quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Marta, Lula, Mercadante, Rui e o Hotel dos Estrangeiros.

Je suis Marta
Je suis Marta.

O Hotel dos Estrangeiros foi quase um símbolo da República Velha (1889-1930) e um dos endereços do poder das oligarquias, nos tempos em que o Rio de Janeiro era a capital federal.
Situado no bairro do Catete, era assim descrito em um anúncio no “Rio News”, em 1900 (originalmente em inglês): “Situa-se na melhor parte da cidade, recebendo ar e luz por todos os lados, próximo à mais limpa praia da cidade e cercado por um grande jardim. (…) Possui ainda suntuosos salões, e serviço de mesa esplendidos para banquetes. O restaurante e os serviços não podem ser superados”.
A fina flor da jovem República reunia-se ali para conchavos, acordos, acertos e negociatas, longe do burburinho das ruas.
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Pois os salões do Hotel dos Estrangeiros me vieram à cabeça ao ler a trepidante entrevista da senadora Marta Suplicy ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’.
Suas falas poderiam estar na boca de um Pinheiro Machado ou de um Campos Salles.
Para Marta, na política, existem as grandes personalidades. Em primeiro lugar está ela, obviamente. Em seguida, podem desfilar Lula, Dilma, Rui Falcão, Mercadante e outras cabeças coroadas.
E existe o pessoal da alta roda, com firme presença em suas formulações.
Não existe povo, não existe opinião pública, não existem trabalhadores.
Mas essa não é – ao que tudo indica – opinião apenas da ex-prefeita de São Paulo. Ela apenas vocaliza o que parece ser a maneira de agir de boa parte da direção petista. A favor de Marta, cite-se sua grande sinceridade.
Com o povo, lidam os marqueteiros.
Melhor ler a representante do clã Smith de Vasconcellos, seu sobrenome de batismo, do que comentar sobre ela.
Aqui vão alguns exemplos: “Em meados de 2003, os desmandos aconteciam e a economia ia de mal a pior. Foi aí que disse ao Lula: “Presidente, está acontecendo uma coisa muito séria. (…) Conversamos a primeira, a segunda , a terceira e a quarta vez… E ele dizia: ‘É verdade, estou conversando com ela [Dilma], mas não adianta, ela não ouve’. A coisa foi piorando e, um dia, ele disse: ‘Os empresários estão se desgarrando…’ E perguntou se eu podia ajudar e organizei um jantar na minha casa, já no início de 2014, com os 30 PIBs paulistas. Foi do Lázaro Brandão a quem você quiser imaginar. E fizeram muitas críticas à política econômica e ao jeito da presidente. Ele não se fez de rogado, entrou nas críticas, disse que isso era isso mesmo. Naquele jeito do Lula, né? Quando o jantar acabou, todos estavam satisfeitíssimos com ele”.
“30 PIBs paulistas”, convenhamos, é ótimo!
Tem mais: “Um dia, o Lula, no avião dele, quando era presidente, me disse: “Minha sucessora vai ser uma mulher’. E pensei que ou seria eu, ou a Marina (Silva) ou Dilma”.
Por fim, para que não pairem dúvidas: “[A equipe econômica] É experiente e qualificada”.
Marta faria bom papel nos salões do Hotel dos Estrangeiros, em seus julgamentos e conversas com grandes vultos da vida nacional.
Exceto por um pequeno detalhe. Há cem anos, mulheres não votavam e nem eram votadas. Conquistaram essa prerrogativa na Revolução de 1930. Mas essa é outra história.
O Hotel dos Estrangeiros foi demolido em 1950.
Ele tem alguma coisa a ver com o Hotel Overlook.
Para quem não se lembra, é o empreendimento em que Jack Torrance – personagem vivido por Jack Nicholson – é contratado para tomar conta durante o inverno. No filme ‘O iluminado’, de Stanley Kubrick, os fantasmas de seus hóspedes volta e meia aparecem para aterrorizar a todos.
Os personagens do Hotel dos Estrangeiros são mais ou menos assim.
Volta e meia reencarnam aqui e ali.
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EXCLUSIVO: FERNANDO HADDAD FALA SOBRE MARTA, CHALITA, A LÓGICA DO MPL E O CAIPIRISMO DO PSDB.

Ele
O prefeito de São Paulo Fernando Haddad recebeu o DCM para uma entrevista em seu gabinete no antigo Edifício Matarazzo, no Viaduto do Chá.
Sem gravata, terno preto com camisa branca, o inconfundível cabelo dividido ao meio, Haddad falou sob o impacto de um novo protesto do Movimento Passe Livre, ocorrido no dia anterior. Para ele, o MPL prefere o “tudo ou nada” a uma negociação gradual. Haddad fez um balanço de seus dois anos de governo, falou do polêmico convite feito a Gabriel Chalita (PMDB) para a secretaria de educação e de seu relacionamento com Marta Suplicy, sua possível adversária em 2016.
