terça-feira, 7 de outubro de 2014

Agora é esquerda versus direita e não mudança versus continuidade.

Duas visões distintas
Duas visões distintas.

Agora Aécio e aliados vão dizer que é mudança versus continuidade.
Mas não é.
Agora é esquerda versus direita. Ou centro-esquerda versus centro-direita.
Com Marina no segundo turno, se poderia levar razoavelmente a sério a hipótese da mudança.
Mas com Aécio, não.
O Aécio real, o de Armínio Fraga, tem um programa econômico que é uma réplica do thatcherismo dos anos 1980.
Thatcher, para quem não lembra, foi a real inspiração de FHC – a começar pela fé cega em que privatizações e desregulamentações eram a receita sagrada para dinamizar uma economia.
Na verdade, como o tempo mostrou em todos os países que adotaram o thatcherismo, era uma fórmula para concentrar renda e favorecer uma pequena elite que seria apelidada posteriormente de o “1%”.
No Brasil, a concentração só não foi maior porque um efeito colateral da estabilização favoreceu os pobres, que não tinham refúgio nos bancos para se proteger da inflação.
Fosse o Brasil, na era FHC, um país estável, como a Inglaterra de Thatcher, hoje provavelmente ele seria amaldiçoado como é, entre os britânicos, a Dama de Ferro.
Enxergar com clareza a oposição entre direita e esquerda vai ajudar muita gente indecisa a tomar uma posição, quer para um lado ou para outro.
A alta votação de Aécio surpreendeu, mas nem tanto assim. Muita gente antipetista se bandeara para Marina por entender que ela era a chance real de bater Dilma.
Quando, às vésperas da eleição, Aécio começou a aparecer na frente de Marina, os marinistas de ocasião voltaram para seu favorito.
Ficaram com ela, essencialmente, as mesmas pessoas que votaram nela em 2010. São eleitores que gostam de sua trajetória, e enxergam nela uma espécie de Lula de saias, com colheradas de sustentabilidade.
É difícil acreditar que a maior parte desses eleitores opte por Aécio, ainda que a própria Marina o apoie.
Também não devem ser subestimados os mais de 2 milhões de votos que tiveram, conjuntamente, Luciana Genro e Eduardo Jorge.
Os que os escolheram – tipicamente jovens idealistas – tenderão a ficar com Dilma diante do bloco de direita que se comporá em torno de Aécio.
Passada a ressaca, fica claro que parte da euforia tucana – e da mídia que apoia o PSDB — é fruto de uma estratégia de marketing destinada a convencer indecisos de que a vitória está próxima e intimidar os adversários.
É o chamado otimismo de conveniência.
Nunca, nos embates entre PT e PSDB, foi tão nítida a diferença entre as visões de mundo que os comandam.
Isso pode ser demonstrado pela opção que terão os simpatizantes de quatro candidatos com propostas opostas, Pastor Everaldo e Levy Fidelix, de um lado, e Luciana Genro e Eduardo Jorge, de outro.
Os eleitores de Everaldo e Fidelix cravarão certamente Aécio. Os de Luciana Genro e Eduardo Jorge, muito provavelmente, Dilma.
Isso conta, se não tudo, muito da escolha que os brasileiros terão que fazer em 26 de outubro.
Diga-me quem apoia você e eu direi quem você é: esta é uma frase que ajuda a entender o que está em jogo agora.


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A escolha de Marina.

