Ninguém nunca perdeu dinheiro por subestimar a inteligência das pessoas, mas a tragédia com Eduardo Campos trouxe do lixo manifestações que ultrapassam qualquer limite, se limite houvesse.
Em maio, Dilma sancionou uma lei que protege o sigilo de dados das caixas-pretas de aviões, bem como as informações voluntárias de testemunhas de investigações. A legislação foi proposta pela Aeronáutica em 2007, após a crise aérea desencadeada pelos acidentes da Gol e da Tam.
Confirmada a morte do candidato, a turma que bate em golpe comunista, bolivarianismo e boitatá juntou os pontos e viu uma ligação entre a sanção presidencial e a queda da aeronave.
Enquanto a teoria conspiratória vicejava, a corja aproveitava para chafurdar mais fundo no oportunismo.
Um pastor chamado Daniel Vieira, de um certo Congresso dos Gideões Missionários da Última Hora, ligado a Silas Malafaia, cravou nas redes sociais: “Morre Eduardo Campos, candidato a presidente. Hoje são 13 [sic], numero do PT. Deveria ter levado a DILMA!”. Apagou em seguida, com um pedido de desculpas ignóbil.
Mas poucos conseguem superar Daniela Schwery, eterna “candidata” a qualquer cargo no PSDB em São Paulo (atualmente, a deputada estadual). Troladora oficial do partido, uma espécie de Tiririca fascista, sua única bandeira e missão de vida é ser antipetralha, “antiesquerdopata” e quejandos. Entre suas propostas, listadas em seu site oficial, está a de transformar o Instituto Lula em abrigo para mendigos.
Ela habita um terreno pantanoso entre o deboche, a fraude e a psicopatia. Schwery conseguiu forjar um meme de Dilma Bolada (“Pra descer todo santos ajuda”) e então se pôs a despejar uma série de acusações. “PT em festa”; “Celso Daniel eliminado; Toninho do PT eliminado…”. (Aliás, Dilma Bolada, perfil criado pelo publicitário Jefferson Monteiro, também fez uma piada doentia com Aécio e o menino que teve o braço decepado por um tigre no Paraná).
Nenhuma mísera mensagem de condolência à família, um insight, qualquer coisa remotamente humana. É um caso espantoso de delinqüência partidária e iniquidade.
Quando não se esperava mais nada, Roger, do Ultraje, conseguiu novamente se superar, horas depois de chamar Marcelo Rubens Paiva de bosta e declarar que o pai do escritor, Rubens Paiva, morreu “defendendo o comunismo” (numa resposta a uma menção que Marcelo lhe fez numa palestra na Flip).
Desta vez, Roger foi profético: “Pronto, vai virar santo. E herói”. Têm sido — continuarão sendo — dias ricos em estupidez, maldade, paranóia e desumanidade.
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O fator Marina nas eleições.
Marina.
E agora?
A morte de Eduardo Campos embaralha o quadro das eleições presidenciais.
Já se desenhara, uma vez mais, a polarização entre PT e PSDB, dadas as baixas intenções de voto de Campos.
A provável indicação de Marina para o lugar de Campos muda as coisas.
Marina é, inegavelmente, um nome mais forte que o de Campos.
Eram dois contendores, e agora são três.
Marina chega com um atributo forte: nas chamadas Jornadas de Junho, ela foi um dos raros políticos que escaparam da execração generalizada.
É previsível que, caso confirmada sua indicação, ela avance nas pesquisas para além dos 8% ou 9% em que parecia estagnado Campos.
Qual dos dois principais candidatos vai ser mais afetado?
Só se saberá mais à frente.
Por ora, é certo que tanto para Dilma quanto para Aécio as circunstâncias se alteram consideravelmente.
Para Dilma, o relativo conforto de sua campanha fica em suspenso, pelo menos por ora.
Campos para ela era um adversário sob controle, por assim dizer. Restava Aécio, virtualmente estagnado na casa dos 20% e enroscado no escândalo do aeroporto.
Marina é um complicador para Dilma, e também para Aécio.
Não são pequenas as chances de que se erga uma nova polarização na campanha, agora entre Dilma e Marina.
Se o papel de “anti-Dilma” colar em Marina, e esta é uma hipótese forte, Aécio tenderá a diminuir dramaticamente. De protagonista descerá à condição de coadjuvante.
Nas próximas horas, o mundo político se dividirá entre as homenagens a Eduardo Campos e as especulações sobre o que vem por aí.
A única coisa certa é a incerteza sobre o cenário pós-Campos.
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Meus voos com Campos.
Campos e equipe no avião que cairia.
Entre abril e junho, viajei com o candidato Eduardo Campos e seus assessores em inúmeras ocasiões. Passamos por várias cidades do país no jatinho da campanha, mas também em vans, carros e ônibus alugados.
O avião apertado, de apenas seis lugares, os bancos de couro cor de creme e o mobiliário de madeira escura com detalhes dourados davam a impressão de estarmos numa versão miniaturizada de Las Vegas. Eu brincava que já tinha andado em jatinhos melhores na vida – como o do cartola Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, ou o usado pelo pastor evangélico Silas Malafaia, que eu também havia perfilado em reportagens para a piauí. Campos respondia com humor: o seu Partido Socialista Brasileiro era tão coerente que até o avião tinha “um ar socialista”. Ao que parece, não era a mesma aeronave de doze lugares que caiu hoje pela manhã em Santos.
Nas viagens de que participei estavam sempre o secretário particular, Rodrigo Molina (ausente do fatídico voo), o assessor de imprensa, Carlos Percol, e um dos principais assessores da campanha, o ex-deputado Pedro Valadares, a quem eu conhecia havia mais de vinte anos. Como Campos, os dois morreram na tragédia, ao lado do fotógrafo Alexandre Severo, do cinegrafista Marcelo Lyra e dos pilotos Marcos Martins e Geraldo da Cunha.
Desde a primeira viagem de campanha, Pedro Valadares colecionava fotos dos passageiros dormindo no avião. Mostrava, orgulhoso, os flagras constrangedores armazenados no celular. Um deles babando, outro com o botão da camisa desabotoado na altura do umbigo, um terceiro de boca aberta. Gravara, inclusive, alguns roncos dos viajantes. A ideia, ele dizia em tom jocoso, era produzir um vídeo com as melhores babadas da campanha. Ironicamente, ele era de todos o que mais dormia.
Com quase 1,90 de altura, Campos encurvava todo o corpo, mas quase sempre dava uma topada com a testa no teto do avião antes de se acomodar na primeira cadeira do lado esquerdo. Quando eu estava junto, ele pedia para eu me sentar à sua frente, de modo que pudéssemos nos ouvir melhor. Mas o espaço não era suficiente para os dois pares de pernas. Ele então se colocava na diagonal da cadeira, esparramando as próprias pernas pelo corredor estreito.
Sempre reclamava da comida a bordo. “De novo esse sanduíche safado? Quando é que esse partido vai melhorar e vai comprar pelo menos um micro-ondas para pôr nesse avião?”, dizia, fingindo indignação. Ir ao minúsculo banheiro, no fundo da aeronave, só em caso de muito aperto. A porta era fina como um papel. Rodrigo Molina viajou sentado na tampa do sanitário em uma ocasião para me ceder lugar no voo. O candidato usava as viagens para despachar, mas era também quando se transformava no centro das atenções. Comandava o arsenal de histórias e casos hilários, contados com picardia, e costumava brindar os passageiros com imitações de sotaques, tons de voz e expressões típicas do retratado. O de Dilma Rousseff era um must; o de Roberto Amaral, vice-presidente do PSB, outra pérola. Mas a imitação de Lula mereceria um Oscar.
Uma vez, quando estávamos no quinto compromisso do dia, embarcando para Campina Grande, na Paraíba, ele me perguntou: “Tu tem gêmea?” Fiz cara de quem não havia entendido. “Porque para onde eu olho tem uma de tu me seguindo”, falou, emendando uma gargalhada muda com os enormes olhos azuis cor de piscina arregalados.
A equipe da campanha costumava ser muito bem-humorada. “Amiga, me passa o amendoim”, pedia Valadares a Percol, que devolvia com um “só se você pedir com amor, colega!” Seguia-se uma gaitada geral no avião.
Em uma ocasião, fiz uma foto de Campos enquanto ele ouvia, com o celular colado na orelha, o discurso de um vereador sergipano que falava abobrinhas, numa performance de humor involuntário. Seguiram-se mais quatro ou cinco vídeos com piadas. Aquele era um grupo que visivelmente se gostava. Pareciam todos genuinamente satisfeitos com que estavam fazendo.
Como Campos se benzia antes de levantar voo, perguntei certa vez se tinha medo de avião. “E quem não tem, oxe?”, respondeu, logo acrescentando que quem medrava de verdade era o “argentino”, referindo-se ao marqueteiro Diego Brandy. Durante as turbulências, quando todo mundo dava aquela ajeitada na cadeira e olhava para fora da janelinha, Campos se mantinha impassível.
Da última vez que nos vimos – durante a convenção que lançou sua candidatura à Presidência, no final de junho, em Brasília –, tenho viva a imagem de sua família na primeira fila do evento, ouvindo atenta o discurso do candidato. Os filhos – ainda tão jovens – comentavam entre eles as frases do pai, sorriam, aplaudiam e acenavam para os correligionários. Ao lado deles, sua mulher Renata, que segurava o caçula no colo, seguia vidrada na figura do marido.
Ontem à noite, troquei mensagens com Carlos Percol depois da entrevista que o candidato concedeu ao Jornal Nacional, da Globo. Comentei que Campos havia se saído bem. Na última das mensagens, Percol respondeu com a figurinha de um polegar em riste. Foi para o número dele que passei a ligar com insistência assim que começaram os boatos do acidente hoje pela manhã. Em seguida, tentei muitas vezes o celular de Valadares. Caíram todos na caixa postal.
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*** *** Falsa testemunha do acidente com Eduardo Campos engana repórter e dá entrevista à Globo.
Entrevista de Donizete sobre sua ajuda no resgate a tragédia que envolveu o candidato Eduardo Campos a presidência brasileira. Editado dia 14.08.2014: o cara não esteve em busca nenhuma, só quis aparecer.
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TERRAS ALTAS DA MANTIQUEIRA = ALAGOA - AIURUOCA - DELFIM MOREIRA - ITAMONTE - ITANHANDU - MARMELÓPOLIS - PASSA QUATRO - POUSO ALTO - SÃO SEBASTIÃO DO RIO VERDE - VIRGÍNIA.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
A morte de Campos e os urubus em busca de carniça.
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