A seguir, os principais trechos da conversa.
A nomeação de Gabriel Chalita.
Acho que as pessoas se surpreendem com o convite por não prestarem atenção aos desdobramentos e aos eventos históricos. Minha relação com o Chalita começou antes de eu ser ministro. Participamos da reforma educacional do governo federal.
Naquele momento, o PSDB se comportava de forma suprapartidária. Os projetos eram considerados de estado, não de governo. O Chalita teve um papel fundamental como mediador de conflitos com o pensamento conservador em proveito de uma agenda mais avançada.
Na campanha para a prefeitura em 2012, aquele que perdeu apoiou quem ganhou. Foi visto como natural pela população que o Chalita me apoiasse — ou vice-versa, se ele tivesse passado para o segundo turno. Isso me deu a vitória. É uma relação de dez anos. Já era boa quando ele estava no PSDB. Valorizo nele essa capacidade de interlocução.
Não foi indicação do Lula. Aliás, aconteceu o contrário… Chalita e eu comunicamos ao Temer e ao Lula esse desejo. Em se tratando de uma aproximação desta natureza, eu achei de bom tom que o ex-presidente ficasse ciente e opinasse. Os dois saudaram a aproximação, que foi vista como um ganho para a educação.
Marta Suplicy.
Minha primeira função pública foi na gestão da Marta. Adorei ter participado da experiência. Nos dois primeiros anos fui testemunha do esforço que foi feito para valorizar a educação. Participei da equipe que fez os CEUs. Sempre nos demos muito bem.
Sempre foi uma relação muito respeitosa — até aqui, pelo menos. Gosto muito das pessoas envolvidas nessa história [a ruptura de Marta com o PT] para dar uma opinião sobre a atitude dela.
Os protestos do Movimento Passe Livre.
Os prefeitos todos do Brasil estamos na mesma situação. Todos querem ampliar a gratuidade da tarifa. Sou o primeiro a reconhecer a questão do transporte.
Mas, em março de 2013, portanto 70 dias antes do primeiro protesto daquele ano, defendi a municipalização da Cide, tributo que incide sobre a gasolina. Foi na Folha. Falei que a Cide [sigla para Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico] deveria ser municipalizada para dar aos prefeitos a condição de adotar uma política mais agressiva de modicidade tarifária.
Imaginava naquele momento que aquilo fosse ensejar um debate sobre tarifa. Não vou transferir recursos de saúde e educação.
Para minha surpresa, quando o MPL esteve com a presidenta Dilma, entregou uma carta defendendo a minha tese de março. Infelizmente, parece ter abandonado essa bandeira. Daria para os prefeitos do Brasil uma perspectiva de, sem prejudicar saúde, educação, poder criar um mecanismo para mexer na tarifa.
É possível ampliar os direitos gradualmente. Sem radicalizar. Mas a tática deles é claramente binária: ou levo tudo ou não levo nada. Ou você me dá 100% do que estou pedindo ou você é meu inimigo.
O prefeito é o elo fraco da federação. Houve uma reconcentração de recursos públicos na esfera da União que começou no governo Fernando Henrique. Tem havido um esforço para mudar.
O custo do transporte é de 6 bilhões de reais por ano. Imaginar que você possa abrir mão desse recurso de uma hora para outra é complicado.
Quem vai remover as ciclovias?
A mudança de paradigma veio para ficar. Uma vez que a malha viária é a mesma e a ideia de túneis e viadutos se provou um fracasso do ponto de vista urbanístico, qual é a alternativa para a mobilidade? O conceito está estabelecido mundialmente: transporte público, ciclovias, respeito ao pedestre. De um ponto de vista da transversalidade: como isso dialoga com saúde pública, com causas ambientais e com causas sociais. Uma agenda transversal.
Li um estudo recente sobre a saúde dos ciclistas amadores, impressionantemente melhor que a dos sedentários. A saúde do usuário de transporte público também é melhor que a do cara que usa só o carro. Você precisa caminhar até a estação de metrô ou o ponto.
Se os 400 quilômetros de ciclofaixas estiverem prontos até o final deste ano (ele entregou 170 por enquanto), multiplica por 1 metro e meio, a largura de uma ciclovia, e estamos falando de 600 mil metros quadrados — 40% do parque Ibirapuera. Ou seja, você está tirando muito pouco para o impacto todo que estamos tendo.
