sábado, 30 de agosto de 2014

Retomar a luta Constituinte.

plebiscito constituinte


Por Bruno Elias*

Nos marcos dos 50 anos do golpe militar, várias heranças do período têm sido questionadas em manifestações de protesto e no debate público. O desenho do atual sistema político, que teve na Constituinte de 1987-1988 um momento decisivo, foi um desses legados da transição conservadora que marcou o fim da ditadura militar no país.

Passados mais de 25 anos da promulgação do texto constitucional, movimentos sociais e partidos de esquerda retomam a luta por uma constituinte exclusiva e soberana para mudar o sistema político e realizarão um plebiscito popular sobre o tema no ano de 2014. Para avançarmos na democratização do país e na realização de uma reforma política estrutural será preciso superar obstáculos impostos desde o processo constituinte anterior.

Em 2011, a sexta edição da Revista Perseu, do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, reuniu um conjunto de documentos (“O PT e a Constituinte, 1985-1988”), relativos à atuação do partido no processo constituinte. São resoluções de encontros partidários, boletins, notas da bancada, artigos e entrevistas que permitem uma visão representativa das disputas travadas pelo campo democrático e popular no período.

Estes documentos indicam que a questão da constituinte, presente nas resoluções do Encontro Nacional Extraordinário do PT (1985), começa a se desenhar desde a campanha das Diretas. Desde o ato de convocação, a Constituinte foi marcada por forte tensão entre as forças políticas que sustentavam uma constituinte tutelada pelos interesses das elites e do regime anterior e a atuação do movimento social, da esquerda e dos setores progressistas por um novo texto constitucional que representasse os interesses das maiorias populares.

Além disso, o processo constituinte de 1987-1988 se daria em meio ao “entulho autoritário” da ditadura, como a manutenção da Lei de Segurança Nacional, as leis e decretos do Pacote de Abril de 1977, a imposição da Lei da Anistia em 1979 e a derrota da emenda das eleições diretas em 1984.

Na época, partidos e movimentos sociais do campo democrático e popular se mobilizavam por uma Assembleia Constituinte “livre, democrática e soberana”, com seus membros sendo eleitos para elaborar a nova constituição e funcionamento separado do Congresso Nacional. No entanto, prevaleceria a proposta de emenda constitucional enviada pelo então presidente José Sarney, que concedia aos parlamentares eleitos em 1986 poderes para elaborar a próxima constituição, acumulando a dupla função de congressistas e constituintes.

Neste mesmo ano, o PT elegeria 16 deputados e deputadas constituintes. A bancada petista, liderada por Luiz Inácio Lula da Silva (SP), era composta ainda por Benedita da Silva (RJ), Eduardo Jorge (SP), Florestan Fernandes (SP), Gumercindo Milhomem (SP), Irma Passoni (SP), João Paulo (MG), José Genoino (SP), Luiz Gushiken (SP), Olívio Dutra (RS), Paulo Delgado (MG), Paulo Paim, Plínio de Arruda Sampaio (SP), Virgílio Guimarães (MG), Vitor Buaiz (ES) e Vladimir Palmeira (RJ).

Reconhecendo desde o início os limites do congresso constituinte, o 4º Encontro Nacional do PT (1986) aprovara um plano de ação política para a Constituinte que considera como fundamental a mobilização de massas no período. Num contexto de lutas sociais, a Constituinte abriria espaço para temas de interesse dos trabalhadores, como “os direitos que limitem a propriedade, em especial a propriedade da terra rural e urbana; o problema da dívida externa, a partir da revisão da ordem econômica; a questão da própria democracia, em relação à qual se deverão propor medidas que tomem real a participação popular no poder, inclusive através da criação de conselhos populares, de medidas que representem uma efetiva descentralização e desconcentração do poder político, hoje em mãos do Executivo.”

Para tanto, o mesmo Encontro reafirmava a ousada proposta de apresentar um projeto global de constituição, delegando à Comissão Executiva Nacional a sistematização de um projeto do PT que levasse em conta as propostas já existentes, como a elaborada pelo jurista Fabio Konder Comparato (“Muda Brasil”) e as sugestões da Comissão Constitucional do PT, coordenada por Marco Aurélio Garcia.

Nos temas relativos ao sistema político, “O Projeto de Constituição da República Federativa Democrática do Brasil” optou pela forma presidencial de governo, pela abolição do sistema bicameral com extinção do Senado Federal, pela manutenção do sistema eleitoral proporcional e pelo voto em listas partidárias pré-ordenadas. Indicava ainda a possibilidade de alistamento eleitoral aos 16 anos e a livre organização política e partidária.

No Congresso, a Constituinte inicia seus trabalhos em 1º de fevereiro de 1987 e durante 583 dias se torna uma significativa arena da disputa política no país. A mobilização da sociedade foi uma marca do período, presente nas concorridas audiências públicas, na atuação parlamentar da esquerda, na participação destacada dos fóruns Pró-Participação Popular na Constituinte e na coleta de mais de 12 milhões de assinaturas das 122 emendas populares apresentadas.