Ela
Ela.
Publicado na BBC Brasil.
 Em seu discurso após a derrota no 1º turno, a candidata Marina Silva, terceira colocada com 21,32% dos votos, disse que sua posição no segundo turno será tomada “conjuntamente com os partidos de sua aliança”.
Mas ela reforçou que via sua candidatura como uma alternativa ao status quo político, dando a entender que não se sentiria confortável dando apoio a uma ou outra grande força política do país.
“Não quero andar para trás nem ficar patinando no mesmo lugar”, disse ela. “Ao longo de nossa campanha, defendemos uma mudança qualificada, e os eleitores que votaram em nós estão comprometidos com isso e com nosso programa de governo. Estes continuarão a ser nossos pólos no segundo turno”.
Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, os sinais mais fortes são de que ela pode se declarar neutra, a exemplo do que fez na eleição anterior, quando era candidata do PV e obteve 19,33% dos votos no primeiro turno. O segundo turno foi disputado entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Dilma venceu com 56,05% dos votos.
O cenário mais improvável, segundo os analistas, seria um eventual apoio ao PT, partido do qual foi militante até 2009.
“Ela foi muito agredida pela campanha de Dilma. A relação entre o PT e Marina se desgastou demais”, disse à BBC Brasil o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. 
Marco Aurélio Nogueira, cientista político da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), acredita que um apoio ao PT no segundo turno seria um “atestado de incoerência” por parte de Marina.
“Depois de tudo que aconteceu na campanha, se ela apoiar o PT decretará sua morte na política”, diz Nogueira.
Para Rafael Cortez, da consultoria Tendências, os duros ataques contra Marina por parte da campanha de Dilma terão um grande peso nesta decisão.
“Em política, nunca podemos dizer que algo é impossível, mas, em diversos momentos, ela se mostrou muito triste com o presidente Lula. Acho difícil que isso seja resolvido em tão pouco tempo”, afirma Cortez.
Já a possibilidade de um eventual apoio à campanha de Aécio Neves é menos remota, na opinião de alguns analistas.
O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, acredita que, “se a raiva prevalecer”, por conta dos ataques sofridos durante a primeira parte da campanha, “Marina apoiará Aécio”.
Pereira, da FGV-RJ, também acredita numa aproximação entre Marina e o PSDB neste segundo turno.
“A propensão é ela apoiar o Aécio. Já existia um acordo informal entre Eduardo Campos e Aécio de apoio no segundo turno. Marina vem honrando os acordos firmados por Campos, por isso, seria delicado ela assumir uma neutralidade”, afirma.
Já o cientista político Antonio Carlos Mazzeo, da Unesp, não acredita que Marina veja necessidade de honrar acordos do PSB para o segundo turno.
“Marina não é o PSB, ela é Rede e continuará a viabilizar seu próprio partido. Parte do PSB sequer fez campanha para ela no primeiro turno. E uma parte do partido, principalmente a ala comandada pelo seu presidente, Roberto Amaral, é lulista”, afirma Mazzeo.

‘Posição difícil’

Para Nogueira, da Unesp, as chances maiores são de Marina se manter neutra nesta etapa da disputa.
“Ela está numa posição difícil, porque também foi muito atacada pelo PSDB. Vai ter muita dificuldade em dar este apoio”, diz Nogueira.
Cortez, da consultoria Tendências, acredita que, para se manter coerente com seu discurso de campanha, Marina provavelmente não apoiará nenhum dos dois partidos ainda na disputa.
“Ela diz que seu projeto visa superar a polarização entre PT e PSDB, e isso aponta para uma nova neutralidade no segundo turno”, afirma Cortez.
“Ela será assediada principalmente por Aécio Neves, mas só acho que este acordo será costurado se ele a convencer de que será mais fácil colocar a Rede de pé sem o PT no poder e se ele usar a aprovação do fim da reeleição, que estava entre as propostas dela, como uma moeda de troca.”
O cientista político Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, também aposta na neutralidade de Marina.
“Não é do perfil dela apoiar um partido ou o outro. Ela vai se manter reticente e, no fim, acredito que não embarcará em nenhuma canoa”, afirma Gomes.
“Ela diz que não acredita na política atual, que os quadros que se apresentam nos outros partidos são antigos. Agora, não faria sentido subir no palanque do PT ou do PSDB.”


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A primeira baixaria da nova campanha foi a ¨homenagem¨de Aécio a Eduardo Campos.

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O ‘homenageado’ e Aécio.


