domingo, 19 de fevereiro de 2017

Lula decola e a mídia exige um carrasco de avental limpo - Lula conta com 30,5% das intenções de votos no 1° turno, em um cenário com Marina Silva (11,8%), Bolsonaro (11,3%), Aécio Neves (10,1%) e Ciro Gomes (5%).

Ricardo Stuckert



Tatiana Carlotti


O governo que assaltou o poder em agosto de 2016 chega ao carnaval de 2017 como uma escola de samba bêbada, que caiu na dispersão, antes da apoteose.

Passados sete meses de supremacia golpista, com a mídia, o parlamento e o Judiciário alinhados no bombardeio institucional, ocorreu o improvável: Lula emergiu das cinzas, imbatível nas pesquisas para 2018.

Divulgada nesta 4ª. feira (15.02.2017), pesquisa da CNT/MDA atesta o crescimento do ex-presidente em todos os cenários propostos, batendo em qualquer adversário, tanto na sondagem espontânea, quanto na estimulada para o 1º e 2º turnos de 2018.

Caçado diuturnamente por todos os veículos do aparato conservador, em linha direta com os vazamentos e pautas formatados em Curitiba, Lula conta com 30,5% das intenções de votos no 1° turno, em um cenário com Marina Silva (11,8%), Bolsonaro (11,3%), Aécio Neves (10,1%) e Ciro Gomes (5%).

Em outro cenário, com Geraldo Alckmin no lugar do senador mineiro, o ex-presidente também lidera, com 31,8% ante 9,1%.

No 2° turno, o petista também desbanca Aécio (com 39,7% ante 27,5%), Marina Silva (com 38,9% ante 27,4%) e, claro, o decorativo Michel Temer (com 42,9% ante 19%). Este, aliás, vem se consolidando como um pé de chumbo desastroso.

A avaliação do ocupante da Presidência desaba e fica cada vez mais claro: quanto mais o tempo passa, mais o Brasil tem saudades da era Lula.

Uma saudade, inclusive, registrada como um “componente eleitoral inédito”, segundo outra pesquisa, encomendada pelo Valor Econômico e divulgada no começo desta semana (leia mais).

Sinal dos tempos
Enquanto isso, os veículos da mídia golpista reagem como se fossem aquela fotografia de Jânio Quadros, em que os pés do ex-presidente brigam com o corpo, tentando caminhar para direções distintas, ao mesmo tempo em que a cabeça contraria a vontade do pescoço que diverge da coluna cervical.

O aparato de comunicação brasileiro, de notório protagonismo no golpe de 31 de agosto, quer manter as aparências; ao mesmo tempo, clama por um trabalho sujo - de arrocho e desnacionalização – feito por “mãos limpas”. A mistura de arrocho, cinismo e dissimulação empesteia o ar eleitoral e bombeia votos para o palanque de Lula.

O resultado é um noticiário esquizoide: a editoria de economia elogia o garrote fiscal no pescoço do povo brasileiro, enquanto os colunistas reclamam do sangue respingado no avental do carrasco. Não que se opõem à sangria, apenas reclamam assepsia no serviço.

Após criarem todas as condições para a instalação de um governo com maioria citada ou investigada na Lava-Jato, os veículos da mídia golpista pararam de sustentar o insustentável. São notórias as críticas contra Temer e sua turma. Vejamos:

“Governo de Jucás”
Na última sexta-feira (10.02.2016), em seu Jornal das Dez, a Globonews transmitiu um vídeo (confira aqui) desconcertante sobre a “história do mais coordenado esforço empreendido até agora pelo governo Temer e seus aliados para se proteger da Operação Lava Jato e das reações do Ministério Público e da Justiça a essa ofensiva”.

São quase nove minutos à altura das várias campanhas já promovidas pelas Organizações Globo contra seus desafetos. Destaca-se a edição e cortes de reportagens, a composição das imagens, narração e trilha sonora, construindo uma atmosfera de suspense policial e de denúncia contra a entourage instalada no Planalto.

Soma-se a este vídeo, as várias críticas dos comentaristas da Globo à nomeação de Moreira Franco para a Secretaria Geral da Presidência da República, chancelada – e com foro privilegiado - pelo ministro Celso de Mello (STF) nesta terça-feira (14.02.2017). Temer, inclusive, precisou vir a público com uma solução, no mínimo, patética: “se houver denúncia, o ministro será afastado provisoriamente”, se transformando em réu, “o afastamento é definitivo”.

