quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Reforma obriga a trabalhar até morrer e não reduz custo no curto prazo.

 


“O mais dramático é que os efeitos fiscais da reforma vão exatamente na contramão do que é pretendido. O argumento usado pelo governo é o de que o país está quebrado e tem que reduzir despesas. Mas a reforma da Previdência faz exatamente o contrário no curto prazo”, diz o economista.

Isso porque as incertezas e o medo de perder direitos já tem levado a uma corrida pela aposentadoria. “Isso aconteceu em 1998 e em 2003 também, nas reformas anteriores. Quando se fala em mexer na Previdência, sempre é para retirar direitos, então às pessoas correm e antecipam sua aposentadoria. O efeito imediato para 2017 e 2018, portanto, é de aumento das despesas, muita mais gente vai se aposentar. É a corrida da incerteza”, aponta Kliass.

Dados do Ministério do Planejamento, divulgados pelo El País em novembro, já indicavam recorde na solicitação de benefícios. Diante da ameaça de mudanças, entre janeiro e agosto, 11.635 funcionários solicitaram aposentadoria, uma média mensal de 1.939. Trata-se da maior média desde 2003. Para efeito de comparação, no ano passado, a média era de 1.374, 42% menor do que neste ano.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) também registrou um aumento nos pedidos de aposentadoria na iniciativa privada. Em agosto deste ano, 4,8 milhões de benefícios foram concedidos, número 11,6% maior que o acumulado nos últimos doze meses.

Além de, no curto prazo, provocar um aumento no número de aposentadorias, a reforma, de qualquer forma, não acarreta a redução de despesas pretendida pelos próximos anos ou até décadas. Afinal, as novas regras não valem para quem já está aposentado e há uma regra de transição para homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 anos ou mais.

“Ou seja, a realidade vai na contramão do discurso. O governo alega uma emergência fiscal de curto prazo e a reforma não vai responder a isso”, observa o economista.

Menos direitos
De acordo com ele, a reforma da Previdência afeta principalmente a base da pirâmide social, onde estão aqueles que dependem do benefício, após uma vida de trabalho. E, ao contrário do que diz o governo, ela retira direitos dos trabalhadores. Com exceção daqueles que já estão aposentados, todos serão prejudicados.

“Criam uma sutileza jurídica para dizer que há diferença entre direitos adquiridos e expectativa de direitos. O sujeito que trabalhou 30 anos e está às vésperas de se aposentar, ele teria uma expectativa de direito. É uma grande balela, pois, quando ele começou a trabalhar e contribuir para o sistema previdenciário – e ao longo dessa vida de contribuição – , havia um contrato, que agora está sendo absolutamente desrespeitado. É uma reforma de retirada de direitos”, afirma o economista.

Mulheres na berlinda

Paulo Kliass ressalta ainda que a reforma é “extremamente injusta”, ao unificar as regras de aposentadoria para homens, mulheres, trabalhadores do campo e urbanos. Pela regra atual do 85/95, mulheres podem se aposentar com 55 anos de idade e 30 de contribuição; homens com 60 anos e 35 de trabalho.

Caso a reforma de Michel Temer seja aprovada como está, todos só poderão receber o benefício a partir dos 65 anos e desde que tenham contribuído por 15 anos. Mas, para ter acesso ao valor integral da aposentadoria, é exigida contribuição por 49 anos.

“Hoje o Brasil reconhece um histórico de desigualdade e de injustiça em relação á mulher, que costuma se ocupar mais dos filhos, da casa e, do ponto de vista previdenciário, há um tratamento diferenciado. Agora, você drasticamente promove essa equiparação, que significará mais 10 anos de trabalho para a mulher e, para os homens, apenas mais cinco anos. Então, relativamente, há um impacto muito maior para mulher, e não tem uma transição”, critica Kliass.

Trabalhar até morrer: “uma loucura”

O economista aponta que o grau de exigências estabelecido pela reforma não existe em nenhum outro país do mundo. “Qual o trabalhador brasileiro que chega aos 65 anos, tendo contribuído durante 49 anos?”, questiona. “Isso é uma loucura, uma insanidade. No fundo é dizer que a pessoa vai morrer antes de se aposentar”.

Para os trabalhadores rurais, as novas regras pesam ainda mais. Trata-se de categoria que, em geral, começa a trabalhar muito cedo e cujo trabalho pode ser extenuante do ponto de vista físico.

“Quanto mais dura a atividade laboral – cortadores de cana, por exemplo -, há mais razão para dar condições particulares de ingresso na aposentadoria. O discurso do oficialismo é de que é preciso acabar com regimes especiais, como se eles fossem privilégios. Não são. São condição para atender a particularidades de categorias que têm uma vida de trabalho muito diferente de alguém que vive no ambiente urbano e trabalha no setor de serviços. Algumas categorias chegam à aposentadoria em condições de desgaste físico totalmente diferentes”, destaca.

O projeto de Temer prevê que os trabalhadores rurais, que hoje não são obrigados a contribuir para o regime, passem a pagar uma alíquota para ter direito ao benefício. Para Kliass, este não é o maior problema. A principal questão é que, com as novas exigências, homens e mulheres do campo não conseguirão chegar à aposentadoria.

Descalabro social
O atual ambiente de informalidade e precarização crescentes do mercado de trabalho tornam a reforma da Previdência ainda mais perversa. Neste cenário, a exigência de 49 anos de contribuição para a aposentadoria integral será algo ainda mais inalcançável para grande parte dos brasileiros.

O trabalhador que atua na informalidade, sem nada registrado em carteira, dificilmente contribui como autônomo, inclusive porque a alíquota costuma ser mais alta. E a precarização do trabalho, a alta rotatividade que vem junto com a terceirização também dificulta a vida do trabalhador.

“O cara da construção civil passa por um número enorme de contratos na carteira, por várias empresas. Muitas delas vão à falência, sonegam. Quando o cara chega na época da aposentadoria, descobre que algumas dessas empresas nunca recolheram a contribuição previdenciária. E ele não tem a quem recorrer. Então você combina a precariedade, a sonegação e a informalidade e há um quadro de descalabro social”, aponta Kliass. “Você está institucionalizando o não direito previdenciário de uma geração”, conclui.

Privatizar e agradar o financismo

Na avaliação do economista, a reforma da Previdência só é positiva para uma elite que não depende do benefício e para o sistema financeiro, que opera as previdências privadas. “É um serviço sujo que está sendo oferecido para o sistema financeiro, destruindo a Previdência no longo prazo”, analisa.

Segundo ele, se for implementada como está sendo imaginada, a reforma estará desassitindo uma parcela da população que precisa da Previdência. “´É a mesma coisa que ocorre com saúde e educação. Se o Estado está impedido de oferecer esse serviço, a dinâmica do mercado – a gente vive num sistema capitalista – é oferece-lo pela via privada – em condições mais degradantes, é verdade. Então o serviço que essa reforma presta é tornar a previdência privada mais atraente”.

Para Kliass, dificilmente a reforma da Previdência será aprovada como está e já há concordância de que o tema só irá à votação no ano que vem. A pressa em apresentar a proposta, para o economista, foi mais uma deferência de Temer ao “mercado”.

“O governo quis dar uma demonstração de que é sério e competente do ponto de vista do sistema financeiro e que está ali para fazer a lição de casa, que é entregar um país sem os engessamentos provocados pela herança da Constituição de 1988, que é o Estado de bem-estar social, que ainda hoje é um arremedo, mas está lá no texto”, diz.

De acordo com ele, o governo defende a ideia de que o Brasil não suporta mais o projeto social da Constituição de 1988, que ele não cabe no orçamento e, portanto, é preciso cortar gastos. Trata-se de algo muito presente nas discussões sobre a Proposta de Emenda Constitucional 55, que estabelece um teto para as despesas públicas.

“A reforma da Previdência vem em cima da PEC, que, apesar de tudo, não tem o poder de limitar drasticamente os gastos previdenciários. Então vem a reforma e ataca a Previdência em si”, lamenta.


Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho
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Para especialista reforma da Previdência é grande onda neoliberal.


 


A proposta de Temer é simples na aparência: terminam todos os benefícios de caráter voluntário, restando somente a aposentadoria por idade, para todos, aos 65 anos. Todas as diferenciações anteriores são eliminadas, seja entre homem ou mulher, trabalhador urbano ou rural - como se, subitamente, todas as condições enfrentadas por esses grupos fossem as mesmas.
Por cima disso, o novo sistema exigiria um tempo mínimo de contribuição de 25 anos, mas isso não daria acesso ao benefício integral, apenas 75% dele. Os outros 25% teriam de ser conquistados, 1% a cada ano extra de trabalho, até que se completasse 50 anos de contribuição.

O que significa, considerando a idade mínima de 16 anos, que nem mesmo um cidadão que trabalhou cada dia de sua vida poderá aposentar-se recebendo o que merece aos 65.

“As aposentadorias aos 65 vão se transformar em relações assistenciais”, explica Pardal. Como quase ninguém conseguiria cumprir os requisitos para receber o valor real das pensões, e como elas estariam desvinculadas de uma política de valorização real, o cenário de longo prazo seria de ressurgimento dos valores miseráveis, e com requisitos de admissão cada vez mais excludentes. 

“Isso vai destruir o restinho de credibilidade do sistema de Seguro Social. Com o nível de informalidade do nosso mercado de trabalho, você acha que um sujeito vai querer contribuir para a Previdência, se essa porcaria só der direito aos 65 anos? Ele vai querer viver um afogadilho desses, com a cintura apertada a vida inteira?”, questiona o especialista, incrédulo.

Obviamente, não. A proposta de Temer cria no próprio usuário desse sistema um sentimento de rejeição, de coisa desnecessária. Mesmo com a regra de transição oferecida pelo governo, qualquer homem com menos de 50 ou mulher com menos de 45 poderia encarar mais de uma década de incremento na exigência mínima, se fosse aprovada a reforma. Em casos extremos, a pessoa teria que trabalhar até 14 anos a mais.

Previdência privada

A história do “rombo da Previdência” é uma mentira. A Previdência não está a ponto de quebrar, não há especialista que corrobore uma história dessas. Mas, se a reforma não serve para equilibrar as contas, para que realizá-la? Esta anedota de Pardal pode iluminar um pouco o raciocínio:

"Eu ouvi de um companheiro da própria CTB uma história interessante. Aconteceu em uma reunião do Conselho Social da Previdência Social. Apareceu um menino dessa Secretaria da Previdência [que agora está no Ministério da Fazenda], e perguntaram: “O aconteceu com a palavra ‘Social’ da ‘Previdência?’. E ele respondeu: ‘Ué, isso é para não deixar dúvidas do que é que nós queremos. Nós queremos fomentar a previdência privada, tá bom?’”
A admissão é perfeita em sua simplicidade. Aniquila-se a Previdência Social para que os trabalhadores brasileiros, temerosos pelo próprio futuro, transfiram o dinheiro para os serviços de previdência privada oferecidos pelo mercado financeiro. Mesmo que apenas parte do orçamento anual de R$ 493 bilhões seja redirecionado para os bancos privados, o setor apresentará crescimento explosivo no longo prazo - e ganhará, com isso, ainda mais controle sobre os rumos políticos do Brasil.

Quem continuar no sistema público encontrará um cenário cada vez mais descompensado e incapaz de cumprir com suas obrigações, com benefícios cada vez menores e sujeitos a interrupções, até que se encontre alguma forma de financiá-los. Esse desequilíbrio, por sua vez, dará ainda mais incentivo para que os trabalhadores migrem para o sistema privado, alimentando um ciclo vicioso.
“Economicamente, para o país, é a pior coisa que poderia acontecer. A função de redistribuição do Regime da Previdência Social é certeira e secular, todo mundo sabe que ela é importante. Todo mundo sabe que quando um monte de gente veio do nordeste trabalhar na nossa área industrial, construir um monte de coisas aqui, e voltou aposentado para sua cidade, movimentou a cidade, fez transferência de renda, moveu municípios… é um negócio histórico no Brasil”, analisa Pardal.
Míseria e instabilidade fiscal

Ele faz a pergunta central: como isso continuará a acontecer quando o sistema de Seguro Social for atomizado? Sem a participação de todos os brasileiros em um mesmo sistema, políticas como a indexação dos benefícios aos salário mínimo e a concessão de auxílio-doença se tornarão inviáveis no longo prazo. E o que vai acontecer quando algum desses fundos privados entrar em colapso? Todos os clientes perderão a aposentadoria? O governo vai cobrir o rombo com um dinheiro que nunca recebeu?
Não há cenário em que essa reforma não aumente a incidência de miséria e instabilidade fiscal sobre o país. Assim como não há cenário em que a elite financeira não aumente seus lucros já explosivos.
A propaganda mentirosa do Planalto, no entanto, criará um enredo em que a reforma de Michel Temer aparece como “inevitável”, “prudente”, “emergencial”. Ela será propagada por mercenários da mídia, pois esses são financiados exatamente por quem tem a ganhar com o desarranjo. Será preciso uma articulação muito ampla da classe trabalhadora para impedirmos essa história de ser aceita pela maioria.

“[Michel Temer] vai destruir o sistema, esse cara em dois anos vai detonar a economia brasileira de vez. A gente vai ter que responder a tudo isso, ver qual a possibilidade de resistência. A reforma é uma mentira e a gente pode parar o país”, concluiu Pardal. Não há dúvida.
 
 
Por Renato Bazan para o Portal CTB

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