“Nosso desejo é extrapolar essas frentes. Como não fomos capazes de arrefecer a ofensiva da direita, temos que ter muita capacidade política, firmeza nos princípios e fidelidade na relação, porque muitas das forças políticas que se envolveram no golpe estão vivendo contradições. Temos que fazer um esforço para que pessoas que entraram nesse barco possam pular e venham se somar a uma reação que é necessária para o país”, reforçou Luciana, frisando ainda que para fortalecer o debate político, o PCdoB vai apresentar candidatura própria à Presidência da República em 2018. Confira a íntegra da entrevista: Portal Vermelho - Desde as eleições de 2014, o país enfrenta uma profunda crise política que contaminou as instituições do poder. Na sua avaliação o que foi determinante para desencadear essa crise? Luciana Santos - Sem dúvida o primeiro aspecto é o econômico. O Brasil, a exemplo de vários países do mundo, sofre o impacto da terceira grande crise do capitalismo, que é sistêmica e se desenvolveu em 2008, que no primeiro momento atingiu os países do chamado G7, com uma economia mais forte, e em seguida os países emergentes. E associado a uma queda das commodities, que é uma atividade das mais relevantes do país. Isso associado a uma grande orquestração, um conluio de vários setores que há tempos não se conformavam com o projeto que estava em curso no país. A estratégia foi desgaste desse projeto político que se associou a poderosas forças da economia, principalmente do rentismo, da grande mídia, setores do Judiciário e dos órgãos de controle e das forças conservadores, que há algum tempo viviam um impasse político e na hora que vislumbraram que a saída poderia ser o Temer, marcharam em direção ao impeachment. O PCdoB, desde 2015, quando se iniciava as movimentações do impeachment, alertou que estava em curso um golpe no país. Como dizia Karl Marx, a história não se repete. A primeira acontece como tragédia, depois se repete como farsa. O que vimos acontecer foi o mesmo que ocorreu durante os governos de Getúlio Vargas e João Goulart, quando se apresentou um projeto popular, nacional e de garantias de direitos, setores conservadores vem com pretextos de qualquer natureza para tentar interromper esse projeto. Foi o que fizeram. Inventaram um crime de responsabilidade que Dilma Rousseff não cometeu para justificar o impeachment. Agora, estão colhendo tempestades. Ao contrário do que diziam - que com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff e o PT, voltaria a confiança do mercado e a estabilidade política e, com isso, retomada do crescimento -, o que estamos assistindo é mais corrupção, mais desemprego e mais falta de perspectiva da retomada da democracia, porque ao contrário da estabilidade política nós estamos vivendo um ambiente de imprevisibilidade, forte instabilidade política e até crise institucional, com o aparato do Judiciário e policialesco querendo se sobrepor a todo custo ao sistema de poder no Brasil. Sistema esse que foi conquistado no final do século 19, com a República e hoje, o salto civilizacional do passado, está sendo ameaçado. Rui Barbosa dizia que a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário, pois contra ela, não há a quem recorrer. O PCdoB, num momento como esse, mais uma vez não vacila. Nós temos uma posição clara: Fora Temer! Em defesa da soberania popular direta para garantir uma saída política que resista a afronta aos direitos provocadas com a PEC do Teto, a reforma da Previdência e a desnacionalização da nossa economia. Portal Vermelho - Como apontou, em pouco mais de seis meses de governo, Temer aplicou uma agenda de retrocessos sociais e econômicos. Como consequência, a rejeição ao seu governo aumenta, dando margem a proposta de novas eleições. Para o PCdoB essa é uma alternativa viável para o país? Por quê? Luciana Santos - Teríamos que aprovar uma emenda constitucional que pudesse deixar explícito que eleições direitas só se dará no último ano, o que viabilizaria a realização de eleições diretas para o ano que vem. A estratégia desse consórcio golpista é realizar eleições indiretas com a base que existe no Congresso Nacional, desconsiderando qual é a opinião da população sobre o destino do país. O nosso principal vetor é a soberania popular. Deram um golpe de estado, portanto é preciso sanar essa medida que teve um impacto estarrecedor nos interesses nacionais. É preciso criar uma saída pela política. De fato, Luciana, a crise produziu como efeito a judicialização da política em que o Judiciário assumiu o protagonismo do debate. Como presidenta de um partido com 95 anos de existência a senhora imaginava que chegaríamos a esse cenário? Para nós, a corrupção deve ter tolerância zero. No entanto, o combate à corrupção não pode ser pretexto para atender outros interesses. Fica cada vez mais nítido o uso político da Operação Lava Jato. E para além do uso político, é preciso ver a dimensão econômica. O impacto da Lava Jato na recessão significou no ano passado, segundo economistas, 2% do Produto Interno Bruto (PIB), e isso se acelera por conta do processo de desnacionalização da economia promovido pelo governo Temer. O setor elétrico com os chineses, construção civil com os espanhóis e canadenses... De fato, o resultado do golpe tem sido contra o interesse nacional, na medida em que promove a quebradeira da indústria, um desemprego galopante e um ceticismo quanto à possiblidade de ter estabilidade política e econômica para que as pessoas possam voltar a investir. O pacote da reforma da Previdência diz que veio para retirar direitos e que os direitos do mercado financeiro são intocáveis. É o estado máximo para o mercado financeiro e estado mínimo