Por outro lado, a coalizão de partidos e políticos que sustentavam a “Nova República” articularia durante a Constituinte um bloco político que ficou conhecido como “Centrão”, que atuou tanto em reação às conquistas da esquerda e dos movimentos sociais como para frear a radicalização da luta democrática e das reivindicações dos trabalhadores.

Com esta ofensiva das classes dominantes, mesmo com alguns avanços na área social, a versão consolidada do texto constitucional do Congresso foi recebida pelo PT como uma proposta conservadora, especialmente na ordem econômica e nos temas da reforma agraria, reforma urbana, papel das forças armadas, estrutura da propriedade e desnacionalização da economia.

Diante disso, o PT decide votar “contra o texto, exatamente porque entende que, mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta Constituinte”. Embora tenha votado contra o projeto, o PT assinou a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, entendendo este ato como um cumprimento formal da participação do partido na Constituinte.

A Constituição de 1988 previa entre suas disposições transitórias uma revisão constitucional e um plebiscito sobre o sistema de governo dali a cinco anos. Em 1993, o presidencialismo vence o plebiscito sobre sistema de governo e no mesmo período, o PT e outros partidos e movimentos sociais se manifestam contrários à revisão constitucional. Com a derrota da Frente Popular nas eleições presidenciais de 1989 e o avanço do neoliberalismo no país, a Constituição também passa a ser alvo do processo de retirada de direitos e dos tempos de Estado Mínimo, por meio de sucessivas emendas.

Ao longo de todos esses anos, várias iniciativas de reformas do sistema político foram tentadas sem sucesso no âmbito do legislativo e do executivo. Com a chegada de Lula à presidência em 2003, renovaram-se essas expectativas de mudanças. Em 2009, o ex-presidente chegou a propor, por meio do Ministério da Justiça, uma reforma política ao Congresso que contemplava propostas como a lista fechada, o financiamento público exclusivo, a proibição de coligações nas eleições para deputado e a fidelidade partidária.

Em 2007, durante o seu 3º Congresso, o PT defende que “a reforma política não pode ser um debate restrito ao Congresso Nacional, que já demonstrou incapaz de aprovar medidas que prejudiquem os interesses estabelecidos dos seus integrantes. Ademais, setores conservadores do Congresso pretendem introduzir medidas como o voto distrital e o voto facultativo, de sentido claramente conservador. O Partido dos Trabalhadores defende que a reforma política deve ser feita por uma Constituinte exclusiva, livre, soberana e democrática.”.

No mesmo documento, o Partido avançava em alguns dos temas considerados estratégicos no debate da reforma, como a “convocação de plebiscitos para decidir questões de grande alcance nacional; a simplificação das formalidades para proposição de iniciativas populares legislativas; a convocação de consultas, referendos e/ou plebiscitos em temas de impacto nacional; o Orçamento Participativo; a correção das distorções do pacto federativo na representação parlamentar; a revisão do papel do Senado, considerando o tempo de mandato, a eleição de suplentes e seu caráter de câmara revisora; a fidelidade partidária, o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, o voto em lista pré-ordenada, o fim das coligações em eleições proporcionais; o fim da reeleição para todos os cargos majoritários a partir das próximas eleições; e a proibição do exercício de mais de três mandatos consecutivos no mesmo cargo”.

Em 2013, a luta por mudanças no sistema político ganhou novo fôlego no contexto das jornadas de junho e julho. Diante das mobilizações do período, a presidenta Dilma Rousseff propôs a convocação de um processo constituinte específico para a reforma política como um dos cinco pactos nacionais apresentados à população.

A reação à proposta da presidenta provoca no Congresso Nacional a retomada de iniciativas conservadoras de reforma do sistema político. Dentre estas a PEC 352/2013 que, a despeito da posição contrária do Partido dos Trabalhadores e da sua bancada, tem como relator o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) e reúne retrocessos como a manutenção do financiamento empresarial, do voto nominal e a inclusão de uma modalidade de voto distrital. No mesmo período, organizações populares do campo e da cidade assumiram a realização de um plebiscito popular e a pauta da constituinte do sistema político, como parte de uma luta mais ampla por reformas democráticas e populares no país.

Como se vê, a mobilização social por uma constituinte não começou por agora e nem se encerrará em setembro, com a realização do plebiscito popular. Ao enfrentar a privatização da política e lutar pela ampliação da democracia direta, da participação popular e da representação política dos trabalhadores, o campo democrático e popular enfrenta nos dias de hoje as mesmas forças políticas que resistiram às conquistas populares na constituinte de 1987-1988.

Bruno Elias, secretário nacional de movimentos populares do PT.

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A zombaria do general Enzo precisa acabar. Dilma, substitua o comandante do Exército.