Ninguém vai ousar remover essas ciclovias. Faixas de ônibus são a mesma coisa. No ano passado, parecia que o mundo ia acabar. Fui acusado de falta de planejamento, falta de tudo…
O trânsito aumentou de 2011 para 2012 14,8%; de 2012 para 2013, 7,8%; de 2013 para 2014, 2,8%, segundo a CET. A cidade se acomoda de outra maneira. Obviamente que o preconceito, o dogmatismo, a intolerância falam alto. Fica mais fácil esbravejar nas rádios do que fazer a conta do que realmente acontece de bom.
Um professor de esquerda.
A maioria da população apoia as iniciativas e quem fala nos meios de comunicação não são as pessoas para as quais essas políticas são forjadas. O cara que só critica não dialoga com o mundo moderno, com a contemporaneidade.
O jogo eleitoral é muito pesado. Eu não sou nada além de um professor de esquerda. Um professor de esquerda, filho de imigrantes, chegar a ministro da educação e a prefeito de São Paulo é difícil de engolir para muitas pessoas. É difícil assimilar. Quando você faz algo que eles poderiam ter feito e nunca fizeram, fica um ressentimento. “Como você ousou fazer uma obviedade dessas?” Tem uma coisa psicanalítica nisso, que transcende a política.
Convivência.
O Brasil tem um resquício escravocrata. É um país de presente escravocrata. Agora nós democratizamos as oportunidades. Não havia democratização das oportunidades. Isso mudou, o que significa que brancos terão que conviver cada vez mais com negros, ricos com pobres etc, como aliás acontece na Europa, nos Estados Unidos etc. Algumas pessoas vêem isso como ameaça. Ameaça, na verdade, é uma sociedade desigual como a nossa. O que ameaça o mundo desenvolvido é a desigualdade. Isso põe em risco a democracia. O risco à democracia não é só cultural e ideológico. É material. Isso é o que nós não queremos admitir.
Viva o centro. 
É crescente o número de lançamentos no centro. E ele ainda vai crescer. Mais construtoras vão se interessar pela região. A reforma que nós vamos fazer no Anhangabaú vai dar uma cara boa pro centro.
Acho que iniciativas como a ciclovia do Minhocão, as praias urbanas, a desfavelização do Largo de São Francisco… tudo isso está mudando o lugar. Praticamente não havia praças sem barraco. Fizemos uma limpeza sem expulsar ninguém. Sem higienizar. Estamos fazendo coleta de lixo aos domingos. Eu tinha uma ideia de que o centro não tinha gente nesse dia. Pois nós tiramos 100 toneladas de lixo aos domingos.
Rolezinho.
Tenho o hábito de passear no centro aos domingos. Vou com o motorista. Eu vou trabalhar às vezes de ônibus, de metrô ou de bicicleta. Gostaria de ir mais, só que o ajudante de ordens não deixa… Eu falo “não precisa ninguém me acompanhando”. “Mas se ninguém te acompanhar vai ficar ruim pra nós”, eles dizem.
Estamos pensando em fazer visitas guiadas de bicicleta para as pessoas terem uma primeira experiência estética com o grafite. Pode ser uma porta de entrada para a arte para essas pessoas. Vai ser a primeira galeria de arte de rua com visita guiada no mundo.
O humor do paulistano e o caipirismo do PSDB.
São Paulo é uma montanha russa de humor. Tudo influencia tudo. Uma volubilidade muito grande. Por isso, se você tem um projeto para a cidade, execute e se dê por satisfeito.
Por exemplo, eu aprovei um Plano Diretor que é considerado pela ONU um dos mais avançados do mundo. Aprovamos a renegociação da dívida com a União que vai trazer uma redução do estoque de 26 bilhões de reais. São êxitos poucos podem dizer que vão alcançar.
São Paulo tem condições de reassumir o protagonismo no Brasil, condição que perdeu nos últimos 20 anos. Não existe cidade do mundo do tamanho de São Paulo que não interaja com o governo central. Essa crítica do excesso de dependência do governo federal é mais uma amostra do caipirismo que tomou conta do PSDB. O PSDB era um partido antenado com o que acontece no mundo. Hoje é o partido mais caipira do Brasil. Ou melhor, provinciano — porque eu gosto dos caipiras. Lamentável que o PSDB tenha chegado aonde chegou.
O PSDB e a judicialização da política.
Eu esperava muitas coisas quando candidato. O que não estava no meu horizonte é a judicialização da política. O PSDB entra na Justiça por qualquer coisa.  Costumo dizer que o ditado “a justiça tarda, mas não falha”, no caso da política, está errado: a justiça tarda e falha. Política é tempo.
A outra surpresa como prefeito é a postura do MPL. Não esperava isso, sobretudo de pessoas que têm uma bagagem para entender o que é a intolerância. A intolerância não é de esquerda. É um fundamentalismo que eu lamento. O Charlie Hebdo é vítima do infeliz crescimento dessa intolerância que cresce no mundo. Nós devemos cerrar fileira com aqueles que são comprometidos com as causas libertárias.
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