terça-feira, 19 de agosto de 2014

Uma boa matéria para evitar as conspirações aéreas.

noar


As fotos e manchetes aí de cima são do acidente em que um Caravelle da Varig que, no dia 27 de setembro de 1961, pegou fogo no aeroporto de Brasilia.

A bordo, Leonel Brizola e alguns ministros de João Goulart.

A data, apenas 20 dias depois do fim do episódio da “Legalidade”, em que Brizola confrontou o comando militar golpista que recusava a posse de Jango.

Nunca, por isso, ouvi Brizola falar de conspiração.
.
Reproduzo, abaixo, o texto de reportagem de O Globo sobre “vôos de campanha”, em que contribuo com declarações, assim como meu amigo Ricardo Kotscho, ex-assessor de Lula, e outros, sobre as peripécias aéreas que vivemos.

E conto para vocês uma, que não foi em campanha, onde tive de tirar da tremedeira talento para fazer o velho Briza desistir de um vôo sob mau tempo.

Foi no seu segundo governo, numa manhã de muita chuva. Tinha um compromisso no Centro Miécimo da Silva, em Campo Grande, distante do centro. No heliporto da Lagoa, debaixo de neblina, o comandante Antonio Hermsdorf Maia, experientíssimo piloto de helicóptero, torcia o nariz para a insistencia de Brizola para que decolássemos assim mesmo.

Finalmente, Maia concordou em ir pelo litoral, por onde se podia voar mais baixo, e depois entrar pela Zona Oeste da cidade.

Mas a coisa era feia e, no costão do Vidigal, voávamos a 50 metros da água, com aquela coisa terrível da desorientação, pois céu e mar se igualam no cinza.

Sugerir que voltássemos eu e Maia já havíamos feito, sem sucesso. Morto de medo, achei uma saída para a teimosia do Brizola.

- Governador, estão perguntando se o senhor não vai mesmo à reunião.

- Que reunião, Brito?

- Com o Doutor Ulysses, lá embaixo...

O helicóptero deu meia-volta, afinal…

A matéria de O Globo, dos repórteres Nélson Lima e Mateus Campos:

Brizola, Lula e outros presidenciáveis que viveram o perigo de voar atrás dos votos


Para conquistar os votos de um país com a quinta maior extensão territorial do planeta, um presidenciável precisa de bons aliados, tempo de TV, cabos eleitorais e… aviões à disposição. A cada quatro anos, políticos passam meses em trânsito, junto a um pelotão de assessores, para comparecer a compromissos de campanha em diferentes pontos dos 8,5 milhões de km² do Brasil. Entre decolagens e aterrissagens, pessoas que viveram as corridas eleitorais desde 1989 são taxativas: quem quer presidir a nação tem que se submeter aos riscos de voar.

A viagem de Eduardo Campos (PSB) para Santos teve o trágico desfecho que voos semelhantes de candidatos brasileiros por pouco não tiveram. O ímpeto dos políticos, a intensa e apertada agenda, o excesso de voos, a precariedade de aeronaves e aeroportos contribuem para dezenas de sustos aéreos terem se acumulado na memória de quem integrou equipes de campanha.

Assessor de imprensa de Anthony Garotinho em 2002, Carlos Henrique Vasconcellos diz que, de tanto voar, aprendeu muitos jargões da Aeronáutica. Ele não esquece de um episódio em Maringá (PR), em que uma intensa turbulência quase provocou um grave acidente. Além do ex-governador fluminense, estavam na aeronave o político Roberto Amaral, hoje no comando do PSB, e Pastor Everaldo, que atualmente disputa as eleições pelo PSC.

— Estávamos saindo de Telêmaco Borba (PR) e entramos em um cumulonimbus, uma formação de nuvens muito pesada. De tanto voar, a gente vira conhecedor da aviação e entende seus termos. O piloto tentou escapar dele, mas foi impossível. Parecia uma pista de motocross, de tanto que a cabine balançava. Nossa sensação era clara: o avião ia cair a qualquer momento. Por fim, graças a Deus, a gente conseguiu aterrissar em Maringá. Quando o piloto disse que nunca tinha passado por uma coisa daquelas na vida, tive certeza que a gente havia corrido um risco seríssimo — conta.

A infinidade de histórias de medo a bordo de jatos de presidenciáveis contempla todas as correntes ideológicas da política nacional. Assessor de comunicação de Lula até a vitória de 2002, o jornalista Ricardo Kotscho lembra que, em 1989, o avião da campanha era precário.

— Eu costumava dizer que, se dependesse dos aviões, nós perderíamos a eleição. O jato do Collor tinha até aeromoça. No nosso, não dava nem para ficar em pé. Éramos obrigados a caminhar agachados — explica ele.

Foi com a aeronave que, junto a Lula, Kotscho precisou pousar em um remoto assentamento dos Sem Terra.

— Fomos visitar uma ocupação histórica do MST chamada Encruzilhada Natalino, na cidade de Ronda Alta (RS). Estava chovendo muito e não havia visão nenhuma. Era impossível achar a pista e o combustível foi acabando. Em um certo momento, identificamos as bandeiras vermelhas do PT lá embaixo e tivemos que arriscar. Não havia pista de pouso, precisamos descer em um pasto, com o piloto praticamente segurando o avião. Foi muito difícil.

Veterano em corridas presidenciais — participou das últimas cinco campanhas do PSDB —, o fotógrafo Orlando Brito também viveu momentos de sufoco integrando os voos das comitivas tucanas. Ele conta ter escapado por pouco em 2006, quando o governador paulista Geraldo Alckmin tentava impedir a reeleição de Lula.

— Dois dias antes do desastre com o avião da Gol e o jato da Legacy, deixamos o aeroporto de Manaus rumo a São Paulo. Era de noite e todos da comitiva estavam dormindo. Mas eu tenho uma insônia crônica e decidi conversar com os pilotos. Chegando na cabine, um deles perguntou: “Você sabe o que é aquele ponto vermelho à frente?” O piloto logo explicou que era um avião comercial e que ele passaria abaixo de nós em poucos segundos. Foi assustador. Percebi que o piloto também havia ficado assustado. O acidente aconteceu na mesma região que passávamos, uma espécie de ponto cego para os radares — relata Orlando.

Foi em 1989 que Fernando Brito, jornalista que acompanhou Leonel Brizola (PDT) durante grande parte da trajetória do político gaúcho, teve de controlar as emoções no Rio de Janeiro. O líder, no entanto, não perdeu a tradicional fleuma.

— Infelizmente, voei muito e posso dizer que não é incomum ou desesperador ter problemas. Faz parte. Nesse dia, a equipe voltava de compromissos no Paraná. Na chegada ao Santos Dumont, o avião apresentou problemas no trem de pouso, que não baixou, e precisou arremeter. Depois de mais algumas tentativas, fomos avisados que iriamos para o Galeão, aeroporto com melhores condições para pousos de emergência. O Brizola virou para a gente e disse: “Bah, vamos todos tirar os sapatinhos porque hoje nadaremos na Baía de Guanabara”. Mas na última tentativa o trem de pouso baixou, travou e descemos em segurança — recorda.

A personalidade forte dos políticos é mais um fator que os pilotos de avião precisam controlar. Kotscho diz que candidatos costumam pensar ter o dom da onipotência e, por isso, querem decidir trajetos, pousos e decolagens mesmo quando não existem condições climáticas para isso. Para ele, não é coincidência que a vida política brasileira seja pontuada por tragédias com aviões.

— Todo acidente aéreo tem sempre vários fatores. Nunca é só um. E, em voos de campanha, tem um ingrediente importante: o fator candidato. Ele está sempre atrasado e tem vários compromissos. E todos que conheço acham que são onipotentes, que nada de ruim acontecerá com eles — diz. — Em 1994, a gente ia do aeroporto de Congonhas para Brasília. E o pessoal que ia embarcar começou a discutir qual deveria ser a primeira parada do voo. Cada um queria passar em uma cidade diferente. Quando ouviu a conversa, o piloto se irritou: “Isso aqui não é táxi, gente!”.

Por outro lado, eles explicam que a intensa rotina, no entanto, é gratificante. Quem viveu, durante meses, a experiência incessante de afivelar e desafivelar os cintos de segurança da política nacional, diz que o risco é recompensado pela sensação de escrever a história.

— Além de ser um trabalho muito legal do ponto de vista profissional, de poder viver um pedaço da História, era uma coisa em que a gente acreditava. Assim como acho que era para o Kotscho também. Quando a gente acredita no que está fazendo, nada pesa nas costas — celebra Fernando Brito.


http://tijolaco.com.br/blog/?p=20108

Nenhum comentário: