Lula foi astuto na escolha de sua sucessora e protegeu o país do retrocesso neoliberal. E a presidenta, com sua própria liderança, tem superado desaforos e dificuldades
Por: Mauro Santayana
Os críticos mais à esquerda podem condenar a atitude de Lula, em sua primeira campanha e na condução dos dois governos, mas os resultados é que contam. Como dizia Marx, o critério da verdade é a prática. As concessões aos neoconservadores deram ao presidente espaço e tempo para trabalhar no seu objetivo maior. Lula trazia, com seu passado, o compromisso quase obsessivo de lutar contra a miséria. Nos primeiros anos, talvez supusesse que isso fosse possível a ferro e fogo. Pouco a pouco, aprendeu o jogo necessário da política: contra a força é necessária a astúcia.
Foi assim que, na busca de seu projeto, fez as alianças indicadas pelas circunstâncias. Como líder sindical, não fazia distinção entre os patrões, fossem nacionais, fossem estrangeiros; como líder de um partido, compreendeu que era preciso moderar o discurso. A isso foi aconselhado pela própria experiência, mas possivelmente também influenciado pela ala mais pragmática de seu grupo. Foi assim que Lula decidiu firmar documento assumindo o compromisso de respeitar todos os acordos assumidos anteriormente em nome do Estado, entre eles o das privatizações.
Ao convocar o empresário e político José Alencar, além de situar-se bem com os setores industriais, sempre inconformados com a voracidade do sistema financeiro, teve a sabedoria de ter um mineiro, com suas qualidades, como companheiro de chapa. Para sossegar os banqueiros, que temiam perder o controle do Banco Central, entregou o órgão a Henrique Meirelles. Trouxe ainda os empresários para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no qual puderam, e podem, defender interesses específicos de classe. E reduziu, embora não tenha eliminado, a sua ação conspiratória contra o governo chefiado por um proletário autêntico.
O primeiro passo foi retirar os pobres da miséria absoluta e secular, mediante a política direta de ajuda às famílias assoladas pela fome. Não foi difícil a ele chegar à equação singela: mais dinheiro na mão dos pobres significa mais consumo; mais consumo, mais emprego; mais emprego, mais consumo e mais empregos: enfim, o desenvolvimento geral da economia. O resultado é que todos ganharam, e muitos empresários perceberam que seus lucros crescem à medida que a renda nacional é mais bem distribuída e o mercado interno aumenta.
Ao mesmo tempo, Lula usou a plenitude da sabedoria nas viagens ao exterior. Como todos os meninos pobres e inteligentes, teve de negociar desde cedo, com os outros e com as circunstâncias: com irmãos mais velhos, com companheiros de trabalho e chefes, com os patrões. A virtude obtida na adversidade levou-o a quebrar a resistência dos governantes mundiais – ao contrário de Fernando Henrique, que pretendia conquistar os donos do mundo com a subserviência de sua diplomacia. Lula estava poupado, por exemplo, de citar Weber.
Comunicava-se com alma. Não tinha por que se curvar. O povo, ao elegê-lo, fizera-o igual a qualquer outro governante do mundo e permitia-lhe até, sem faltar à elegância, substituir os ritos rígidos do protocolo pela afetividade de quem respeita no outro alguém igual a si
Reconhecimento
Foi um Brasil novo, menos desigual no plano interno e mais respeitado no plano externo, que Lula entregou a Dilma Rousseff, moça da classe média de Belo Horizonte, já combatente contra a ditadura em um tempo em que Lula, dois anos mais velho, ainda não se interessava pela política. Dilma manteve todos os compromissos de Lula, mas é certo que não se trata de um clone do antecessor. Ela é senhora de ideias próprias e de biografia bem diferente, sobretudo no que se refere à atuação política. Exilada de Minas no Rio Grande do Sul, optou por seguir Leonel Brizola e se inscreveu no PDT, fez carreira na Prefeitura de Porto Alegre antes de participar do governo do estado – e de entrar para o Partido dos Trabalhadores.
Na escolha de Dilma, houve outro ato sábio de Lula. Só uma figura nova, de seu núcleo pessoal de confiança, provada como boa administradora e firme no comando, poderia unir, como uniu, o partido. Ao evitar expor a sucessão a riscos de dissidências internas, viabilizou a vitória que não permitiu o retrocesso neoliberal.
Dilma herdou de Lula as dificuldades para a manutenção do apoio parlamentar, necessário aos atos de governo. Sem partidos com programas ideológicos definidos, a verdadeira representação parlamentar é corporativa. As corporações – como a Febraban (federação dos bancos) e as multinacionais, nisso as mais ativas – trabalham primeiro para situar seus delegados na hierarquia dos partidos, na relatoria dos projetos mais importantes e no domínio das comissões do Congresso para, em seguida, fazê-los, mediante os partidos, ministros de Estado.
Ao assumir o governo, Dilma procurou manter a equipe de Lula quase integralmente. Foi então que enfrentou a primeira crise, no caso do ministro Antonio Palocci, que a substituíra na chefia da Casa Civil. Não havia como preservá-lo, depois de suas infelizes explicações públicas. A partir de então, intensificaram-se as denúncias contra outros ministros. Ela agiu com prudência, dando aos acusados a oportunidade de se explicar. Com Nelson Jobim, ela atuou rapidamente, porque, não estando acusado de nenhum ato ilícito – embora o Ministério da Defesa não esteja livre de suspeitas a serem investigadas –, o político gaúcho desafiara, com desaforo, a autoridade de seu governo. Essa autoridade da presidenta é reconhecida nos setores lúcidos da oposição.
No plano externo ela vem mantendo a nossa independência de julgamento e a aliança com os países que se encontram em situação semelhante à nossa, como China, Rússia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Turquia. É provável que a sua percepção de estratégia econômica seja mais acentuada. Ela já deu sinais nesse sentido, ao propor novo estatuto para a defesa das empresas realmente nacionais.
Na América do Sul, desenvolve o projeto da unificação política do continente, tendo o Mercosul como o instrumento de ação. O Brasil vem enfrentando, com êxito crescente, a crise mundial, que é política, embora se expresse na economia. É preciso registrar que o nosso país, sob Dilma, elevou sua posição, interna e externa, conforme registram os indicadores nacionais e internacionais.
As dificuldades que a presidenta venceu este ano a preparam para a reestruturação do governo no início do novo ano, de eleições municipais das quais dependerá o pleito presidencial de 2014. Dilma, ao que os fatos assinalam, irá conduzir o país no mesmo rumo, mas com sua própria forma de ver e entender o mundo, e isso se verá na composição de seu novo Extraído do blog TERROR DO NORDESTE |
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