quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A atenção midiática e o impeachment de Dilma Rousseff - Analista internacional mostra como Dilma foi 50 vezes mais citada pela mídia do que Aécio e outros políticos chave do PMDB quando o assunto era corrupção.

Geraldo Magela / Agência Senado


Mads Damgaard, University of Copenhagen no Manchetômetro


O caso Lava-Jato, também conhecido como Petrolão, recentemente balançou as bases da arena política brasileira, derrubando ambos presidente da Câmara dos Deputados e a presidente da república, Dilma Rousseff, enquanto manchava, talvez de modo irreversível, a imagem de ex-presidentes como Lula e José Sarney. Na teoria, tal potência política vem do fato de que um escândalo pode influenciar e abalar apoio politico (pela migração de votantes, partidos e parceiros de coalizão, Balán 2011), e desencadear balanços judiciais em legisladores politicos (Thompson 2000, Waisbord and Tumber 2004).
 
Em números nunca antes vistos até agora, membros influentes do Congresso brasileiro têm sido investigados e denunciados por promotores públicos por corrupção na petrobras, a gigante estatal do petróleo que um dia já foi a maior empresa da América do Sul. Muitos ex-diretores da Petrobras foram acusados criminalmente e condenados a longos regimes na prisão, bem como os executivos principais das maiores empreiteras do país que serviam como contratantes da companhia estatal. Como seus homólogos na Petrobras, muitos executivos de construtoras receberam a opção entre uma sentença prisional longa e um acordo de delação premiada. 
 
O esquema de corrupção divulgado por investigações e testemunhas de delações premiadas acumuladas parece ter beneficiado muitos partidos direcionando pagamentos dos contratos entre a Petrobras e as empresas contratantes para fundos secretos de partidos e politicos individuais. Mas curiosamente, os custos politicos do escândalo da Petrobras e de suas cisões foram distribuídos de maneira extremamente desigual, enquanto o Partido dos Trabalhadores (PT) foi expulso do poder presidencial pelos seus ex-aliados do PMDB, mesmo que as denúncias e evidências apontassem para a corrupção em ambos os partidos. 
 
Dada a natureza midiatizada da política (Strömbäck 2008, Hjarvard 2013), e, especialmente, dado o estilo de política denunciada (Balán 2011) prevalente no Brasil por mais de décadas, há de se perguntar: que papel tiveram os veículos de mídia tradicionais do Brasil em alocar a responsabilidade desse escândalo de corrupão ‘bola de neve’ que envolveu a maioria da elite política, eventualmente explodindo a coalizão governamental, trazendo o impeachment de Dilma Rousseff, e finalmente instalando um novo governo formado por, ironicamente, uma gama de politicos que estão sob investigação? Quão parcial foi a atençao da mídia brasileira para a corrupção no climax das investigações da Lava-jato? A cobertura desse caso momentâneo contribuiu para aumentar a pressão política que eventualmente levou ao impeachment da presidente Dilma?

De maneira a iniciar as respostas à essas perguntas, compilei todas as notícias on-line sobre corrupção (incluindo artigos sobre a petição do impeachment e sobre as gerências fiscais que a petição mira) publicadas no site dos dois principais jornais do país, Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. Editoriais, artigos de opinião, comentários e blogs estão inclusos junto com matérias normais e entrevistas para dar uma ideia do que era a paisagem midiática no período estudado (Appadurai 1996). Cada notícia foi codificado como pertencente a certa narrativa de corrupção – por exemplo, uma narrativa sobre a corrupção de Eduardo Cunha ou sobre as transgressões de Dilma da Lei de Responsabilidade Fiscal. A figura abaixo inclui as 9 mais proeminentes narrativas dentre dezenas de histórias diferentes nas notícias brasileiras atualmente. A figura dá luz à vida midiatizada dessas narrativas de corrupção – flutuando regularmente ou aparecendo repentinamente e eclipsando todas as outras questões.
 
O período de exemplo da figura acima é 5 meses, de 9 de setembro de 2015, até 1 de fevereiro de 2016. A figura mostra como a atenção midiática aos casos de corrupção culmina no final de 2015, depois descansa brevemente durante o natal e o ano-novo, e depois reaparece imediatamente antes do carnaval de 2016.
 
De fato, cinco aparições são perceptíveis: primeiro, em outubro, a midia focou nas três medidas provisórias, supostamente parte de um acordo de corrupção aprovado durante o mandato de Lula, envolvendo o gabinete do ex-presidente e seu filho. Depois, em novembro, a atenção mudou para o encarceramento repentino do senador Delcídio do Amaral e a ratificação dessa prisão pelo Senado. Em terceiro, logo em seguida, o tópico principal se tornou o processo de impeachment colocado em ação pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
 
A quarta aparição aconteceu em janeiro, quando a cobertura midiática se concentrou no vazamento de mensagens do presidente da construtora OAS, Leo Pinheiro. Finalmente, a revelação de um esquema de corrupção na administração do estado de São Paulo relacionada à chamada mafia da merenda escolar foi o tema principal da quinta aparição.
 
Esse exemplo de notícias, mesmo que somento cobrindo um período limitado de dois veículos de mídia, mostra a natureza variada do comportamento da grande mídia no país. Notícias sobre as contas bancárias de Eduardo Cunha, propinas e manipulações no Comitê de Ética da Câmara são onipresentes durante o período, com um pico com 22 itens em 16 de dezembro, quando o Promotor-Geral exigiu a saída de Cunha do cargo. Curiosamente, o caso de corrupção de Cunha, que foi intensamente tratado no dia 1 de dezembro, em antecipação de uma votação crucial no Comitê de Ética, foi eclipsado pelo processo de impeachment enquanto os editores e jornalistas mudaram o foco para Dilma, permitindo  que Cunha conseguisse escapar parcialmente da atenção da mídia. 
%u228
%u228%u228Que outras histórias sobre corrupção atraíram a atenção da mídia junto com a aceitação da petição do impeachment por Eduardo Cunha? À parte da cobertura das contas suíças de Cunha e de seus acordos suspeitos, duas histórias críticas envolvendo o PT, apareceram: o encarceramento do senador Delcídio do Amaral e as investigações da 21a fase da operação Lava-jato em 24 de novembro. À parte, também, da cobertura de corrupção, mas também contribuindo ao ataque geral à Dilma, podemos salientar as notícias sobre a rejeição das contas do governo de 2014 pelo Tribunal de Contas da União. Cada um desses três temas de notícias contribuíram, ao final de 2015, ao ambiente político de apoio ao impeachment. De acordo com o tom geral da cobertura, o governo do PT foi criminoso, corrupto ou responsável pela má gerência das finanças públicas, ou uma combinação dessas coisas. 
 
O clima mudou brevemente no meio de dezembro, no entanto, quando o Promotor-Geral denunciou Cunha para o Supremo Tribunal Federal e sua possível remoção do cargo ameaçou parar todo o processo de impeachment. O vice-presidente Michel Temer declarou em uma entrevista em janeiro que “o impeachment perdeu força”. O foco anti-PT parcial na cobertura de novembro foi substituído por um tom mais difuso que misturou revelações contra o governo do PSDB em São Paulo com informações sobre o vazamento da OAS que envolveu Cunha, figures chave do PMDB e alguns ministros do PT. Portanto, a paisagem midiática de janeiro ainda estava cheia de histórias de corrupção, mas com alvos em todo o espectro político. 
 
Como um todo, até 12 de maio, a data em que o caso do impeachment foi aceito no Senado e Dilma foi forçada a sair, as narrativas sobre corrupção envolvendo os líderes do PT são extremamente representadas nas coberturas de notícias do Estadão e da Folha. Descontando as notícias sobre os procedimentos do impeachment, os ex-líderes do PT, mais notadamente o ex-presidente Lula (950 total) e o ex-senador Delcídio do Amaral (280 total), eram os alvos preferidos da cobertura no período, somente competindo com Eduardo Cunha, que foi objeto de 600 notícias.  Notícias sobre corrupção envolvendo a Petrobras, mais frequentemente envolvendo o PT e/ou PMDB mas sem políticos específicos associados, alcançaram 675 no período estudado.
 
Notícias sobre o suposto envolvimento de Dilma no direcionamento de dinheiro da Petrobras para suas campanhas presidenciais alcançaram 250, enquanto notícias sobre seu impeachment alcançaram mais de 2500 nos dois veículos de mídia. 
 
Os outros políticos investigados não chegam perto do foco intenso nessas quatro figuras (Lula, Dilma, Delcídio e Cunha). No topo do segundo escalão, o atual presidente do Senado, Renan Calheiros, recebeu a atenção de 50 notícias, logo acima do senador Aécio Neves. Enquanto Neves,  candidato presidencial de 2014, somente recentemente se tornou alvo das investigações, Calheiros está envolvido em 12 investigações diferentes até hoje. Outras figuras do PMDB e do PSDB que agora estão sendo investigados não são mirados tão frequentemente pela mídia como Calheiros e Neves. O presidente já impichado e agora senador, Fernando Collor de Mello, e outros politicos do terceiro escalão estão todos abaixo da marca de 20 notícias na cobertura do Estadão e da Folha. Em comparação, os filhos de Lula (Luis Claudio e Fabio Luis) receberam mais atenção midiática mesmo que nunca tenham ocupado um cargo.
 
Com Dilma recebendo uma cobertura 50 vezes maior que a de Aécio com relação à corrupção, e os políticos chave do PMDB (senadores como Lobão, Raupp, Jucá, e Michel Temer) raramente aparecendo nas notícias, não é de se surpreender que a responsabilidade do escândalo de corrupção da Petrobras aos olhos públicos fique somente para o PT e Dilma. Seu impeachment foi a consequência lógica não somente de uma coalizão frágil, mas também de uma onda negativa de notícias prolongada, ou hype de notícias negativa (Wien and Elmelund-Præstekær 2009), centrando nela, seu partido e seu predecessor, Luis Inácio Lula da Silva.

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