quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O efeito Kátia Abreu nos movimentos sociais.

Os trabalhadores rurais não apreciam tanto essa senhora
Os trabalhadores rurais não apreciam tanto essa senhora.

“Eu juro que, quando eu soube, pensei que vocês iriam incendiar o Palácio do Planalto”, brinquei.
“Será que ainda dá tempo?”, brincou outro, com mais espírito.
O rápido diálogo se deu há poucos dias, quando fui falar na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), em Brasília.
Fui, como de costume, generosamente convidado pela direção da Contag para dar uma aula sobre mídia e as eleições, desta vez no 5º Curso Nacional de Formação de Educadoras e Educadores em Ação Sindical e Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário.
Trata-se de um curso anual que reúne, em Brasília, algumas das principais lideranças nacionais da luta no campo. Há representantes das federações de camponeses de todos os estados, gente simples nos modos, mas com uma compreensão sofisticada da política nacional pelo viés dos movimentos populares.
Para mim, não há outro fórum mais prazeroso e eficiente de se discutir o País.
Mas eles não são muito ouvidos.
O diálogo que inicia este texto tratava da nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura.
Lá, na Contag, uma a uma das lideranças, cada uma a seu modo, descreveu a descrença profunda que se abateu sobre a luta quando a senadora Kátia, a representante mais simbólica do latifúndio brasileiro, foi nomeada ministra.
Os líderes camponeses brasileiros, ou quase a totalidade deles, apoiaram e sempre vão apoiar Dilma. E não se trata apenas de generosidade – embora, no caso deles, seja bom valorizar essa variável –, mas de visão histórica.
Os governos do PT causaram, reconhecidamente, uma quebra de expectativa dentro dos movimentos pela reforma agrária no Brasil. Em termos estatísticos, segundo levantamento do Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram desapropriadas fazendas para apenas 4,7 mil famílias, em 2014. Menos do que fez o general João Figueiredo, último presidente-general da ditadura.
João Pedro Stedile, principal liderança do MST, diz, com razão, que a reforma agrária está “bloqueada”. E, por conta desse bloqueio, aumenta a concentração da propriedade da terra e o avanço do capital sobre a agricultura aumenta.
Não priorizar, no entanto, não significou abandono. O governo da presidenta Dilma assentou 75 mil famílias e incorporou cerca de 2,3 milhões de hectares ao programa de reforma agrária, segundo dados do Incra.
Além disso, não há vivalma entre as lideranças camponesas incapaz de reconhecer o óbvio: sem Dilma e o PT, o campo vai cair definitivamente nas mãos da turma de Kátia Abreu, novamente, sob o manto protetor do agronegócio, esse eufemismo bacana bolado pelos ruralistas para não pronunciar a palavra maldita “latifúndio”.
Mas, o que fazer quando Kátia Abreu já está no governo?
Esse nó não foi desatado na minha aula.
Mas talvez precise ser afrouxado se a mídia conseguir reunir de novo sua manada de rebeldes do horário nobre, insatisfeitos com-tudo-que-aí-está, nas ruas.
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A IMPRENSA DEBATE A RESERVA DE MERCADO DO PETRÓLEO, MAS NÃO A DELA PRÓPRIA.