A primeira baixaria da campanha do segundo turno veio na forma de uma suposta homenagem.
Aécio reverenciou, aspas, a memória de Eduardo Campos no discurso em que comemorou sua passagem para a fase final das eleições.
Vamos chamar as coisas pelo nome certo. O que Aécio fez foi exploração de cadáver com objetivos eleitoreiros.
O que ele deseja, muito mais que evocar o “amigo morto”, são os votos dos simpatizantes de Campos.
Segundo a colunista Mônica Bergamo, da Folha, a viúva Renata Campos está prestes a declarar apoio a Aécio.
Aécio poderia ter homenageado verdadeiramente Eduardo Campos se houvesse tomado sua imediata defesa quando o nome do candidato morto apareceu, levianamente, no noticiário das denúncias do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Mas não. Calou-se. Pior: tratou as afirmações de Costa como verdades absolutas, muito antes de qualquer investigação.
Isso apenas ajudou a manchar a imagem de Eduardo Campos.
Agora, quando Campos poderia enfim começar a descansar em paz, eis que Aécio invade seu túmulo e tenta trazê-lo para o centro do debate eleitoral.
Quase tão bizarra quanto a “homenagem” de Aécio a Campos foram declarações do vice de Marina em seu Twitter.
Beto Albuquerque, num espasmo de machismo gaúcho, disse que não é homem de levar desaforo para casa.
Como Marina, ele se fazia de vítima dos ataques do PT.
Não tenho procuração para defender o PT, de quem sequer sou eleitor.
Mas queria entender como Marina, que chegou chamando continuamente Dilma e o PT de símbolos da “velha política”, num tom de estrepitoso insulto, tem coragem de se dizer “ofendida”.
O que ela esperava? Que Dilma a elogiasse e aplaudisse como ícone da “nova política”?
Marina bateu de cara. Antes dela, Campos fizera o mesmo. Desqualificou Dilma desde o início: disse que era a primeira vez em décadas que um presidente entregaria um país pior do que recebeu.
Chegou a fazer uma piada duvidosa que remetia à eliminação do Brasil na Copa. Dilma estava levando o Brasil a perder de 7 a 1 mais uma vez, disse Campos: 7 de inflação e 1 de crescimento do PIB.
Com tudo isso, Beto Albuquerque se faz de vítima?
Pausa para rir, ou chorar.
Temos uma situação curiosa no Brasil. A oposição diz que o país vai acabar se Dilma vencer.
Isso não é terrorismo. É advertência, talvez.
Dilma diz que os mais humildes ficarão desprotegidos se a direita ganhar. Isso é terrorismo.
O tributo fajuto de Aécio e o choro patético de Albuquerque receberam, posteriormente, um complemento notável de FHC.
Os eleitores do PT são desinformados, segundo o sábio FHC. Provavelmente porque não concordam com a alta filosofia contida no noticiário da Veja, e da Globo, e do Estadão, e por aí vai.
FHC chamou também Dilma de gorda. E ei-lo defendendo uma campanha altiva, elevada, de ideias.
Sêneca disse que ao se lembrar de certas palavras que usara tinha inveja dos mudos. O mesmo vale para FHC.


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FHC, os pobres, o voto e a falta de informação.


FHC nos tempos em que o Nordeste era bem informado
FHC nos tempos em que o Nordeste era bem informado.



A vantagem de Dilma sobre Aécio no Nordeste tirou do armário a velha conversa do separatismo no Brasil e o melhor do nosso racismo maroto, nosso racismo moleque.
As manifestações são as mais desprezíveis possíveis, mas podem ser resumidas no seguinte: o bolsa família é para miserável burro morto de fome vagabundo vão viver às próprias custas e não encham nosso saco senão não daremos mais nosso dinheiro de impostos para vocês meritocracia.
Fulano escreveu, por exemplo, que “esses nordestinos desgraçados parecem que não sabe [sic] que a culpa da falta de água é da lazarenta da Dilma”. Outro, que “nordestino safado vota em Dilma vamos fazer outro país”.
Quando a coisa parecia não poder piorar, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu sua valiosa contribuição ao debate da, digamos, “qualificação” do voto.
Numa entrevista a Josias de Souza e Mario Magalhães, do Uol, FHC conseguiu classificar os eleitores petistas (43,3 milhões de almas) como uma imensa massa desprovida de discernimento.
“O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados”, afirmou.
O PT está “apoiado em setores da sociedade que são, sobretudo, menos informados [...]. Geralmente é uma coincidência entre os mais pobres e os menos qualificados.” Se há uma falha do PSDB, considera o ex-presidente, é de não conseguir dialogar com esse pessoal.
Foi-lhe recordado que aquela abordagem ecoava a do brigadeiro Eduardo Gomes e da UDN na campanha para a presidência de 1950. O brigadeiro xingou de “marmiteiros” os eleitores do rival Getúlio Vargas.
Essa eleição foi pródiga em trazer à luz questões prementes. Levy Fidelix, por exemplo, prestou um enorme serviço ao combate à homofobia — embora involuntário — com sua diatribe homofóbica muito louca num debate.
FHC ganha o status de guru do que o jornalista Elio Gaspari chama de “demofobia”, medo do povo. Além da generalização estúpida sobre os adversários, passa a ideia de que o pessedebista é o oposto: um tipo bem informado e, por coincidência, mais rico.
Provavelmente, também por coincidência, de São Paulo, já que os desfavorecidos de Minas e Rio deixaram Aécio Neves em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Já no Nordeste é aquela lama moral e intelectual.
Bastaria um papo com um taxista nos Jardins para Fernando Henrique mudar de ideia sobre esse personagem que votou em seu partido. Ou dar uma boa olhada no Facebook para ver a quantidade de aecistas despejando clichês higienistas num idioma remotamente parecido com o português, que beleza.
Aécio teve uma sacada interessante — ele ou seu marqueteiro — ao reabilitar FHC e desfilar com ele por aí. Puxou aplausos para o homem na Globo. Em 2010, Serra fez questão de escondê-lo. Em circunstâncias normais, alguém com um discurso fora de órbita como esse seria novamente posto na geladeira. Como não vivemos em circunstâncias normais, FHC passa a ser mais mais atual do que nunca.
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