domingo, 15 de maio de 2016

Brasil abre uma perigosa caixa de Pandora.


Jornal GGN – O artigo de Germán Lodola, Diretor do PhD em Ciência Política da UDT e pesquisador do CONICET, saiu no jornal La Nacion no dia 26 de abril último. No entanto, mesmo que o processo de investigação por impeachment já tenha passado pelo Senado, o artigo de Lodola continua valendo, tal a seriedade e complexidade do tema para o Brasil e toda a América Latina. O autor aponta os riscos de promover a construção de denúncias híbridas, com apoio do Congresso, para depor uma presidente democrática e legitimamente eleita. Diz que construir um processo deste tipo pede a confluência de fatores bem distintos, que nada deixam a desejar quando comparados à força bruta. E demonstra conhecer bem a construção político-partidária do país. Aponta, por fim, a abertura de verdadeira caixa de Pandora. Só lembra que quem vai fechá-la não está no horizonte. Leia a seguir.

Dizer que a remoção de Dilma Rousseff é legítima porque cumpre com os procedimentos legais vigentes esconde que eles foram feitos de maneira artificial, com objetivos inconfessos que não promovem a qualidade institucional.
Do La Nacion
Por Germán Lodola
O que vimos no domingo 17 pela televisão não foi um golpe contra Dilma Rousseff. E não foi porque um golpe é outra coisa, ao menos segundo a definição. Um golpe consiste na remoção do Poder Executivo popularmente eleito por meio do uso da violência ou de outros meios extralegais, tipicamente com a participação dos militares apoiados pelas elites sociais. Isto não aconteceu no Brasil. O que ali ocorreu, porém, é alarmante para o funcionamento da democracia na região.
A decisão da Câmara dos Deputados de iniciar o processo de julgamento político da presidente Dilma Rousseff, que certamente terminará em sua destituição, depois de ser aprovado pelo Senado, é algo diferente de um golpe, ainda que não tenha nome: é uma destituição antidemocrática do Executivo forçando a utilização de procedimentos legais. Paradoxalmente, na natureza legal desta nova modalidade de destituição presidencial reside seu maior perigo.
A operação política para a destituição de Dilma foi posta em prática por uma oposição ameaçada, composta por parceiros do governo e competidores eleitorais do PT, com um duplo objetivo. Por um lado, encobrir dezenas de deputados envolvidos em escândalo de corrupção por suborno e compra de votos. Por outro lado, ganhar influência sobre a gestão da política econômica frente à profudnda recessão e à crescente agitação social. Resta, então, ver na decisão do Congresso um sintoma de democracia madura, um passo para o exercício do controle e fiscalização legislativa do Poder Executivo. Pelo contrário, o que vimos é o espetáculo cruel de um sistema político em ruínas.
Mas vamos por partes.
Primeiro, afirmar que a destituição de Dilma é legítima porque se cumpriu com os procedimentos legais obscurece o feito de que estes foram utilizados de maneira forçada com uma finalidade antidemocrática. Foi forçado porque não se demonstrou – nem se tentou demonstrar – que as denúncias contra a presidente pelas pedaladas fiscais (ou a decisão do Tesouro Nacional de atrasar a transferência de fundos a bancos públicos para aliviar a situação fiscal do governo) constituíam um "crime de responsabilidade". Esta comprovação, estabelecem as normas, é uma condição necessária para iniciar o julgamento político. Naturalmente, se esta decisão de política fiscal chegou a constituir um delito (algo difícil de sustentar), seria um delito menor que, em condições normais, jamais produziria a saída de um presidente.
Como ilustram as declarações dos deputados no domingo da votação, ninguém se preocupou por justificar que Dilma Tenha violado a lei ao empregar as pedaladas. No lugar, se escutaram referências constantes aos redutos eleitorais (municípios) dos deputados. A obrigação de um sistema proporcional de lista eleitoral aberta favorece a fragmentação, recompensa o voto pessoal e incentiva o particularismo local dos políticos.
Além disso, foram utilizados procedimentos legais para fins antidemocráticos. De um lado, ao não existir evidência sobra a presença de um crime, as regras subverteram a autoridade do volto popular que foi expresso a favor da reeleição de Dilma. De outro, se habilitaram a uma mudança de governo e o acesso ao poder de uma coalizão alternativa que assaltou a presidência através de um mecanismo não eleitoral.
Em suma, o argumento institucionalista fica aquém e não se aplica no Brasil (nem no Paraguais de Lugo). As instituições se movem no ritmo das necessidades dos atores, que procuram usá-las estrategicamente para satisfazer seus objetivos: honrosos ou, como neste caso, impróprios e questionáveis.
Segundo, isto nos leva a perguntar sobre as motivações políticas dos deputados que conduziram e aprovaram o impeachment. Existem duas motivações, analiticamente distintas, mas inter-relacionadas. A primeira é um motivo de sobrevivência. Ele é encarnado pelo principal parceiro do governo, o PMDB, mas também se aplica à segunda maior (PP) e outros partidos menores (PL, PSD, PROS), cuja criação foi motivada pelo PT para enfraquecer o PMDB dentro da coalizão. A segunda é uma motivação de governo e é encarnada pelo principal partido de oposição do PT na arena eleitoral, o PSDB.
A motivação de sobreviência está relacionada com a aceleração das investigações no escândalo da Petrobras, que compromete dezenas de políticos do PMDB, do PP e de outras forças menores. O indicador mais visível é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, condutor do processo do impeachment e réu na justiça depois de confirmar que aceitou suborno em troca de superfaturar os contratos de petróleo na estatal.
A relação entre Cunha, que controla a facção maior do PMDB, e o governo, começou a deteriorar-se no começo de 2015, quando o PT propôs outro candidato para a presidência da Câmara. Mas Cunha venceu. Desde então fez todo o possível para bloquear as iniciativas do governo, em particular o duro programa de austeridade fiscal, e incorporar a sua própria agenda conservadora. A relação terminou por romper-se há alguns meses, quando o PT decidiu que era muito custoso, diante da opinião pública, apoiar Cunha e ordenou a seus representantes na Comissão de Ética do Congresso, que o investigava, a votarem por sua expulsão.
Então Cunha revidou. Neste contexto, as opções para o PMDB e os demais partidos envolvidos no petrolão era o de continuar como aliados de Dilma para enfrentarem juntos o embate sociojudicial ou abandonar a coalizão, deixando o PT no centro da fúria anticorrupção.
Como se sabe, optaram em massa pela última. Esta opção não é garantida para evitar a prisão, mas aumenta suas chances de tirá-los de cena e dar-lhes outro papel na presente politica.
Com Dilma neste processo e Lula na mira da justiça, a exposição midiática e o nível de escrutínio público sobre os deputados diminui. Os juízes deixam de ser alvo das pressões públicas por "honestidade" e podem ser mais compassivos com eles. No pior caso, o início do julgamento permite que ganham tempo, aguardando que amaine o tsunami judicial. De forma paralela, o PMDB está à frente na linha de sucessão e o vice-presidente Michel Temer, deverá formar uma nova coalizão de governo. Isto outorga o PMDB – um partido não presidenciável – o poder de distribuir cargos ministeriais, o que neste momento é quase tudo.
A segunda variedade de motivação pró-impeachment, a motivação de governo, operou de modo diferente. Menos comprometido com o escândalo da Petrobras, o PSDB jogava com a possibilidade o julgamento político nos meios de comunicação, mas prefria que a justiça eleitoral declarasse nulas as eleições de 2014. Para isso, fez inclusive uma petição formal.
No entanto, quando a relação Cunha-PT chegou a um ponto sem retorno, o PSDB montou a "operação troca de governo". A destituição de Dilma dá a este partido e a seus associados da poderosa Federação empresária paulista, a Fiesp, a possbilidade certa de recuperar o comando da gestão econômica do país. Algo que, sentem, nunca deveriam ter perdido e menos ainda para as mãos de um partido operário de esquerda.
O que aconteceu no domingo tem implicâncias alarmantes para as democracias da região. Já se tem dito que a abertura do julgamento político de Dilma não é um indicador de avanços institucionais na qualidade da democracia (governança) brasileira. O efeito desta demonstração é que não é necessario destituir pela força os presidentes eleitos democraticamente, mas que é factível, quando as condições acompanham (corrupção galopantes, crise econômica, protesto social, governo fraco), recorrer aos procedimentos legais em vigor para apoiar a construção de acusações híbridas difíceis de demonstrar. O que é preciso para a remoção do presidente é um Congresso disposto. A caixa de Pandora está aberta. Não se sabe quando nem quem a fechará.
Germán Lodola – é Diretor do PhD em Ciência Política da UDT e pesquisador do CONICET
Tradução da Equipe GGN
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