sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O PETRALHA: UM CONTO DE NATAL.

petralha
(Ilustra exclusiva do Cris Vector)
Dia de Natal na Paulista. Manjadas versões de músicas estrangeiras, canções natalinas de Frank Sinatra e o disco da Simone se revezam nas caixas de som ao longo da avenida. Pinheiros de plástico com luzes, neve artificial, trenós e renas decoram as áreas externas de bancos e prédios comerciais. Criancinhas posam para fotos ao lado de um urso polar em pleno verão brasileiro. Pela primeira vez em muitos anos não há engarrafamento de carros para ver a decoração: a avenida Paulista está aberta para os pedestres.
Em frente à Fiesp, um pequeno grupo de pessoas está acampado nas ciclofaixas no último protesto do ano pelo impeachment da presidenta, berrando as palavras de ordem de sempre.
– Fora, filha da puta! Vaca! Vadia! Vai tomar no cu!
Um repórter da Globo News faz transmissões ao vivo do local a cada dez minutos. Em uma das inserções, o líder intelectual dos protestos, um magricela com traços orientais recém-saído da adolescência, dá entrevista.
– Por que vocês acamparam em cima da ciclofaixa?
– Achamos que é simbólico dos desmandos deste partido. Quem precisa de ciclofaixas, mano? Fala sério! Queremos derrubar o governo e acabar com essa palhaçada de bicicleta. São Paulo é para os carros! Estamos reivindicando também o aumento da velocidade nas pistas, que o atual prefeito vermelho diminuiu.
– Mas isto fez cair o número de mortes…
– O número de vidas poupadas é insignificante diante do tempo no trânsito que o paulistano está tendo que passar. Tá ligado no que é ficar horas dentro de um carro parado ouvindo os comentaristas da Jovem Pan? É de deixar qualquer um louco! Estes comunistas só pensam nos pobres! Como se rico também não sofresse… Abaixo o preconceito com a burguesia!
Diante da câmera, atrás do entrevistado, um homem barbudo, vestido de vermelho dos pés à cabeça, passa caminhando tranquilamente, no meio da minifestação. Um sujeito de roupa camuflada segurando um cartaz com os dizeres “intervenção militar já!” dá o alarme:
– Olha o petralha! Provocação, não!!! Vamos quebrar esse cara!
O barbudo de vermelho desce a avenida em direção ao Paraíso, correndo como louco, com uma dúzia de fortões atrás. Eles o alcançam na esquina com a rua Pamplona e começam a distribuir safanões, socos e pontapés.
– Calma, calma! É um engano, deixa eu falar!
– Que falar o quê, rapaz! Vamos te encher de porrada para você aprender a não se meter com cidadãos de bem.
– Pára! Pára! Eu sou Papai Noel, porra!!!!
– Hahahahaha. Conta outra.
– Vocês não têm espírito de Natal, não?
– Espírito de Natal uma ova, seu petralha!!
– É sério! Tô vestido assim para a festa dos meus sobrinhos, pô!
– Ah, tá! E a estrela aí na sua camisa?
– É a estrela de Belém, caralho!!!
– Mas e essa barba, mané???
– Barba… Papai Noel… Barba… Ahn? Ahn? Sacaram?
Finalmente, a turba titubeia e se acalma.
– Pô, truta, foi mal.
– Desculpa aí o mau jeito.
– Feliz Natal, hein? Hehehe.
– Vão se fuder, animais.
Papai Noel ajeita a roupa e desce a Pamplona caminhando. Na esquina com a Jaú, ele entra numa vilinha estreita, muito bem escondida ao lado da padaria Flor dos Jardins. Pára diante de um sobrado com o número 13 e toca a campainha. Três toques curtos, ritmados. A porta abre. Ele entra pelo portão lateral, desce dois lances de escada e chega a uma sala no subsolo, onde um grupo de homens e mulheres está reunido.
– Camaradas, vocês nem imaginam do que me livrei agora. Menos mal que esqueci em casa a boina do Che…
*

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