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Por Pedro Estevam da Rocha Pomar*


Diz o provérbio que o uso do cachimbo deixa a boca torta. Durante a Ditadura Militar, os generais habituaram-se a dar ordens aos civis. Oficialmente encerrado o regime militar, porém mantidas no conforto da impunidade todas as patentes envolvidas com os crimes cometidos, do pé ao topo da hierarquia (de cabo a general de Exército, de taifeiro a tenente-brigadeiro, de marujo a almirante-de-esquadra), eles mantiveram o hábito de mandar e desmandar nos paisanos, de situarem-se acima da sociedade, de ignorarem acintosamente os direitos e normas constitucionais.

Trinta anos depois, tudo como dantes no quartel de Abrantes.

O general Enzo Peri, comandante do Exército, acaba de afrontar os poderes civis da República, aos quais deve obediência (só que não). O general encaminhou a todas as unidades do Exército uma ordem ilegal, segundo a qual nenhuma delas deve fornecer informações requisitadas por órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) ou outros interessados, cabendo exclusivamente ao gabinete do comandante decidir sobre as respostas.

Portanto, o general Enzo está zombando do ordenamento jurídico, que dá ao MPF a prerrogativa de investigar, e está zombando dos brasileiros, incluída a comandante em chefe das Forças Armadas, a presidenta da República, que sancionou a lei que criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Mas há um agravante nessa história. É que Enzo é reincidente. Ele seguiu na trilha aberta por seu antecessor, o general Francisco Albuquerque, de quem falaremos adiante.

Por que digo que Enzo é reincidente? Porque, ainda no governo Lula, ele foi umdos pivôs de uma grave crise política, em 2009, ao acompanhar o tresloucado ministro Nelson Jobim, da Defesa, num verdadeiro motim contra o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Jobim e os comandantes militares ameaçaram demitir-se caso o presidente não alterasse o PNDH-3, retirando dele modestos avanços democráticos ali contidos, relacionados à revogação da Lei da Anistia e investigação dos crimes da Ditadura Militar. Em vez de demitir imediatamente os amotinados, Lula cedeu à chantagem e preferiu mutilar o PNDH-3.

Já no governo Dilma, mantido no cargo apesar da rebelião antidemocrática que encabeçou, Enzo manteve-se na linha da resistência ativa à CNV e às políticas de direitos humanos da Presidência. Deu suporte às seguidas negativas e embaraços criados aos pedidos de documentos feitos pela CNV às Forças Armadas. Mais recentemente, passou da resistência dissimulada ao escárnio, ao endossar, como comandante do Exército, os debochados resultados da “sindicância” realizada a pedido da CNV a respeito das instalações militares que sabidamente abrigaram aparatos de tortura e execução de presos políticos durante a Ditadura Militar.

Portanto, Enzo reincidiu diversas vezes. Devemos nos perguntar: como é possível tal atrevimento? Por onde anda o ministro da Defesa, Celso Amorim? Tornou-se um fantoche nas mãos dos comandantes militares?

Uma explicação possível para esse estado de coisas é que, por ocuparem seus cargos desde 2007 (portanto, há quase dois mandatos presidenciais, como bem observou o jornalista Luiz Cláudio Cunha), e tendo sido recompensados por seu motim antiPNDH-3, Enzo e seus colegas passaram a julgar-se intocáveis. Inspiram-se, igualmente, em outro exemplo profundamente negativo para a democracia brasileira, a seguir relatado.

O general Albuquerque, já citado, é aquele que, dando ordens de prisão a funcionários do aeroporto de Viracopos, mandou parar um jato da TAM lotado em plena pista de decolagem, em março de 2006, para que ele próprio e sua esposa, atrasados, pudessem embarcar, depois que dois passageiros foram convencidos a ceder seus assentos ao casal.

Pior ainda: é aquele que autorizou o Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex) a emitir uma nota ultrajante a propósito da memória de Vladimir Herzog, quando da descoberta, em 2004, de uma fotografia que se pensava ser do jornalista assassinado no II Exército em 1975. O então ministro da Defesa, José Viegas, um diplomata dotado de tutano, sugeriu a Lula a demissão de Albuquerque. Lula preferiu demitir Viegas. Os generais exultaram. Foi essa a escola que produziu os Enzos.

Tem toda razão Luiz Cláudio Cunha, com a autoridade de quem revelou a presença da abjeta Operação Condor no Brasil e continua produzindo indispensáveis reportagens contra as atrocidades do regime militar, quando exorta a presidenta Dilma Rousseff a demitir o general Enzo Peri.

Não é possível que em pleno século 21 a Ditadura Militar prossiga tutelando a sociedade brasileira. Não é admissível que generais continuem asfixiando a democracia brasileira. Não é razoável que chefes militares continuem zombando da luta por memória, verdade e justiça sem que sejam punidos. O que está em jogo é a democracia e o futuro do Brasil, simples assim. Os militares só entendem a linguagem da hierarquia. Dilma, reafirme a soberania popular: demita Enzo.

*O autor é jornalista, pesquisador acadêmico e membro do Comitê Paulista por Memória, Verdade e Justiça (CPMVJ)

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