Os senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Humberto Costa (PT-PE) impetraram Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal pedindo o arquivamento da Proposta de Emenda (PEC) 55 por violação à Constituição. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso.
Nós estamos lutando contra os graves retrocessos representados por esta PEC. Mas além da questão política, também surgiu a questão jurídica, pois a PEC rasga princípios assentados na Constituição. É um golpe dentro do golpe”, enfatizou a senadora comunista, Vanessa Grazziotin.
Na ação, os parlamentares apontam que a PEC apresentada pelo governo de Michel Temer (PMDB), que propõe congelar os investimentos públicos por 20 anos, viola cláusulas pétreas da Constituição, como o princípio da separação dos Poderes, pois estrangula a independência e a autonomia financeira do Poder Legislativo, Judiciário, MP e Defensoria Pública.
Viola também o princípio da vedação ao retrocesso social, pois, segundo os senadores, com o corte dos recursos da saúde e educação “mitiga a essência protetora dos direitos sociais”, reduzindo o número de cidadãos beneficiados pelas políticas do Estado.
Ainda de acordo com o texto da ação, a PEC viola o princípio da segurança jurídica, da razoabilidade, pois impõe ao povo o ônus do congelamento, já que é a população mais pobre que depende dos serviços públicos de educação, saúde, previdência e assistência social.
O voto direto, secreto, universal e periódico também são ofendidos pela PEC ao prever ações que serão obrigatórias aos próximos cinco governos. Segundo os parlamentares, a PEC impede o chefe do Executivo de exercer, em sua plenitude, o mandado conferido pela soberania popular, ou seja, pela urnas, e ainda impede o Congresso Nacional de participar ativamente da alocação de recursos orçamentários.
“Nas próximas cinco legislaturas a partir de 2017 e até 2036, os representantes da população na Câmara dos Deputados e os representantes dos estados e do Distrito Federal no Senado Federal, eleitos democraticamente pelo povo, sabem que exercerão um mandato fracionado, amputado, em que lhes é interditado debater o teto de gastos linear e tecnocraticamente fixado pela PEC 55”, afirmam.
Segundo os parlamentares, o congelamento dos investimentos é “medida draconiana”, pois impõe o congelamento dessas despesas. “Dessa forma, qualquer perspectiva de ampliação da atuação desses Poderes e órgãos fica inviabilizada pelos próximos 20 anos”, reforça o documento.
O ministro Barroso fará a análise do pedido, podendo conceder liminar suspendendo temporariamente a tramitação da PEC e, posteriormente, julgar o mérito arquivando ou não a proposta. Os senadores pedem a confirmação da liminar e o arquivamento definitivo da PEC.
Do Portal Vermelho
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A aritmética da PEC 55: o alvo é reduzir saúde e educação.
A PEC não se sustenta sem desvincular saúde e educação, o seu único dispositivo constitucional. Todas as demais propostas do suposto “novo regime fiscal” não eram, até esse momento, nem no Brasil nem em qualquer lugar do mundo, matéria constitucional.
Por Esther Dwek e Pedro Rossi*
Diversos defensores da PEC 55 (ex-241) têm dito que as áreas de saúde e educação não serão afetadas pela PEC, que, na realidade, trata-se apenas de maior realismo do orçamento público. Segundo esses autores, o valor a ser gasto com saúde e educação poderá ser definido por cada governo e, uma vez priorizados esses gastos, em detrimento de outros, não haveria perda nessas áreas. Em artigo recente na Folha de S. Paulo, o economista José Marcio Camargo defendeu essa visão: “A PEC não congela os gastos reais com saúde e educação. Ela estipula que, para aumentá-los, será necessário diminuir os gastos reais em outros itens do Orçamento”.
Se o objetivo da PEC não é prejudicar a educação e saúde públicas, então por que foi inserido um artigo na PEC para reduzir os atuais mínimos constitucionais de saúde e educação? E, após tanto debate, por que até agora foi mantido esse dispositivo da PEC?
A única resposta possível é: o alvo da PEC é saúde e educação. Ou seja, a PEC não se sustenta sem desvincular saúde e educação que, aliás, é o único dispositivo constitucional da PEC. Todas as demais propostas do suposto “novo regime fiscal” não eram, até esse momento, nem no Brasil, nem em qualquer lugar do mundo, matéria constitucional. O que precisa de mudança constitucional é a desvinculação de receitas para saúde e educação. Nesse sentido, trata-se da PEC da desvinculação da saúde e da educação, como fica claro na exposição de motivos que encaminhou a PEC: “esse tipo de vinculação [de saúde e educação com a receita] cria problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos.”
No Brasil, o mínimo para os gastos públicos com educação, estabelecido pelo artigo 212 da Constituição Federal, é de 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI). Já o mínimo para saúde foi modificado recentemente por meio da Emenda Constitucional 86 para 15% da Recente Corrente Líquida (RCL), percentual que deveria ser alcançado de forma escalonada até 2020. No entanto, em 2016, os valores efetivamente aplicados para cumprir os mínimos constitucionais de saúde e educação serão 15% da RCL e 23% da RLI, respectivamente.
Portanto, o que a PEC 55 prevê para 2017, que foi considerado um “ganho” pelo relator da PEC – o gasto mínimo com educação de 18% da RLI e com saúde de 15% da RCL – não é maior do que já se obteve em 2016. E, a partir de 2018, ambos terão como piso o valor mínimo do ano anterior reajustado apenas pela inflação e não mais pelo crescimento da receita, que, normalmente, cresce acima da inflação.
Comparando as regras atuais com o mínimo estipulado pela PEC, percebe-se que o piso previsto pela PEC é, na verdade, um piso deslizante. Ou seja, ao longo do tempo, o valor mínimo destinado à educação e saúde cai em proporção das receitas, e, consequentemente, também em relação ao PIB, e, ainda mais grave, por cidadão.
No entanto, apesar do “piso deslizante”, existe a possibilidade de se gastar com saúde e educação acima do mínimo, a partir da redução de outros gastos. Mas essa possibilidade é limitada pela redução dos gastos totais e pelo crescimento de alguns outros gastos. Na verdade, é matematicamente impossível, em condições normais, como mostraremos a seguir.
Ao se estabelecer um teto que reduz o gasto público em proporção do PIB, há uma compressão dos gastos sociais. Em nota recente, o Bradesco apresentou os cálculos do impacto da PEC sobre as despesas primárias federais, muito semelhantes ao que foi calculado no texto “Austeridade e Retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil”. Nos cálculos do Bradesco, frente à queda do teto a cada ano, nos 10 primeiros anos, as demais despesas federais, exceto previdência, seriam reduzidos dos atuais 12% do PIB, para 5% do PIB. Nesse montante estão hoje os mínimos constitucionais de saúde e educação públicos que corresponderam a aproximadamente 3% do PIB em 2016, sendo o gasto efetivo nessas áreas em torno de 4% do PIB. Isto significa que, para manter o mesmo percentual do PIB gasto com saúde e educação, seria necessário reduzir todos os outros gastos, dos atuais 9% para 2% do PIB, o que é impossível.
Mesmo com uma reforma, os gastos com previdência, hoje em torno de 8% do PIB, devem aumentar por uma questão demográfica. Mas, considerando uma improvável estabilização do gasto com previdência, a aritmética da PEC mostra que é impossível manter o mesmo nível de gasto com saúde e educação em proporção do PIB sem a hipótese anarcocapitalista de se eliminar os outros gastos públicos, executivo, judiciário, legislativo, assistência, segurança pública, defesa, cultura, agricultura infraestrutura, cultura etc.
Portanto, é demagogia defender simultaneamente a PEC e a educação e saúde públicas.
*Esther Dweck é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessora econômica do Senado Federal; Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp e coordenador do Conselho Editorial do Brasil Debate.
Fonte: Brasil Debate
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Esquerda teve derrota, mas direita não tem projeto comum, diz Martins.
“O golpe veio por nossos acertos, mas a incapacidade de resistir com a energia necessária veio de nossos erros”. A autocrítica é do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social no governo Lula, Franklin Martins. Para ele, o impeachment aconteceu para barrar o projeto inclusivo comandado pelo PT. Mas as forças progressistas se equivocaram ao deixar de lado a luta política diária e não priorizar a reforma política e a regulamentação dos meios eletrônicos.
Segundo ele, a esquerda sofreu uma derrota, mas aqueles que se uniram para derrubar a presidenta Dilma Rousseff não têm um projeto comum.
Em participação no Encontro Regional de Articulação Sindical, da CUT, Franklin Martins considerou “impressionante” que forças conservadoras tenham conseguido reunir até mesmo “atores de centro, agentes políticos, do Estado, de mídia, empresários, um apoio internacional encoberto, tudo isso para depor uma presidenta legitimamente eleita – e convenceram, em certa medida, a maioria do país de que isso se aplicava”.
Mais que isso, avaliou, essas forças instalaram um governo que implementa agora o programa derrotado nas urnas pela maioria da população, embora econtre pelo caminho uma resistência que está aumentando. “Não foi golpe contra Dilma, Lula ou o PT, foi contra a vontade manifestada pelo povo nas urnas. Eles viram uma janela de oportunidade para deter um projeto popular, democrático e inclusivo, que vinha se consolidando. (...) Quando investiram contra Dilma, investiram contra a base da democracia, que é que o povo faz as escolhas de fundo”, disse.
O jornalista declarou que não esperava vivenciar esta situação. “Não esperava que tivessem coragem de ir tão longe(...)”, disse. Ele afirmou que pensava que, após 21 anos de ditadura militar, as forças conservadoras no Brasil fossem mais democráticas.
De acordo com o ex-ministro, os governos Lula e Dilma começaram a desmontar o que ele chama de naturalização da opressão. “A opressão só é aceita quando é vista como algo natural, e isso foi sendo desmontado durante esses governos”. Segundo Martins, a oposição se colocava contra os mais diversos avanços, como a valorização do salário mínimo, o ProUni e a descoberta do pré-sal, mas terminou sempre derrotada.
Nas eleições de 2014, essas forças conservadoras tentaram emplacar o programa da austeridade, mas foi, mais uma vez, vencida, lembrou. “Não foi adiante, porque a sociedade tinha tido uma experiência de que era possível mudar. Não existe nada mais importante na política que a experiência de milhões de pessoas. Discurso e liderança são importantes. Mas a experiência das pessoas é algo maior”, defendeu.
Nesse sentido, ele diferenciou o golpe de 1964 do golpe de 2016. “Em 1964 foi um golpe contra extraordinárias expectativas de mudança, mas eram expectativas, porque ainda não havia mudança. O golpe veio para abortar um processo que permitia que as expectativas se transformassem em realidade, através de uma construção política. Esse golpe de agora não é um golpe nas expectativas, é um golpe que agride a experiência das pessoas, que mudaram, gostaram de mudar, viram quem era bom mudar e era possível”.
Para ele, apesar de a esquerda ter sofrido uma derrota agora, os agentes por trás do golpe não são coesos, nem possuem uma proposta para o país. “Eles têm uma liderança? Um projeto claro? Não. Eles têm uma conjunção de setores, grupos empresariais, políticos, partidos, corporações, mídia, mas não têm um projeto comum”, opinou.
Segundo ele, muitos que apoiaram o impeachment foram sendo descartados após o desfecho do processo, e o próprio Michel Temer não teria liderança. “Eles estão ancorados em uma coisa que é forte e frágil ao mesmo tempo – que é o discurso anticorrupção”, avaliou, destacando que, de uma forma ou de outra, todos os atores políticos atuam dentro de um sistema que estabelece relações promíscuas entre agentes políticos e grupos econômicos que prestam serviços ou Estado.
“Eles estão nessa situação em que nós perdemos, mas o que eles apresentaram até agora? Austeridade, tirar direitos sociais, investir contra a presidente, enxugar o Estado especialmente nos investimentos para a grande maioria. Porque formos derrotados então? O golpe veio por causa de nossos acertos, mas a incapacidade de resistir com a energia que era necessária veio de nossos erros”, concluiu.
O ex-ministro aponta como um primeiro erro, a partir de 2010, as forças no poder terem aberto mão do trabalho de luta política na intensidade que se exigia. “Ou seja, o lado de lá falava e nós não respondíamos. E isso não é um problema de comunicação, embora se expresse na comunicação”, descartou.
“Nós jogamos no campo adversário, a bola é do adversário, as regras e o juiz são do adversário, a torcida é adversária. Se não fizermos a disputa todo dia, vamos perder”, Franklin conta que defendeu, quando Lula o chamou para ser ministro. A partir de então, o ex-presidente teria concordado em conceder várias entrevistas por semana, para defender o projeto que executava.
“Não há nada mais forte na política que a experiência das pessoas, e o governo do Lula melhorou a vida das pessoas. Lula saiu [do governo] lá em cima não só porque a economia estava bem, mas porque construiu o discurso, e a população olhou e disse: ‘foi isso que eu vivi, é isso que eu estou sentindo’. Não entendo porque se abandonou essa política de fazer a disputa diária”, lamentou.
Segundo ele, a agenda política do governo foi sendo substituída pela agenda construída pelos adversários. “A agenda dos malfeitos se sobrepôs à agenda da inclusão social, em uma época em que nós, ao final do primeiro governo da presidenta Dilma, tivemos 4,8% de desemprego, a menor taxa da história. E a agenda, ao invés de ser o pleno emprego, era responder sobre os malfeitos. Tem que fazer a disputa política e acho que não foi feita”, analisou.
Para o ex-ministro, a agenda da inclusão social, foi que deu a vitória a Dilma, depois, foi sendo desidratada e deixada de lado, o que semeou enorme confusão. Ele apontou que forças que se mobilizaram “com energia extraordinária no final da eleição” e deram a vitória para o projeto da inclusão, depois, se viram sem motivações para defender tal projeto.
Outro erro apontado por Martins é o fato de não se ter defendido com vigor a necessidade de reforma política. O ex-ministro destacou, em especial, os problemas da eleição proporcional, que tem gerado congressos despolitizados, em geral. Segundo ele, “as elites descobriram” que legislaturas assim terminam sendo uma “forma de frear o poder do presidente”.
Um terceiro equívoco, na sua opinião, foi a falta de regulação dos meios eletrônicos. “Rádio e televisão são uma concessão do Estado. Porque eu vou dar uma concessão para você e, não, para ele? Tem que ter regras, obrigações. Toda concessão é assim. Qualquer concessão, como é algo limitado a poucas empresas, tem que ter regras”, defendeu.
O jornalista declarou que, no Brasil, ficou naturalizada a ideia errada de que aquele é um espaço privado, sob o domínio de emissoras como Globo e SBT. Ele mencionou ainda a absurda concentração dos meios de comunicação e sua partidarização. “Se há uma denúncia contra alguém que não gosto, é propina, se é para alguém com quem concordo, são recursos não contabilizados”, comparou, referindo-se ao tratamento diferenciado dado pela mídia aos seus aliados.
Do Portal Vermelho
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