A Folha é beneficiária da reserva
A Folha é beneficiária da reserva.
Dou uma zanzada pelo Twitter de manhã e alguém posta o link de um artigo do  Estadão que critica a reserva de mercado nos projetos de pesquisa e exploração em petróleo. “A reserva criou amigos do rei”, segundo o Estadão.
Retifico: não foi alguém que postou. Foi Tuca Pinheiro, assessor de Roberto Freire e marido de uma repórter do Estadão que produz grandes quantidades de reportagens contra o governo.
Tuca, todos os dias, despeja no Twitter links antipetistas. Quase todo material novo da Veja é retuitado por ele.
Pensei o seguinte, ao ler aquele tuíte específico. Não. Fiz mais que pensar. Escrevi.
“E a reserva de mercado na mídia, criou o quê?”
Pouca gente sabe que as empresas de jornalismo ainda hoje, tantos anos depois que a globalização abriu mercados mundo afora, são protegidas por uma reserva de mercado.
É uma contradição espetacular para empresários que gostam de pregar as virtudes do capitalismo.
Eles gostam da competição que o capitalismo traz. Mas não para eles.
A reserva de mercado que ainda vigora no Brasil é um dos maiores símbolos de como a mídia conseguiu manter velhos privilégios graças a seu poder de intimidação, influência e retaliação.
É virtualmente impossível encontrar, nos jornais e revistas brasileiros, algum texto sobre o assunto, pelo caráter vexatório dele.
Procure na Folha, por exemplo, algum editorial que defenda a reserva para ela.
O Globo uma vez deu um artigo que defendia o que é indefensável.
Dois pontos eram sublinhados para justificar a reserva. Um: ela elimina o risco de propaganda maoísta.
Imagino que a referência fosse à possibilidade de algum grupo chinês desejar se estabelecer no Brasil não para fazer dinheiro, como o australiano Murdoch ao se expandir para a Inglaterra e para os Estados Unidos – mas para promover, insidiosamente, o comunismo ateu.
O segundo argumento é que, vedando o acesso a estrangeiros, estaria preservado o patrimônio cultural brasileiro representado pelas telenovelas.
Este artigo foi escrito pelo advogado Luís Roberto Barroso, hoje no STF, quando trabalhava para a Abert, associação de lobby da Globo.
Na prática, a reserva facilitou extraordinariamente a vida das empresas jornalísticas nacionais.
Somada a outros privilégios como a bilionária verba publicitária oficial e o acesso generoso a financiamentos de bancos públicos como o BNDES, a reserva explica em boa parte o país pobre e os empresários da mídia riquíssimos.
Governos como o de Sarney e o de FHC foram coniventes com a pilhagem do dinheiro público pelos barões da imprensa.
Mais recentemente, nem Lula e nem Dilma tiveram coragem de enfrentar os privilégios.
Como sempre acontece quando vantagens são concedidas a certos grupos poderosos, e depois mantidas perenemente, é a sociedade que perde.
Graças à internet este debate é agora, ao menos, possível.
Antes, nem isso – pelo bloqueio imposto por jornais e revistas.
Não é muito, mas já é um avanço.
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O JORNALISTA QUE PEDIU DEMISSÃO POR CAUSA DA COBERTURA DO SEU JORNAL NO CASO HSBC.

hsbc

Publicado no Guardian.
O principal comentarista político do The Daily Telegraph pediu demissão e lançou um duro ataque contra a gestão e os proprietários do jornal sobre a sua cobertura da história dos impostos do HSBC, que ele descreveu como uma “fraude para os leitores”.
Peter Oborne, editor associado do Spectator e um rosto familiar nos documentário do Channel 4, denunciou que matérias foram deliberadamente derrubadas sobre respeito do gigante bancário, incluindo revelações da semana passada que sua subsidiária na Suíça ajudou clientes ricos a sonegar impostos e esconder milhões de dólares em ativos, a fim de manter a sua conta de publicidade.
Oborne disse que a cobertura do HSBC pelo Telegraph, colocando os interesses de um grande banco internacional acima do seu dever de informar, foi uma “forma de fraude para seus leitores”.
“Há grandes questões aqui. Elas vão direto para o coração da nossa democracia, e isso não pode mais ser ignorado”, escreveu em um artigo no site Open Democracy.
Oborne disse que o jornal tinha desencorajado matérias críticas ao HSBC desde o início de 2013, quando o banco suspendeu sua publicidade depois de uma investigação do Telegraph sobre contas mantidas em Jersey. Ele disse que um ex-executivo do Telegraph falou que o HSBC era “o anunciante que você literalmente não pode se dar ao luxo de ofender”.
Oborne afirma que havia dito a Murdoch MacLennan, executivo-chefe da empresa controladora do jornal, o Telegraph Media Group, que estava saindo em dezembro do ano passado. Tinha a intenção de partir em silêncio, mas surgiu o “dever de tornar tudo isso público” após a cobertura do HSBC pelo Telegraph, que “precisava de um microscópio para ser encontrada”.
“A cobertura recente do Telegraph do caso HSBC é uma forma de fraude”, disse ele. “Foram colocados os interesses de um grande banco internacional acima do dever de levar a notícia aos leitores. Só há uma palavra para descrever essa situação: terrível”.
Um porta-voz do Telegraph declarou: “Como qualquer outro negócio, nós nunca comentamos sobre relações comerciais, mas a nossa política é absolutamente clara. Temos como objectivo proporcionar a todos os nossos parceiros comerciais uma gama de soluções de publicidade, mas a distinção entre publicidade e nossa operação editorial premiada sempre foi fundamental para o nosso negócio. Refutamos totalmente qualquer alegação em contrário. É uma questão de enorme pesar que Peter Oborne, por quase cinco anos um funcionário do Telegraph, tenha desferido um ataque tão surpreendente e sem fundamento, cheio de imprecisões e insinuações, contra seu próprio jornal.”
Antes das revelações do HSBC serem publicadas – pelo Guardian e por uma série de outras publicações, incluindo a BBC -, o banco deixou sua publicidade com a empresa-mãe do Guardian, a Guardian News and Media, “em pausa”.
Políticos conservadores e um membro do parlamento de alto coturno foram listados entre os homens ricos que tinham contas legais na Suíça. Ed Miliband rotulou David Cameron como “primeiro-ministro espertalhão” por causa de sua incapacidade de responder a perguntas sobre o caso e a indicação para um cargo ministerial do ex-presidente do HSBC, Stephen Green.
Oborne, que entrou no Telegraph há cinco anos, acusou-o de um “colapso nos padrões” sob seus proprietários, os irmãos Barclay, reclusos proprietários multi-milionários do hotel Ritz, que compraram a publicação em 2004.
Oborne disse que a questão do HSBC era “parte de um problema mais amplo”.
“Há tempos é sabido que no jornalismo de qualidade britânico os departamentos de publicidade e o editorial devem ser mantidos rigorosamente separados. Há uma grande quantidade de evidências de que, no Telegraph, esta distinção entrou em colapso “, disse.
O jornalista Peter Oborne não é brasileiro
O jornalista Peter Oborne não é brasileiro.
Ele descreveu como “bizarra” uma reportagem sobre os protestos por democracia em Hong Kong e disse que ela foi seguida de um artigo do embaixador da China, cuja manchete “foi além da paródia”:”Não vamos permitir que Hong Kong fique entre nós”.
“Três anos atrás, o time de investigações do Telegraph recebeu uma delação sobre contas mantidas pelo HSBC em Jersey. Essencialmente, este inquérito foi semelhante à investigação sobre o braço bancário suíço do HSBC “, disse ele.
“Este foi o momento crucial. Desde o início de 2013, críticas ao HSBC foram desencorajados. O HSBC suspendeu a sua publicidade”, disse. “Ganhar de volta a conta de publicidade do HSBC tornou-se uma prioridade. Ela acabou por ser reconquistada após aproximadamente 12 meses.”
Oborne disse que interferências em histórias que envolvem o banco estavam acontecendo “em escala industrial”.
Ele falou a MacLennan, em um encontro casual na fila de carpideiras no funeral de Margaret Thatcher, para não tratar os leitores como nada. “Você não sabe que merda está falando”, foi a resposta.
Oborne diz que avisou MacLennan que estava se demitindo por uma questão de consciência. “Não é só o Telegraph que está falhando aqui”, disse ele. “Nos últimos anos temos visto o surgimento de executivos sombrios que determinam que verdades podem e não podem ser divulgadas na grande mídia.”
“Os leitores do Telegraph são pessoas sensatas e bem informadas. Eles compram o jornal porque acham que podem confiar nele. Se as prioridades da publicidade determinam julgamentos editoriais, como podem os leitores continuam a sentir essa confiança?”
Ele disse ao Channel 4 News: “Eu acho que o Telegraph precisa explicar para nós por que sua cobertura do HSBC foi distorcida, e não apenas para nós. As pessoas que realmente precisam entender isso são os leitores do Daily Telegraph. Eles são os que confiam no jornal”.

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