para o povo. Precisamos resistir e mobilizar a população para que ela possa voltar a ser protagonista desse processo. Portal Vermelho - Na última eleição surgiram candidatos dizendo que deveriam ser eleitos porque não eram políticos, mas gestores. Como responder a essa estratégia de negação da política? Luciana Santos - A Operação Mãos Limpas, na Itália, teve como resultado a eleição do Berlusconi e mais corrupção. Essa solução que se deu na Itália nós não podemos permitir que aconteça no Brasil. A solução não pode ser pela direita. Não pode ser uma solução fascista, como está acontecendo em várias partes do mundo, com o discurso da antipolítica. Aliás, esse sempre foi o discurso da direita, já que é impossível defender um conteúdo programático do seu projeto político. Para vingar um projeto conservador de direita, a crise institucional e política, ou seja, o caos, são necessários para implantar o seu projeto.Portal Vermelho - A esquerda foi um dos principais alvos da ofensiva da direita com ataques por meio de órgãos do Judiciário e da mídia. Em resolução divulgada recentemente, o PCdoB definiu como uma das principais diretrizes a construção de uma frente ampla capaz de unir a esquerda numa contraofensiva a esse movimento. Quais são as bandeiras que podem unificar a esquerda em torno dessa frente? Luciana Santos - Primeiro, destaco o vetor democrático. Em um momento como esse o aspecto da soberania popular se faz ainda mais necessário, por isso levantamos essa bandeira de forma firme e direta. A outra é a defesa do interesse nacional, da economia, da Petrobras, do BNDES, ou seja, daquelas ferramentas que podem induzir o desenvolvimento nacional. Outra variável é a resistência contra a retirada de direitos, que é avassaladora. A reforma da Previdência e a PEC do Teto são pacotes cruéis que mexem em conquistas históricas do povo brasileiro. A política de assistência social foi responsável pela retirada do Brasil do Mapa da Fome. Vamos retroceder com as medidas previstas pelo teto. A reforma da Previdência é o programa máximo desse consórcio que está no controle no Brasil. A junção desses projetos criará um Estado que não terá capacidade de responder ao mínimo dos investimentos de saúde e educação. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo foram decisivas como base de reação e manifestação popular. Uma agenda que foi construída num esforço de uma frente que reuniu entidades e partidos. Foi decisivo e será ainda mais para que a gente dê um rumo. Nosso desejo é extrapolar essas frentes. Como não fomos capazes de arrefecer a ofensiva da direita, temos que ter muita capacidade política, firmeza nos princípios e fidelidade na relação, porque muitas das forças políticas que se envolveram no golpe estão vivendo contradições. Temos que fazer um esforço para que pessoas que entraram nesse barco possam pular e venham se somar a uma reação que é necessária para o país. Portal Vermelho - Outro ponto apresentado na resolução do PCdoB é a busca do protagonismo para garantir uma candidatura própria em 2018 à Presidência da República. Como essa proposta pode contribuir para o atual cenário político que temos hoje? Luciana Santos - Nós vivemos um paradoxo no PCdoB. Somos um partido muito respeitado, temos uma história política de coerência, de dedicação às causas estratégicas do povo brasileira. Não há um momento, desde 1922 para cá, que não tenha a presença do partido. Na causa nacional, na luta por direitos, na causa democrática, nós nunca nos movemos por interesses partidaristas. Sempre nos movemos por interesses mais amplos. Embora a gente tenha muitos fatos políticos, não falta no PCdoB envergadura, estatura e quadros que dão todas as condições de apresentar uma candidatura à Presidência da República com consistência, preocupados com a boa política e com um conteúdo programático. O que nos faltou foi força política. Esse é o nosso paradoxo: muita consistência ideológica, programática, política, com quadros, mas sem força. Além disso, sempre colocamos o interesse nacional acima dos interesses do partido. Mas num momento como esse de muita fragmentação do nosso campo, nós achamos que é necessária uma candidatura própria para que possamos nos apresentar como alternativa, para que as pessoas nos enxerguem como mais nitidez, para que as pessoas enxerguem o espectro do nosso campo de esquerda de maneira mais ampla. E muitas vezes esse exercício é mais fácil com a candidatura própria que possa circular e se apresentar, até para que as pessoas possam alcançar qual é o pensamento do nosso partido, que acaba ficando diluído num campo. Não ter candidatura própria nunca foi um problema para nós, mas num momento como esse, de tanta fragmentação e defensiva, achamos que se faz necessário, por isso estamos construindo essa possibilidade para fazer jus aos desafios do momento, em que temos uma crise institucional muito forte e que a gente precisa ajudar a coesionar uma frente ampla que possa sair do debate fulanizado para um debate de ideias mais consistente. O exercício da candidatura própria que fizemos na década de 40, vamos repetir em março do ano que vem. Portal Vermelho - Diante de um cenário tão nebuloso que foi o ano de 2016, qual mensagem você deixa aos militantes do PCdoB para 2017? Luciana Santos - Em 2016, nós não fugimos à luta. Nós nos agigantamos, nós fomos para o front apesar de pequenos, e influenciamos o rumo. E em 2017 vamos continuar nossa luta com esperança. Os comunistas são aqueles que não se abatem nos revezes. A gente sempre tem a capacidade de dar a volta por cima porque somos homens e mulheres de perspectivas.
Do Portal Vermelho
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