O advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, encaminhou carta ao jornal O Estado de S.Paulo, em resposta ao editorial "Lula quer desmoralizar o Brasil", publicado nesta quinta-feira (20). Segundo Zanin, o editorial "chama a atenção por dois aspectos: primeiro, o indevido ataque feito a nós, advogados do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, e o segundo, a clara tentativa de manipular os fatos".
"A verdade, porém, é que todo o trabalho da defesa está escorado em dois pilares: fatos e técnica jurídica. Não usamos "convicções" - que o jornal confunde com "fortes evidências" - ou simulacros de legalidade", diz o advogado.
Zanin afirma no texto que o jornal "falta com a verdade" e assume conduta "leviana". O advogado, então questiona "por que o jornal fica silente em relação aos ilícitos praticados pela Lava Jato".
"Por que não tratou a interceptação de 25 advogados com o mesmo rigor que lida, por exemplo, com a quebra do sigilo de um jornalista?", indaga.
Segundo Zanin, é o Estado de S. Paulo que está "ajudando a desmoralizar o Brasil" ao tentar descaracterizar o trabalho dos advogados, "ao lançar falsos boatos e, ainda, ao manter-se acrítica em relação às ilegalidades patentes que estão sendo cometidas no âmbito da Operação Lava Jato".
Confira a íntegra:
Ao Jornal O Estado S.Paulo
Att. Sr. Antônio Carlos Pereira - Editor Responsável
Senhor Editor,
O editorial publicado nesta data pelo jornal O Estado de S.Paulo chama a atenção por dois aspectos: primeiro, o indevido ataque feito a nós, advogados do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, e o segundo, a clara tentativa de manipular os fatos.
Diz o editorial, em linguagem propositadamente ambígua - que evidencia reprovável desrespeito aos profissionais envolvidos -, que uma "chusma" de advogados de Lula o estaria auxiliando para "politização dos processos judiciais". A verdade, porém, é que todo o trabalho da defesa está escorado em dois pilares: fatos e técnica jurídica. Não usamos "convicções" - que o jornal confunde com "fortes evidências" - ou simulacros de legalidade.
O denso conteúdo jurídico das defesas que apresentamos em favor de Lula pode ser verificado por qualquer interessado no site www.abemdaverdade.com.br. Essas peças destroem as frívolas acusações lançadas contra o ex-Presidente, que claramente se utilizam da técnica do lawfare, ou seja, da manipulação da lei e dos procedimentos jurídicos para usá-los como arma de guerra contra um inimigo.
Também não é verdade que tenhamos "várias vezes" contestado a "autoridade e a isenção dos magistrados responsáveis" pelos processos envolvendo Lula. Se o jornal tivesse feito uma apuração correta, iria verificar que questionamos, com base em relevantes elementos concretos, a perda da imparcialidade de dois magistrados. Como advogados de Lula, não estamos submetidos a qualquer "ordem", muito menos de terceiros, ao contrário do que sugere o diário (Código de Ética e Disciplina da OAB, art. 2º, inciso II; art. 11). É a lei que nos permite fazer esse questionamento, pois o art. 254, I, do Código de Processo Penal estabelece que o magistrado (juiz, desembargador ou ministro) não pode julgar um "amigo íntimo" (expressão literal da lei). A suspeição, é, portanto, uma questão técnico-jurídica, que não se confunde com falta de preparo do magistrado e muito menos com qualquer desconfiança sobre a sua idoneidade.
Em relação ao juiz Sérgio Moro, os atos por ele já praticados em relação a Lula falam por si. Afinal, há uma vasta sequência de fatos - todos comprovados - que mostram que o citado agente público praticou violações claras às garantias fundamentais do ex-Presidente, como, por exemplo, ao privá-lo de sua liberdade por meio de uma condução coercitiva sem previsão legal, ao divulgar suas conversas interceptadas para alcançar fins estranhos ao processo, ao grampear 25 advogados do nosso escritório para monitorar a defesa de Lula, ao fazer 12 acusações contra nosso cliente em documento dirigido ao STF e ao participar de eventos com políticos e pré-candidatos do PSDB e de outros partidos que antagonizam Lula.
