avisar-lhe que nenhuma mulher precisa ser exposta a um exame de corpo de delito para que aborte um feto fruto de violência sexual. Que ninguém precisa gerar um filho indesejado se, por um infortúnio, outros métodos contraceptivos não funcionarem. Que todas as mulheres têm total liberdade sobre seus corpos e suas escolhas. Sua consciência deveria, aliás, lhe mostrar que o Brasil não precisa de gente como o senhor.
A pílula do dia seguinte é um pedaço ínfimo daquilo que nós realmente desejamos e temos por direito: a incondicional e inviolável liberdade sobre o nosso corpo. Então, é bom que o senhor saiba que a luta pela descriminalização do aborto – e pelo “abortamento” de políticos como o senhor – continua e nem a PL 5069 nem deputados corruptos e hipócritas passarão – não sem que lutemos com todas as armas que podemos alcançar, inclusive indo às ruas.
A postura contra propostas como estas continua combativa, mas não se anime: isso não vai nos fazer desviar o foco dos seus escândalos.
Que o senhor vá e a pílula fique.
Em tempo: o senhor tem contas na Suíça?
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