Eliane Cantanhêde, em O Estadão, na terça-feira (14.02.2016), foi incisiva: “o risco é virar um governo de Jucás”, evidenciando a realidade absurda da constituição de um governo composto por ministros que sairão “provisoriamente” e por “substitutos também provisórios”. Merval Pereira, por sua vez,  disparou na CBN:

“Ele (Temer) está dizendo ao STF que não nomeou Moreira Franco para blindá-lo. Mas é muito difícil definir essa barreira porque pode surgir uma denúncia tão avassaladora, como o áudio de Sergio Machado com o Jucá que inviabilize a permanência no governo. Pode ser que algum ministro apareça tão evidentemente comprometido que será preciso tirá-lo imediatamente do governo”.

Exercício de futurologia? Tudo indica que não. A ingovernabilidade é mais do que óbvia e, pelo visto, está ameaçando os negócios e os interesses em jogo.

Política X Economia
Miriam Leitão vem anunciando a “separação” entre política e economia, leia-se entre Henrique Meirelles (Fazenda) e Michel Temer, conforme visto em artigo publicado no último domingo:

“A economia começa a dar sinais de melhoria cada vez mais consistentes”, enquanto a política “se afunda em crises e decisões ruins”, afirma, ao disparar um corolário contra as decisões descabidas de Temer.

No dia seguinte, em “Desafio Nacional”, foi ainda mais incisiva:

“O país está em crise fiscal aguda, o governo federal tem tido déficits enormes, vários estados estão em colapso, a arrecadação caiu no país inteiro, o desemprego alastrou-se de forma impiedosa. Esta não é a hora de aumentar a folha sem definir de onde exatamente tirar os recursos”.

Outro exemplo foi a divulgação do áudio do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) pelo Estadão nesta terça-feira (14.02.2017), corroborando a movimentação em curso. Na gravação, Padilha explica, durante palestra aos para funcionários da Caixa Econômica Federal, como se deu a negociação de Ricardo Barros (PP) para o ministério da Saúde:

“Nosso objetivo era chegar nos 88% [de apoio no Congresso]. Até chegamos mais do que a gente imaginava, mas a gente queria ter uma base consistente. Muito bem, vamos conversar. Vocês garantem todos os nomes do partido em todas as votações? ‘Garantimos’. Então o Ricardo será o notável”, escancarou o ministro da Casa Civil.

Censura 
Outro episódio demonstra o ruído nas relações entre os golpistas do Planalto e os da mídia: a censura da Justiça de Brasília, a pedido de Temer, às reportagens da Folha e de O Globo sobre a chantagem do hacker Silvonei José de Jesus Souza contra a primeira-dama, Marcela Temer.

Depois de clonar e roubar dados do iPhone de Marcela, Souza ameaçou divulgar uma conversa dela que, segundo ele, teria potencial para jogar o nome do decorativo “na lama”. As mensagens divulgadas mostram a resposta da primeira-dama, afirmando que tudo não passa de montagem.

Na própria sexta-feira, quando a Folha divulgou a reportagem, o Planalto acionou a Justiça. No sábado, o Jornal Nacional noticiou a questão, a reportagem continua online.

Sobre o caso, The Intercept trouxe um excelente balanço, divulgando o material censurado inclusive. “Fazemos isso em defesa do direito da imprensa de trabalhar sem ser censurada pelo Estado, assim como para levar informações vitais que o público tem direito de conhecer sobre seus líderes”, aponta a reportagem.

E mais: “não fazemos isso por conta de nosso afeto pela Folha de S. Paulo ou pelo Globo. Os dois jornais atacam a liberdade de imprensa de outros veículos regularmente. A associação por eles controlada entrou com um processo que busca negar a liberdade de imprensa a veículos como BBC Brasil, El Pais Brasil, BuzzFeed Brasil e The Intercept, pedindo aos tribunais que determinem que não podemos fazer reportagens sobre o Brasil. E, ironicamente, esses dois veículos apoiaram o impeachment de uma presidente eleita democraticamente, Dilma Rousseff, levando Temer ao poder”.

Vale destacar que durante os treze anos de governos Lula e Dilma, a imprensa jamais sofreu uma censura semelhante.

Programa político
Note que, com exceção de The Intercept, estamos trabalhando apenas com o que foi disseminado pelos principais jornalões e comentaristas nos últimos dias. Não há dúvidas de que 2018 começou. Embora ainda não apareça o candidato do partido midiático, seu programa de governo já está no ar, não como possibilidade, mas verdade absoluta.

Destacamos três minutos dessa plataforma divulgada pelo Jornal Nacional, neste link. No espaço garantido ao jornalismo, segundo as leis que regem a concessão pública, o que vemos é uma explícita defesa das privatizações, do ajuste fiscal, do teto de gastos e da reforma da previdência.

Impressiona a superficialidade como essa defesa é apresentada, sem nenhuma problematização, pelo contrário: os argumentos contrários ao que é defendido em horário nobre, no Jornal Nacional, são qualificados de “ideológicos”.

Insistimos: sem sequer serem apresentados.

Uma aula e tanto para os marqueteiros.

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