No caso do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (TRF4), arrolamos 6 testemunhas para demonstrar uma possível relação de amizade entre ele e o juiz Moro. Também apresentamos à Corte um livro de autoria desse desembargador, lançado em 2002, no qual ele reconhece uma crescente amizade e afinidade com o segundo - confirmando a hipótese de suspeição apresentada.
O Estado também falta com a verdade ao sugerir que tais procedimentos de suspeição foram "em vão". Como pode o jornal lançar essa sentença se o Poder Judiciário ainda não proferiu uma única decisão em qualquer dos procedimentos de suspeição envolvendo os magistrados acima? Vale dizer ainda que não houve qualquer julgamento. Aliás, o próprio desembargador do TRF4, de forma conscienciosa e correta, suspendeu o julgamento de parte dos procedimentos que seria realizado na data de ontem para melhor analisar o assunto.
Deve, ainda, ser reputada como leviana a conduta do jornal ao sugerir que Lula poderia buscar "refúgio em regime amigo". É mais uma forma de tentar esconder e desqualificar a sólida defesa jurídica de Lula. Qual seria a base do jornal para fazer essa afirmação mendaz? Nenhuma. Em relação ao tema, o Estado não trabalha com fatos e provas, confundindo-se com a própria atuação da Lava Jato em relação ao ex-Presidente.
Não podemos igualmente deixar de questionar por que o jornal fica silente em relação aos ilícitos praticados pela Lava Jato. Por que não tratou a interceptação de 25 advogados com o mesmo rigor que lida, por exemplo, com a quebra do sigilo de um jornalista?
É a publicação que está ajudando a desmoralizar o Brasil ao tentar descaracterizar o trabalho que fazemos como advogados, ao lançar falsos boatos e, ainda, ao manter-se acrítica em relação às ilegalidades patentes que estão sendo cometidas no âmbito da Operação Lava Jato.
Cristiano Zanin Martins
Do Portal Vermelho
*** *** *** Flávio Dino: “A prisão preventiva está sendo banalizada”
Em artigo publicado na CartaCapital nesta quarta-feira (19), o jurista e professor de direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, também abordou a questão das prisões preventivas no pais, diante da decisão do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em primeira instância, de decretar a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Prisões não devem ser feitas de forma ‘pedagógica’, pelo clamor social, mas sim na forma da lei. Hoje é o Cunha. Amanhã poderá ser qualquer um de nós”, afirmou Serrano. Direito excepcional é a derrogação do direito Flávio Dino, que é juiz federal, também afirma que as prisões preventivas se tornaram arbitrárias. Ele foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para juiz federal, em 1994, cargo que exerceu até 2006, quando deixou a carreira para entrar na política. Foi presidente da Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe) e secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Historicamente, a interpretação mais adequada ao nosso tempo era de que a prisão, antes de qualquer julgamento, era excepcionalíssima. Hoje, vemos o contrário. A prisão preventiva está sendo banalizada”, frisou. Para ele, a decisão do STF sobre a prisão em segunda instância se insere num contexto preocupante. “E questões como essa da prisão preventiva também são bastante inovadoras. Na verdade, há uma ideia de uma espécie de ‘direito excepcional’. Ora, um direito excepcional é a negação do próprio sentido da existência do direito e da sua legitimidade. O direito, como instância da sociedade, só se legitima na medida em que ele tenha atributos de impessoalidade, generalidade, previsibilidade. Se admitir que há interpretações dispares de acordo com as suas simpatias ou antipatias contra A, B ou C, na verdade, está eliminando a essência e a legitimidade última dessa instância social ou desse sistema de poder chamado direito”, destacou Flávio Dino, numa clara referência ao juiz Sérgio Moro, que para justificar as prisões preventivas disse recentemente que “estamos em tempos excepcionais”. “É isso que estamos assistindo. O enfraquecimento de garantias e uma exacerbação de subjetividade