sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Caos institucional contamina ao Supremo Tribunal Federal - As discrepâncias entre os membros do STF se tornaram mais frequentes, com a imprensa revelando conflitos ideológicos entre alguns ministros.

Filipe Sampaio


Por Mario Osava, para IPS

Diante da responsabilidade de dirimir questões cruciais da crise política brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF) se deixou contagiar pela degradação das institucional, cada dia mais visível, e se transformou em outro fator de incerteza.

Na decisão mais transcendente da semana passada, com o voto de seis dos onze ministros, a mais alta instância do Poder Judiciário do Brasil determinou a manutenção de Renan Calheiros na Presidência do Senado, embora retirando-o da linha de sucessão – ou seja, ele não poderá substituir o presidente da República em nenhum caso –, o que gerou controvérsias jurídicas e insatisfação popular. No caso da inabilitação ou ausência do presidente e do vice-presidente do país, seus substitutos constitucionais são aqueles que exercem a presidência da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, nesta ordem.

Porém, a Constituição brasileira também veta o exercício da chefatura do Estado a pessoas processadas por delitos comuns, e Calheiros enfrenta 12 processos judiciais, a maioria por corrupção, e já um deles já foi aberto por este mesmo STF, no primeiro dia deste mês.

O problema, destacado pelos juristas é que a faculdade de substituir o mandatário do país pertence à Presidência do Senado, não ao senador que a ocupa temporariamente. A decisão do STF suprime essa prerrogativa, configurando uma intervenção de um poder sobre o outro, de forma constitucionalmente questionável.

Para a opinião pública, esse ditame resultou ainda mais desastroso. O “Fora Renan” foi a principal consigna dos protestos contra a corrupção que reuniram dezenas de milhares de manifestantes em São Paulo e outras cidades brasileiras poucos dias antes, em 4 de dezembro. Nas redes sociais, proliferaram as reações negativas à “covardia” do STF, posto “de joelhos” diante do “poderoso” senador, acusado de conivência com a corrupção.
 
Não se tratou somente de manter a Calheiros na Presidência do Senado, mas também de tolerar sua rebelião contra a primeira decisão do máximo tribunal – dois dias antes, na segunda-feira 5/12, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu afastar Calheiros da função, acolhendo o pedido do partido Rede Sustentabilidade cujo argumento era que ele não tem condições de desempenhar um papel que tem, entre suas atribuições, a possibilidade de substituir o presidente Michel Temer.
 
A medida provisória do ministro Mello, legalmente vigente durante dois dias – nos quais Calheiros se manteve no cargo, ignorando a sentença judicial, com o apoio da Mesa Diretora do Senado – foi desautorizada na quarta-feira 7 de dezembro, pela decisão do plenário do STF.
 
A ilegalidade do incumprimento da medida inicial também ficou impune após a decisão final do STF, que se auto desprestigiou perante a opinião pública e abriu um precedente para que outros políticos ignorem as sentenças da Justiça.
 
“Crise institucional” foi o termo com o qual muitos juristas e analistas políticos definiram as consequências do que aconteceu nessa semana. A decisão do STF foi política. Pensou-se em superar a confrontação entre os poderes Judiciário e Legislativo, além de assegurar a governabilidade, segundo a retórica posterior ao fato, baseado no temor que sem Calheiros não seria possível votar e aprovar a PEC 55, o ajuste fiscal de vinte anos que é um dos projetos prioritários do novo governo, cuja votação estava fixada para este 13 de dezembro.
 
Para o governo, a aprovação da PEC era vital, pois permitia um congelamento nos gastos públicos, com incremento anual máximo equivalente à inflação do ano anterior.
 
O substituto de Calheiros seria Jorge Viana, do esquerdista e agora opositor Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o país entre 2003 e agosto deste ano, e que foi um dos principais críticos da proposta de austeridade fiscal, por considerar que forçaria uma redução do orçamento da saúde, da educação e dos programas sociais.
 
Dessa forma, a decisão do STF deverá tranquilizar o mercado financeiro e outros setores que apostam numa forte contenção do déficit orçamentário, para recuperar a economia a partir de 2017.
 
Porém, como se esperava, essa recuperação econômica não começou este ano, o que gerou rumores sobre a possível substituição do ministro de Fazenda, Henrique Meirelles, até então intocável, e até mesmo do presidente Michel Temer.
 
Retomar o crescimento econômico é uma tarefa considerada indispensável para a sustentação do governo de Temer, de baixa legitimidade e popularidade, por emanar da destituição da ex-presidenta Dilma Rousseff, um processo que não está livre de questionamentos. Temer era seu vice-presidente, participando assim da chapa que triunfou nas eleições de outubro de 2014, quando Rousseff foi reeleita para um segundo quadriênio.
 
As turbulências políticas, alimentadas especialmente pelas investigações de corrupção, contribuíram para as dificuldades econômicas, já que a superação das mesmas depende da aprovação parlamentar do ajuste fiscal e outras medidas como a reforma da Previdência Social.
 
Com um Congresso Nacional liderado por políticos como Calheiros, acusados ou suspeitos de participar em numerosos casos de corrupção, a instabilidade é permanente.
 
Alguns políticos já foram detidos, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o ex-ministro de Fazenda, Antônio Palocci, e dois ex-governadores do Estado do Rio de Janeiro, além de mais de 50 empresários.
 
Dezenas cumprem sentença em liberdade, por ter colaborado com as investigações. Mais de cem 100 parlamentares já são investigados, ou serão quando chegarem ao Ministério Público as informações apresentadas por 77 diretores do grupo empresarial Odebrecht, que aceitou colaborar com a Justiça, a respeito das propinas entregues em troca de contratos com o governo ou com a estatal petroleira Petrobras. Este será provavelmente o golpe final ao sistema político construído no Brasil após o fim da ditadura militar (1964-1985).
 
O principal partido constituído nesse período, o PT, foi profundamente golpeado pelos escândalos que terminaram com as carreiras de vários dos seus dirigentes, contribuindo também com a destituição de Dilma Rousseff e ameaçando o futuro de seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011).
 
Agora, é a vez de outros partidos que protagonizaram a recente história política recente do Brasil, como Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – a legenda de Temer e Calheiros, de centro-direita – e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do atual chanceler José Serra, uma agrupação que já foi de centro-esquerda, mas que hoje é a principal referência da direita no Brasil –, experimentarem o olho do furacão.
 
O processo se prolonga porque a maioria dos suspeitos só pode ser investigada e processada pelo Supremo Tribunal. No Brasil, o “foro privilegiado” é um benefício dado aos parlamentares e chefes do Poder Executivo, como ministros e governadores estaduais, além do presidente da República.
 
No meio desta crise, que ameaça arrasar com a classe política brasileira, a Justiça é gradualmente arrastada pelo redemoinho. Um movimento dos parlamentares, encabeçado pelo próprio Renan Calheiros, busca aprovar uma lei para penalizar abusos das autoridades judiciais, medida considerada uma tentativa de conter as investigações de corrupção contra os próprios legisladores.
 
O STF, guardião da Constituição no país, acumula sentenças que contrariam disposições constitucionais ou que são consideradas intervenções indevidas nos demais poderes, posando como novo “Poder Moderador”, segundo o jurista Oscar Vilhena, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo.
 
Além da decisão que manteve Calheiros na Presidência do Senado, embora vetando-o como eventual substituto do mandatário do país, outra polêmica medida aprovada pelo STF neste 2016 aconteceu em fevereiro, quando os ministros decidiram que os réus condenados em segunda instância já podem ser detidos. A controvérsia, nesse caso, se deu pelo fato de que a Constituição brasileira fixa a presunção de inocência até o “trânsito em julgado”, ou seja, o último recurso, que pode ser na terceira ou quarta instância judicial.
 
As discrepâncias entre os membros do STF, às vezes agressivas, se tornaram mais frequentes, com a imprensa revelando conflitos ideológicos e inclusive partidários entre alguns ministros. Esta situação aumenta o risco de descrédito dessa instituição, devido ao prolongamento e ao aprofundamento da crise política no Brasil.
 
Tradução: Victor Farinelli

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