sábado, 9 de janeiro de 2016

Devagar com o andor, os embates serão difíceis - A investida da oposição foi contida. Começou o ano novo com certo equilíbrio de forças, com um viés desfavorável às forças de direita, sobretudo aquelas comprometidas com o golpe reiterado através de um pedido de impeachment de jogo político, sem base jurídica, não podendo ser acolhido nos marcos da Constituição.

 


Por Renato Rabelo*



Mas, acabamos de entrar em 2016, no qual Fernando Henrique Cardoso -- o principal ideólogo da oposição -- afirma com pose de pavão que, Dilma vai “cair” de qualquer jeito e a cúpula dirigente do PSDB, com Aécio Neves à frente, continua na mesma cantilena golpista. E nesse desiderato, na prática, eles nunca deixaram de se aliar com Eduardo Cunha, ainda presidente da Câmara dos Deputados. Agora mesmo eles se juntam para impetrar os embargos de declaração a fim de tentar mudar (ninguém suporta mais!) o rito do processo de impeachment estabelecido pelo STF, que cumprindo sua elevada função, pôs ordem na casa.
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A questão nodal – o caminho e a perspectiva

Os enormes problemas vividos pelo país em 2015, potencializados pela ofensiva das forças conservadoras, tinha como vetor político a insistência plantada por uma mídia hegemônica de oposição, e setores políticos da direita, de que a queda da presidenta Dilma atenderia ao interesse da nação. Esta assertiva revanchista e golpista vai perdendo força. Outra situação vai ganhando expressão e amplitude, com a elevação da consciência democrática, da defesa da legalidade e da Constituição e a defesa do mandato da presidenta. E, também, com o crescente anseio nacional e popular pela estabilização da economia e abertura do caminho para sua rápida reativação e crescimento.

Neste início de 2016 começam a surgir frestas de luz no horizonte, com a tendência ao isolamento das alas mais recalcitrantes, golpistas, apesar de ainda persistir a estratégia oposicionista -- e de grande parte das classes dominantes -- de tentar encurralar a presidenta da República, desmoralizar o PT, o ex-presidente Lula e toda a esquerda, e de impor os ditames da oligarquia financeira, com o poder de ação global. Há ainda, entre eles, os setores que não desistem do “quanto pior, melhor”, para seguir cavando de qualquer forma a queda da presidenta.

A questão nodal, agora, é assegurar o caminho e firmar a perspectiva do projeto de desenvolvimento nacional, com base nos fundamentos da soberania nacional -- na inserção internacional soberana -- e na autonomia da condução da política econômica, no aprofundamento da democracia, no avanço da inclusão social e na redução da desigualdade, na integração mutuamente vantajosa com os vizinhos do Continente.

Mas, consideramos que, para alcançar esses objetivos, as forças comprometidas com as transformações progressistas e civilizatórias -- a fim de melhor se situar melhor -- têm que compreender qual é o exigente contexto do período histórico atual, correspondente aos dois últimos anos do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff e o seu segundo mandato, iniciado em 2015.

Contexto de condições objetivas muito adversas

A realidade mundial e brasileira interagem entre si, impondo grandes desafios e perspicácia na construção e aplicação da alternativa a seguir, no plano internacional: 1) Vivemos uma grave crise econômica sistêmica global, prolongada, e que ainda pode se agravar mais, atingindo agora mais pesadamente os países em desenvolvimento; 2) Verifica-se o crescimento da contraofensiva conservadora e da direita na América Latina, começando a provocar reversão no avanço democrático e nas conquistas de progresso social e soberania nacional nos países desse Continente. No plano nacional: 1) Com início em março de 2014, a Operação Lava Jato poderá contribuir para melhores práticas nas empresas e nos governos, mas objetivamente vem incorrendo também em práticas que atentam contra o Estado democrático de Direito, questionada por juristas de renome, e tendo como resultante econômica a redução do PIB nacional em dois pontos percentuais e da massa salarial em cerca de 42 bilhões de reais; 2) Uma mídia hegemônica, de grande estrutura de comunicação, que se transformou em verdadeiro partido de oposição, agindo como tal, em combinação com uma estratégia comum com as legendas oposicionistas oficiais; 3) E não se pode deixar de ressaltar o tempo de seca prolongada que atingiu fortemente até a região sudeste do Brasil, pesando no aumento das tarifas de eletricidade e de água. 