que é uma tendência bastante perigosa”, acrescentou o governador maranhense. De acordo com ele, essa “excepcionalidade” só se explica pelo contexto social e político que tem legitimado essas leituras que se contrapõem à essência do direito brasileiro. Aversão à política “Acho que algo muito menos do campo jurídico e muito mais do campo político. Só se consegue entender certos processos no mundo do direito se não for exatamente a fonte. O contexto social, histórico e cultural é o que tem levado a essas reinterpretações. Por isso, acho que é algo passageiro. Paradoxalmente, tenho uma visão crítica, porém otimista. Esperançosa de que isso mude adiante. O terrível é que a mudança seja irreversível para muitos daqueles atingidos por esse processo”, afirmou. E completa: “A formação de um ambiente ideológico levou ao desequilíbrio da dualidade entre justiça versus velocidade. É como se nós entrássemos numa era em que o vale-tudo é legítimo, que os fins justificam os meios, negando a própria razão de ser do direito que é exatamente evitar que os fins justifiquem os meios porque, caso contrário, é a lei da selva. Temos justamente normas processuais para que não valha a lei da selva, para que não haja o arbítrio”. Flávio Dino afirma, categoricamente, que o discurso ideológico que sustenta a legitimidade do direito “foi derrogado por esse proclamado ‘direito excepcional’”, defendido por Moro. “É algo que me espanta. Eu, particularmente, não imaginava assistir a esse tipo de debate e acho que é a questão mais aguda hoje no campo do debate democrático. Como se dá a relação entre a política, o sistema de justiça e isso passa por debates no campo jurídico, mas, sobretudo, na requalificação da política, porque o que tornou possível tudo isso foi a anulação da capacidade da política servir de freios e contrapeso à exorbitância do poder do subsistema jurídico”, salientou. “Isso nada mais é do que a realização daquilo que Aristóteles disse em Política, ou o que os liberais escreveram no Segundo Tratado de Direito Civil, sobre a separação de poder, ou o que disseram os federalistas: o poder é abusivo por natureza e vai onde encontra limites; os homens não são governados por anjos, por isso cabe controlá-los... É exatamente isso, os juízes não são anjos. Se não tem teto, se não tem limites e ninguém controla ninguém, cada um faz o seu direito ad hoc [para uma finalidade], o direito excepcional, reinterpreta, reescreve”, ressalta Flávio Dino. Sobre a decisão do Supremo em relação à prisão em segunda instância, Flávio Dino disse que apesar de ser uma decisão escassa, 6 votos a 5, a medida buscou atender a um clamor social do momento, mas que certamente será revertido, acredita. “O sistema processual não é um artefato metafísico. É cultural, histórico, datado. Ele sempre lida com uma dualidade: o equilíbrio entre a velocidade e justiça. Sempre se interpreta os institutos processuais buscando ou mais velocidade ou mais justiça. O que me parecer que está claro é que no Brasil, atualmente, há um desbalanceamento desses vetores que em nome do quesito velocidade está se sacrificando o quesito justiça material, ou seja, a qualidade das decisões, por uma série de razões – algumas mais de fundo –, relacionada a esse complexo valorativo da chamada ‘civilização do espetáculo’, que privilegia o instantâneo, que é superficial. E de outro, em razão de uma conjuntura que, aparentemente, tudo se justifica no combate à impunidade”, explica. E conclui: “Na medida em que a política perde a sua legitimidade, a sua respeitabilidade ao ponto do prefeito eleito de uma das principais cidades do mundo se dizer contrário à política, fora da política, externo à política e que tem horror à política, mostra que essa ideia de que um poder controla o outro se perdeu. Ora, se perde, quem está com a bola no pé se sente dono do jogo e começa a fazer as suas próprias regras”.
Do Portal Vermelho
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sexta-feira, 21 de outubro de 2016
Estadão ataca advogados e tenta manipular fatos, diz defesa de Lula.
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