domingo, 5 de abril de 2015

A diferença entre a morte de Thomaz e a de Eduardo. Por Paulo Nogueira.

Os pais de Eduardo
Os pais de Eduardo.

E eis que no Twitter alguém transformou uma questão de alta complexidade numa coisa simples.
Foi uma resposta a um texto da Folha que perguntava qual a dor maior, Eduardo ou Thomaz.
Saiamos da platitude.
Todos sabemos que a dor da perda de um filho é inominável.
Solidariedade irrestrita à família Alckmin, sobretudo aos pais e aos filhos de Thomaz. A fé de Alckmin sem dúvida encontrará seu teste maior.
Solidariedade também irrestrita à família Ferreira, do menino Eduardo.
Mas, tudo isso posto, as circunstâncias fazem as duas mortes e as duas dores bem diferentes.
As palavras usadas no tuíte que tão bem comparou os dois casos são duras, mas é aquela dureza associada a verdades cruas.
“Só vendo um PM atirar na cabeça do filho do governador pra gente poder comparar.”
Está tudo dito aí.
A morte num helicóptero é um golpe do destino a que todos estamos sujeitos. Dias atrás, vimos o que fez um copiloto suicida com um avião com 150 pessoas.
É, numa palavra, azar, um formidável azar. Inevitável, portanto. Pode acontecer alguma coisa parecida comigo ou com você amanhã, ou mesmo hoje.
Agora: morrer aos dez anos por uma bala de fuzil de policiais que enxergam você como um bandido numa favela – não, isso não é inevitável.
Que sociedade é esta que tolera que suas crianças nasçam, vivam e morram sob uma fuzilaria diária em condições subumanas?
As favelas são nosso Iraque, nosso Afeganistão. No Rio, as tropas “pacificadoras” são o equivalente aos soldados americanos naqueles países, um foco de ódio e de morte.
Num mundo menos imperfeito, a morte de Eduardo soaria em todos nós um alarme: não mais. Nunca mais. Chega. Tivemos o suficiente. Nossos meninos, todos eles, principalmente os desvalidos, têm que viver uma vida digna.
Não lhes damos escola, não lhes damos hospital, não lhes damos brinquedos, não lhes damos balas e sorvetes, não lhes damos carinho, não lhes damos futuro. Tudo que oferecemos é a possibilidade de uma bala fatal, e algumas lágrimas que vão sumindo com o correr dos dias.
É miseravelmente pouco.
Eduardo morreu de desigualdade, e isto não é destino, é escolha. Nossos jornais e nossas revistas fingem que o maior problema nacional é a corrupção, porque assim ninguém discute a desigualdade da qual os bilionários barões da mídia tanto se beneficiam.
Num mundo menos imperfeito, repito, acordaríamos com o sangue de Eduardo.
Mas neste nosso universo torto fomos, como sociedade, intoxicados mentalmente pelo noticiário que consumimos, e batemos panela como mentecaptos para defender cegamente aquele pequeno grupo cuja ganância e cupidez criam Eduardos a cada dia.
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ESTÃO BATENDO EM LUCIANA GENRO PORQUE ELA DISSE, MAIS UMA VEZ, A VERDADE. POR PAULO NOGUEIRA.
Dizer a verdade custa caro
Dizer a verdade custa caro.
Estão batendo em Luciana Genro porque ela disse, mais uma vez, uma verdade.
Num mundo tão cínico, isto é um problema: dizer a verdade.
No Twitter, ela escreveu que, como tanta gente, também lamentava a morte de Thomaz Alckmin.
Mas acrescentou que também gostaria de ver as pessoas lamentando a morte do garoto Eduardo Ferreira, de 10 anos, por uma bala de um policial no Morro do Alemão.
Acusaram-na de “politizar” a morte do caçula de Alckmin.
Ora, é uma estupidez. Ela estava, e está, absolutamente certa. Tanto quando esteve ao dizer em rede nacional que Aécio não deve ser levado a sério ao falar em corrupção, ele que mandou construir um aeroporto particular numa fazenda da família.
Para registro, não muito depois Dilma manifestou pesar pelo garoto, e disse esperar que os criminosos sejam punidos.
É vital, sim, juntar as duas mortes num só pacote e compará-las porque ali está o Brasil tal como ele é.
Thomaz morreu num acidente. Foi um caso de extrema má sorte.
Eduardo morreu a chamada morte programada. Foi destino, e não azar. Todos os dias meninos como ele estão sujeitos à violência policial. São os desvalidos de sempre.
Thomaz foi colhido pela morte, e Eduardo pela vida.
Nas favelas ocupadas por policiais merecidamente detestado pelas comunidades, balas são uma rotina da qual ninguém escapa.
É um erro monumental acreditar que pelotões de policiais possam resolver o problema das favelas.
Foge-se do fato incontestável: o drama das favelas só desaparecerá quando não mais as houver.
A única coisa que é realmente igual em ambos os casos é a dor infinita dos pais.
Num caso parecido, na Antiguidade, um sábio grego escreveu que ninguém podia se declarar feliz enquanto não morresse.
Ele falava de Príamo, o rei de Troia, para quem tudo corria tão bem até a velhice, mas que foi obrigado a ver o filho Heitor ser morto diante de seus olhos.
Que os pais de Thomaz e Eduardo encontrem forças para seguir adiante num episódio que desafia a vontade de acordar para um novo dia até o fim.
E que, como Luciana Genro disse, que os lamentos se espalhem fraternalmente entre Thomaz e Eduardo.
Na morte, nos igualamos.
Na vida, porém, somos abjetamente desiguais no Brasil.
Que pelo menos as lamentações, tão fartas para Thomaz entre políticos ávidos por platitudes, se estendam também para Eduardo.
Os sinos dobram por ambos.
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