Do nosso ponto de vista é com o domínio desse conjunto sistêmico de condições objetivas muito adversas – que geram em grande medida as condições da crise multilateral pela qual atravessa o país -- é que se pode avaliar a saída para os objetivos de mudança que se persegue. A oposição se aproveita da situação adversa para instrumentalizar mais ainda os fatores da crise, buscando justificar um atalho para a tomada do poder central da República, proclamando que toda responsabilidade pelas dificuldades cabe à presidenta da República. Exacerbou, assim, o clima anti-Dilma, tornando a luta política mais aguda e violenta.

Transição do ciclo de desenvolvimento

É concebível que em face de tal realidade complexa e desafiadora, na busca de saída e alternativa, a presidenta Dilma possa ter cometidos equívocos e erros. Mais ainda, avaliamos que continuar o processo transformador político, econômico e social, requer diante dessa nova situação, um novo ciclo de desenvolvimento. Entretanto, para torna-lo viável, só é possível através de uma transição que nos conduza a essa nova etapa de mudança mais avançada. Situação que expõe a dimensão das tarefas, nas quais a presidenta demonstra estar inteiramente empenhada.

Partindo desse viés, avaliamos que não existe resposta simples e mágica. As experiências do modelo político-econômico alternativo ao neoliberalismo na região, como no Brasil, ainda são primárias. E tais processos acontecem em regimes capitalistas, sujeitos aos ciclos próprios desse sistema e da dominância financeira rentista global. O agravamento recente da crise mundial com seus efeitos restritivos, pesaram sobre essas novas experiências.

O divisor de águas na relação da unidade do movimento popular e da esquerda -- e no diálogo e concertação com o governo Dilma -- é que não se pode retroceder e voltar ao modelo antipopular e antinacional do passado: agenda destrutiva do Estado mínimo; aprofundamento da exclusão social; sistema político inteiramente tutelado pelo capital; realinhamento geopolítico com as grandes potências capitalistas, saída da crise resgatando o grande capital financeiro e grandes monopólios, em detrimento da maioria da nação. A relação de confiança com a presidenta tem aí sua base, por ela demonstrado em toda sua trajetória.

Agenda convergente para retomar o crescimento


Portanto, a alternativa a seguir neste momento requer confiança mutua, dialogo e debate mais amplo com a presidenta e seu governo. Isso em função de que o campo popular e de esquerda não tem modelo alternativo concluído, sobretudo no terreno econômico, onde apresenta até mesmo posições diferenciadas. É certo que não se pode alimentar duas disjuntivas: de um lado, devaneios de pactos com a oposição golpista e neoliberal, reerguendo pontes para o passado; por outro lado, ilusões de que a solução está no voluntarismo político, ou em medidas mágicas para a retomada rápida do crescimento, nas condições atuais.

Avaliamos que não devemos ser contra o ajuste nas contas públicas. O busílis está em que o equilíbrio fiscal depende da recuperação das receitas através do estímulo à atividade econômica, não o contrário. Por isso que Joaquim Levy teve que sair. O mais emergencial agora, além de abortar as investidas golpistas, é concretizar uma agenda de consenso para interromper a queda da atividade econômica e recuperar o seu crescimento. 

As pontes para a retomada do crescimento que vão reunindo maiores convergências são: redução progressiva dos juros, pois o aumento da taxa Selic já não tem mais “funcionalidade” para conter a inflação; câmbio realinhado na faixa atual, que permite a competitividade, sobretudo da indústria; destravar os investimentos públicos e privados na infraestrutura logística e no sistema energético; tratar legalmente os acordos de leniência para preservação imprescindível das grandes empresas de engenharia nacional e recompor financeiramente a Petrobras; ativar setores produtivos que compõem ampla cadeia de empresas fornecedoras e receptoras.

Por fim, a evolução da unidade da Frente Brasil Popular e a prova da capacidade mobilizadora popular do dia 16 de dezembro passado, contribuíram significativamente para as vitórias mais recentes. E o seu crescimento é uma garantia para reforçar o papel da força motriz eficaz para barrar o golpe, pelas reformas estruturais e as mudanças progressistas.


*Renato Rabelo é ex-presidente nacional do PCdoB

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