terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Falta de colaboração das Forças Armadas, a grande frustração da Comissão da Verdade.


“No momento em que alguns setores da sociedade defendem a volta dos militares ao poder, as Forças Armadas (FFAA) deveriam reconhecer os erros cometidos no passado. Enquanto elas não reconhecerem isso de maneira franca e cabal, vai ficar sempre no ar a suspeita de que aquele quadro trágico possa voltar a ser uma alternativa para certos setores da sociedade brasileira”.
Não há como discordar dessa posição do coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), ex-deputado Pedro Dallari, externada nas várias entrevistas concedidas nos últimos dias a respeito da entrega do relatório final dos trabalhos da comissão depois de amanhã a presidenta Dilma Rousseff.
Dallari antecipa, ainda, a grande frustração da CNV: com a recusa das FFAA  em reconhecer a responsabilidade dos militares nas violações dos direitos humanos durante a ditadura militar. Para o coordenador da comissão nacional, esse seria o melhor antídoto contra a possibilidade de voltarem a ocorrer graves violações de direitos humanos no país, como as acontecidas na ditadura.
“Enquanto as Forças Armadas não reconhecerem isso de maneira franca e cabal, vai ficar sempre no ar a suspeita de que aquele quadro trágico possa voltar a ser uma alternativa para certos setores da sociedade brasileira”, afirmou Dallari ao Estadão e em declarações praticamente idênticas aos demais jornalões que, no fim de semana, já passaram a dar grandes espaços à divulgação do relatório final. A pontos do relatório e às ameaças e reações das FFAA ao documento.
Frustração com negativa das FFAA em dizer a verdade.
Ao Estadão , Dallari disse que, embora a comissão, instalada oficialmente em 2012, tenha alcançado seus objetivos principais, ele sai frustrado com o fato de não se ter obtido das FFAA o reconhecimento de suas responsabilidades nas violações ocorridas na ditadura. “Parece abstrato, mas se trata de algo relevante, porque gera um diagnóstico sobre como lidar com isso.” Segundo Dallari, “ao reconhecerem que houve algo inadequado, que não deveria ter ocorrido”, os militares estariam solidificando “o compromisso deles com a democracia”.
Ele disse não ter dúvida do compromisso dos militares nos dias de hoje com a democracia: “A vocação democrática atual das Forças Armadas é indiscutível. Mas é importante que isso seja visto como algo permanente.” Por isso, classifica como “certo autismo” a insistência dos comandantes militares em não reconhecerem a responsabilidade das FFAA no quadro de violações de direitos humanos, uma vez que ela já teria sido claramente demonstrada após os dois anos e sete meses de trabalho do grupo.
“A comissão avançou muito no sentido de caracterizar que as graves violações não foram ações isoladas, nem excessos, como gostam de falar, mas uma política de Estado concebida e operacionalizada pelas Forças Armadas, que tiveram um protagonismo nisso o tempo todo. O fato de até hoje se recusarem a reconhecer essa realidade é frustrante”, acentua Dallari.
Ele voltou a dizer que o relatório final trará lista com os nomes de militares apontados nas pesquisas como responsáveis por violações. Além disso, incluirá nomes dos comandantes militares responsáveis pelas operações. Nomes de todos os presidentes militares vão constar da lista de pessoas que devem ser responsabilizadas.
Todos os presidentes militares serão responsabilizados.
É a primeira vez que isso vai ocorrer no Brasil de maneira oficial e sistematizada. As condutas se deram dentro de um quadro institucional que foi planejado e operacionalizado a partir do comando do Estado brasileiro, do gabinete da Presidência da República. Por isso os presidentes (os cinco presidentes militares do período que vai de 1964 a 1985) vão encabeçar as listas de autores. Para Dallari, essa é a contribuição mais importante da comissão. “É o que cria condições para, dentro do que determina a lei, indicar as autorias.”
Até agora Dallari e os integrantes da CNV antecipavam que a lista teria 100 nomes para os quais será pedida a responsabilização criminal e punição pelos crimes cometidos – pela cadeia de comando do Estado, do presidente da República ao soldado, passando pelos ministros e comandantes militares. Neste domingo a CNV disse à Folha que a lista pedirá responsabilização criminal e punição para 300.
A CNV discutiu muito, também, se pedia ou não neste relatório final a revogação da Lei de Anistia recíproca que tem 35 anos intocada – caso único nos países do mundo que enfrentaram ditaduras. Depois, como só um conselheiro foi contra que se pedisse a revogação (José Paulo Cavalcanti), a CNV, com Dallari à frente, passou a dizer que o  relatório pediria a revogação da Lei.
Neste domingo, no entanto, Dallari diz na folha que o relatório não vai tratar disso, por desnecessário, por julgar que há toda uma corrente no judiciário brasileiro que já tem o entendimento de que, indiferente ou independente da Lei, desaparecimento político, assassinato, tortura, etc, é sequestro continuado e crime contra a humanidade, portanto imprescritível. E assim todos os 300 da lista do relatório final podem ser processados independente da Lei da Anistia.

Nenhum comentário: