sábado, 6 de setembro de 2014

A turma do medo está do lado de lá.


FHC de saias?
Collor de saias?
Jânio de saias?
Cada uma das frases acima vem sendo utilizada, por diferentes interlocutores e as vezes pelos mesmos, para tentar classificar a candidata Marina Silva.
Entendo os motivos de quem faz tais comparações. Mas seria bom refletir um pouco mais, antes de transformar este tipo de frase em base para programas de televisão.
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Quem fala que Marina é um FHC de saias, evidentemente quer apontar as semelhanças entre o programa da candidata e o programa tucano.
Se fosse apenas isto, estaria tudo fácil. Acontece que Marina não é apenas isto, não é apenas Neca Setúbal, Eduardo Gianetti e André Lara Resende.
Marina expressa, também, um setor que esteve conosco contra FHC; e que agora é aliado de FHC contra nós.
No caso da pessoa física Marina Silva, ela converteu-se: começou lutando contra o neoliberalismo, depois passou a fazer concessões ao neoliberalismo, depois passou a enxergar virtudes no neoliberalismo e agora assumiu a defesa explícita de políticas neoliberais.
Acontece que a fase final desta conversão foi feita depois que Marina saiu do governo Lula. Portanto, sua face abertamente neoliberal ainda é desconhecida por uma parte do eleitorado.
Com um agravante: há uma parcela do eleitorado que não viveu o governo FHC. Para esta parcela, a comparação de Marina com FHC tem baixa eficácia eleitoral.
Muito mais eficaz –seja para recuperar o eleitorado que votou em nós e agora pensa em votar em Marina, seja para conquistar eleitores populares que nunca votaram em ninguém e agora pensam em votar nela– é priorizar o debate sobre nossas ações futuras, sobre o programa de Dilma 2015-2018, obrigando Marina a sair da zona de conforto.
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Quem fala que Marina é um Collor de saias, talvez queira destacar certas “afinidades eletivas” entre a candidata e o ex-presidente.
Estas afinidades realmente existem. Assim como existem afinidades semelhantes entre Marina e Jânio.
Nos três casos, um setor da elite apoia candidaturas demagógicas e autoritárias, para ganhar o apoio de setores despolitizados dos trabalhadores e da pequena burguesia contra candidaturas à esquerda no respectivo espectro político.
A demagogia é um recurso indispensável, porque as candidaturas da elite não podem assumir pública e abertamente o que farão, uma vez no governo.
Aliás, se falassem a verdade e assumissem que seus programas de governo resultam em desemprego e dependência, Aécio e Marina não passariam de 0,1% dos votos.
É por isto que as candidaturas de direita berram tanto sobre outros assuntos: contra os que ofendem a moral e os bons costumes, contra a corrupção, contra os políticos e contra a política, contra o “aparelhamento do Estado” etc.
Isto quando não reclamam dos juros e da inflação causados, em última análise, pelos especuladores que estão por detrás de suas campanhas.
E o autoritarismo? Este constitui, em certa medida, uma decorrência lógica da demagogia: quem constrói seu discurso criticando os políticos e a política em geral, projeta um governo acima do bem e do mal, baseado no poder discricionário individual do ungido.
Claro que cada personagem é autoritário a seu jeito. E isto, como sabemos, contém riscos para a chamada “institucionalidade”: Jânio renunciou, Collor foi impedido. Mas ambos foram úteis para derrotar a esquerda e preparar o terreno, no primeiro caso para o golpe militar de 1964, no segundo caso para o neoliberalismo tucano.
Marina é demagógica? Marina é autoritária? Certamente.
Mas a comparação com Jânio e com Collor ajuda a perceber isto? Mais exatamente: a comparação ajuda a esclarecer e libertar as camadas populares que são vítimas desta demagogia?
No horário eleitoral gratuito, não ajuda. Jânio foi eleito presidente em 1960 e prefeito de São Paulo capital em 1985. Morreu há anos. Collor foi eleito presidente em 1989. Hoje é senador e sempre haverá quem lembre que ele faz parte da “base de apoio” do governo.
Mostrar as afinidades de Marina com Jânio & Collor dentro de uma sala de aula, num texto didático ou numa longa conversa, pode resultar. Mas fazer isto num programa de TV, que será assistido brevemente por milhões de pessoas, corre o risco de não ser compreendido ou, pior, virar bumerangue.
Quando falo em bumerangue, não estou me referindo ao fato de Jânio e Collor, demagógicos e autoritários, terem sido eleitos.
Quando falo em bumerangue, também não estou me referindo ao equívoco de achar que a governabilidade depende principal ou exclusivamente do número de parlamentares eleitos pelo “partido presidencial” ou da “base de apoio”.
Quando falo em bumerangue, estou me referindo a algo mais simples e simbólico.
Dilma é a candidata da verdade que vai vencer a mentira.
Dilma é a candidata do coração valente, da esperança que novamente vai vencer o medo.
A turma do medo, do atraso, do conservadorismo, está do lado de lá.
Mas a depender de como digamos isto, pode parecer que somos nós que estamos com medo.
Ou, pior ainda, pode parecer que estamos mais preocupados em “alertar” as elites de que elas estão apoiando uma aventureira. Como se as elites deste país não soubessem o que fazem. E como se não estivessem dispostas a pagar qualquer preço e a fazer qualquer coisa para derrotar o PT.
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Por isto: política no comando. Vamos mostrar que Marina é a candidata do capital financeiro e do conservadorismo político.
Vamos apresentar o que eles fizeram, o que nós fizemos e principalmente o que nós vamos fazer. E vamos derrotar a ela e a Aécio, com argumentos compreensíveis e pela esquerda.
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P.S. A quem quer que tenha formulado a frase “sonhar é bom, mas eleição é hora de botar pé no chão e voltar à realidade”, eu recomendo 60 dias de reflexão acerca de outra frase, a saber: “é preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias”. O autor desta segunda frase (mais exatamente de algo parecido com ela) deu muito, mas muito trabalho para o capitalismo e para a direita no primeiro quartel do século XX. Entre outros motivos porque soube extrair esperança da realidade e com isso transformar a realidade, sem abrir mão da esperança e no rumo da esperança.


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O plebiscito e a confusão.

plebiscito constituinte

Desde o dia 1º de setembro, milhares de pessoas estão coletando votos do Plebiscito Popular por uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema político. Curiosamente, nestes primeiros dias de votação, poucas foram as manifestações da direita na tentativa de deslegitimar e desconstruir esta iniciativa. Na verdade, chama a atenção o fato de que este tipo de manifestação tenha vindo de setores da esquerda.

A Coordenação Nacional da Central Sindical e Popular – Conlutas se reuniu em São Paulo entre os dias 29 e 31 de agosto em São Paulo e aprovou uma resolução em que expõe suas razões para sua posição de “não apoiar nem participar desta iniciativa do Plebiscito chamado pelas centrais e demais organizações que apoiam o governo Dilma”. Pelo visto, desconhecem ou deliberadamente omitem a participação de setores da oposição de esquerda ao governo, na campanha do Plebiscito popular.

Por sua vez, a tendência petista Esquerda Marxista publicou, no dia 2 de setembro, documento intitulado “O que é a ‘Reforma política’ e porque os marxistas não se engajam nela?” Tirante a teoricamente equivocada e politicamente desastrada tentativa de monopolizar o marxismo, esta corrente busca analisar a iniciativa do Plebiscito Popular e conclui que se trata de uma “resposta diversionista, uma manobra, frente aos anseios populares e a irrupção das massas nas ruas em 2013”.

Por vias distintas, ambas as organizações chegam ao mesmo lugar comum: consideram que o Plebiscito gera confusão. Para a Conlutas, o plebiscito popular “mais confunde que esclarece”. Assim como a proposta apresentada por Dilma em 2013, ele serviria para “tirar o foco de atenção das mobilizações de rua e desviá-la para dentro do parlamento”. Em suma, seria “uma cortina de fumaça, para tentar desviar os trabalhadores da luta que pode – e deve – obrigar o governo a mudar o modelo econômico que aplica hoje”.

Segundo a Esquerda Marxista, a proposta de realizar uma constituinte exclusiva do sistema político cumpriria o papel de “desviar o grande movimento de massas que se iniciou para dentro das engrenagens do regime, do Estado”, servindo para canalizar “as forças sociais que lutam contra o Status Quo para serem controladas e esvaídas na ‘reanimação’ ou ‘estimulação crítica’ das instituições burguesas repudiadas nas ruas”.

A Conlutas considera importante “promover mudanças no sistema político brasileiro” e considera que medidas como “a proibição de financiamento das campanhas por empresas”, entre outras, “são de interesse dos trabalhadores”. Ademais, afirma que não se pode dar aos parlamentares “nenhuma carta branca para reformar o sistema político”, uma vez que a “maioria dos deputados e senadores é eleita pelo poderio econômico de quem financia suas campanhas”.

Mas se é importante mudar o sistema político; se a “correlação de forças atual no Congresso Nacional” é desfavorável; se “o cenário eleitoral aponta para a continuidade do domínio dos banqueiros, latifundiários e demais corporações econômicas no novo parlamento a ser eleito”; se não deve ser dada aos parlamentares “nenhuma carta branca para reformar o sistema político”; então como fazer a reforma política?

A Conlutas se esforça para afirmar que a Constituinte exclusiva e soberana não é um caminho para mudar o sistema político, mas não aponta nenhum outro…

Atualmente, uma mudança profunda do sistema político, ainda que envolva outras iniciativas, deve passar por uma Assembleia Constituinte soberana e exclusiva com representantes eleitos sob novas regras que impeçam a atual distorção de representação que existe no Congresso Nacional.

A coordenação da Conlutas, considera que o plebiscito “não tem nenhuma relação com apontar uma saída que questione o modelo econômico atual, que promova as mudanças que as manifestações de rua trouxeram à tona”. Porém, parece ignorar, ou pelo menos subestimar, o fato de que o atendimento das demandas populares também depende da mudança do sistema político.

A Esquerda Marxista também dá pouca importância ao entrave representado pelo atual sistema político. Criticando a posição do PT de impulsionar a luta pela Constituinte exclusiva do sistema político, apresentam uma tática infalível, que reproduzimos inteiramente:

“Nossa posição é clara e honesta: o PT está no governo. Ele não é uma oposição que luta contra um governo antipovo. Basta enviar propostas de leis e um Orçamento Federal ao Congresso para atender as necessidades e anseios populares, da juventude e da classe trabalhadora do campo e da cidade, e convoquem o povo a apoiar isto nas ruas”.

Com este entendimento, a Esquerda Marxista conclama o PT e o governo: “Ponham assim os deputados na parede e se ainda assim eles se recusam, as massas varreriam este antro desmoralizado e corrupto chamado Congresso Nacional”.

Ou seja, para estes que se intitulam “os marxistas”, é muito simples: se o Congresso não fizer o que queremos, devemos convocar o povo para fazer uma revolução. Se “os marxistas” já combinaram isso com a classe trabalhadora, faltou avisar os demais…

Mas se a maioria dos parlamentares sempre se recusou a atender as necessidades e anseios populares, por que este Congresso ainda não foi varrido? Provavelmente, segundo “os marxistas”, porque falta o PT fazer a convocatória!

Curiosamente, chamam a campanha do Plebiscito de diversionista, mas é a própria Esquerda Marxista que estimula a confusão.

Para eles, a “revoada de adesões” ao Plebiscito popular se deve ao que consideram “um raciocínio politicamente ridículo”, a saber: o “álibi” da “negativa dos partidos burgueses”. Ou seja, atribuem a “alguns destes aderentes” da campanha o raciocínio de que “se eles [partidos burgueses] não querem, então deve ser ruim para eles e bom para nós, o povo”. Entretanto, “os marxistas” não indicam qual organização que constrói o Plebiscito faz tal raciocínio. Tentam desconstruir os argumentos de seu contendor atribuindo-lhes um pensamento que não elaborou. Lamentável.

Além disso, acham que a proposta de realizar uma constituinte exclusiva “significa deixar o atual Congresso no lugar, intocado, e portanto governando”. Seria, assim, “uma tentativa de ganhar apoio de deputados dizendo ‘a gente não quer mexer com vocês’.” Revelam, assim, total desconhecimento em relação ao significado da proposta.

A realização de uma Constituinte com representantes eleitos exclusivamente para fazer alterações na Constituição e, assim, mudar especificamente o sistema político, vai no sentido oposto ao imaginado. Afinal, visa impedir que o novo sistema político seja elaborado pelo principal representante do velho sistema. Portanto, ainda que possa não ser a única, uma das melhores maneiras de “mexer” com o Congresso é justamente por meio de uma Constituinte exclusiva e soberana!

No esforço de esvaziar a principal luta por mudanças no sistema político e a maior mobilização popular organizada dos últimos anos, acabam contribuindo para manter ilesas as instituições que impedem as melhorias que o povo reivindica na saúde, educação, transporte, segurança etc.

Portanto, estas organizações que acusam a campanha do Plebiscito de gerar confusão e desviar os trabalhadores de suas lutas legítimas não fazem mais que atribuir aos outros sua própria confusão.

Rodrigo Cesar é militante do PT e participa da Secretaria Operativa Nacional do Plebiscito Constituinte.
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