quinta-feira, 30 de outubro de 2014

ESTABILIDADE DEMOCRÁTICA X ALTERNÂNCIA DE PODER: Derrubando mais um mito midiático.

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Foto: festa da militância do Partido dos Trabalhadores na Avenida Paulista, em São Paulo/SP, em 26 de outubro de 2014.

Autor: Sandro Ari Andrade de Miranda

Fico imaginando como Thomas Jefferson e Franklin Delano Roosevelt, dois grandes ícones da Democracia norte-americana, classificariam os discursos de setores da direita brasileira, especialmente da mídia, contra a reeleição de Dilma Rousseff.
Jefferson, em 1801, inaugurou um período de 28 anos de mandatos dos Democratas-Republicanos no comando dos Estados Unidos, encerrado apenas com o fim de mandato de John Quincy Adams, em 1829.
Já o Democrata Franklin Delano Roosevelt, era tão popular, que sozinho comandou o país da América no Norte durante 12 anos ininterruptos, de 1933 até a sua morte, em 1945. Além disso, reelegeu o seu sucessor Harry Truman, que governou o país de 1945 até 1953, o que significou 20 anos de mandato do mesmo partido.
Ainda nos EUA, os Republicanos governaram o país de forma corrida por 12 anos pelo menos duas vezes, de 1863 a 1885, e de 1981 a 1993.
A continuidade de governos também pode ser observada no Reino Unido, considerado como um dos berços da Democracia Ocidental. Cito dois períodos deste século, ambos sob a liderança dos conservadores. O primeiro começou com Winston Churchill, em 1951, e se encerrou com Alec Douglas-Home, em 1964, totalizando 14 anos. Mais recentemente, a dama de ferro Margaret Hilda Thatcher, em 1979, deu início a um mandato de 19 anos do seu partido, encerrado apenas em 1997, com a derrota de John Major para o Trabalhista Tony Blair.
Como se observa, nenhum dos países citados pode ser considerado como uma ditadura. Logo, afirmar que a reeleição de Dilma Rousseff para o quarto mandato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, é uma forma debolivarianismo ou de cubanização de Brasil, é um verdadeiro absurdo!
Primeiramente, a Venezuela não enfrenta nenhum tipo de ditadura, ao contrário, o Partido Bolivariano venceu todas as eleições em processos democráticos acirrados, com amplo monitoramento da comunidade internacional. Não há qualquer suspeita de fraude nas eleições, como ocorre, por exemplo, no Iraque monitorado pelos EUA.
Num segundo momento, a construção do Partido dos Trabalhadores – PT seguiu um caminho diferente do Partido Comunista Cubano. Se Cuba optou pela ditadura do proletariado, o PT sempre levantou como bandeira a radicalização da democracia, do fortalecimento da participação popular, e da ampliação das liberdades e dos direitos fundamentais.
O terceiro elemento importante reside no fato de, apesar da popularidade sem precedentes de Lula, não existir hoje um culto à personalidade do Presidente. Os insights foram cotados pelo próprio líder político. O PT possui uma base social muito forte, e diversas lideranças políticas destacadas e com brilho próprio, como a própria Presidenta reeleita Dilma, Jaques Wagner, Miguel Rosseto, dentre outros.
Por fim, a proposta de reforma política apresentada pelo Partido dos Trabalhadores, com constituinte exclusiva, democracia participativa, voto em lista (fechada ou preferencial) e financiamento público de campanha, derruba qualquer possibilidade de culto à personalidade, reforçando a importância do partido e da transparência na política.
Na política, como já ensinava Max Weber, o carisma do político é um capital fundamental. Mas existe uma diferença entre carisma e culto à personalidade. No culto à personalidade os demais atores políticos, inclusive o partido, são secundários. Assim, podemos verificar uma tendência autoritária na construção da imagem de outros candidatos, especialmente no arquétipo de Marina Silva, “a candidata dos sem partido”, e no modelo de “machão de mídia” sustentado por Aécio Neves.
A continuidade política de um projeto pode, isto sim, ser fundamental para a consolidação da Democracia e, especialmente, para a implementação de um projeto inclusivo e de fortalecimento das políticas sociais.
A história mundial tem exemplos significativos e positivos de continuidade, onde se destaca a atuação do Partido Operário Social-Democrata, da Suécia, fundado em 1989, e que governou o país por 44 anos, de 1932 a 1976. Não por acaso o país nórdico possui uma das melhores qualidades de vida do planeta, fruto de uma política social que foi sendo desenvolvida neste país durante todo o período do seu Governo.
Outro exemplo significativo é o da Noruega, onde o Partido Trabalhista teve maioria absoluta no Parlamento de 1936 a 1964, governando aquele país. A dose foi repetida com o retorno ao poder da Primeira Ministra Gro Harlem Brundtland, em 1986 (a mesma do Relatório “Nosso Futuro Comum”), terminando no governo do seu sucessor Thorbjon Jagland, em 1997.
Até mesmo a Alemanha, tão elogiada pela imprensa durante a Copa, mantém a Ministra Angela Merkel, do CDU (Partido Democrata Cristão), no comando desde 2005.
Sendo assim, o discurso da mídia e da direita contra a continuidade do PT no governo é apenas mais uma forma de racionalização do preconceito contra a inversão programática que o país vem atravessando desde 2003. Há incontestável seletividade analítica, já que o PSDB governa São Paulo desde 1995.
A vitória de Dilma demonstrou que país, de fato, vem passando por grandes transformações. Portanto, a sua vitória é uma absoluta prova de estabilidade da Democracia Brasileira, e não o contrário.

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O golpismo da direita mostra a sua força com o apoio do oportunismo ressentido.

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Foto: Carlos Lacerda, defensor aberto do Golpe, com Militares.
Autor: Sandro Ari Andrade de Miranda. 
Passados dois dias das eleições, o Golpismo da Direita resolveu mostrar as suas asas. O alvo, como sempre, a Democracia, na sua forma mais pura que é a Democracia Participativa.
Uma das grandes conquistas populares do Governo Dilma Rousseff foi a publicação do Decreto nº 8.243/14, que institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social. 
No referido documento o Poder Executivo apenas organiza, dentro da sua esfera de competência constitucional, todos os instrumentos de participação social que hoje são existentes, como os Conselhos de Políticas Públicas, a Ouvidoria Geral da República, dentre outros. A grande inovação é a criação de um Fórum Interconselhos e a Mesa de Diálogos, duas formas de estabelecer o intercâmbio entre os diversos instrumentos de participação.
O líder do movimento oposicionista foi o Deputado Federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), derrotado nas eleições para o governo estadual, e apoiador de primeira hora de Marina Silva e, depois, de Aécio Neves. Lembro que o referido deputado também está sendo apresentado como um dos possíveis nomes da lista da “Operação Lava a Jato”, algo que vem sendo ignorado pelos meios de comunicação, dentro da sua estratégia de denunciação seletiva.
Pois, contrariando a política de pacificação proposta por Dilma, e aparentemente aceita por Aécio, o ódio novamente encontrou voz entre os derrotados nas urnas. Inclusive de quadros que estarão fora do Congresso na próxima legislatura, como o próprio Henrique Alves.
Num discurso absolutamente oportunista, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB/BA), do grupo de Geddel Vieira Lima, afirmou para o jornal O Globo, que “essa derrota é educativa. É para mostrar que o discurso do diálogo, de conversa com o Congresso Nacional, não pode ficar só na teoria, tem que acontecer na prática” [SIC].
Como já havia ocorrido em debates anteriores sobre este tema, apenas o próprio PT, o PSOL e o PCdoB demonstraram o seu compromisso com a Democracia, e votaram contra a proposta de Decreto Legislativo.
Ao votarem a favor do Decreto Legislativo proposto por Henrique Alves, e contra o Decreto da Política Nacional de Participação Social, os parlamentares oposicionistas apenas demonstraram um imenso sectarismo, e pretendem derrubar o projeto eleito nas urnas no Parlamento, além de uma total ausência de compromisso com a sociedade.
Como adverte, corretamente, o Líder do Partido dos Trabalhadores no Congresso, Henrique Fontana (PT/RS):
Quem acha que, derrubando o decreto, está impondo uma derrota à Presidenta, se engana. A derrubada desse decreto é, na verdade, um golpe no povo e na sua capacidade de participação na política” [SIC].
Eu iria mais longe, a postura do Congresso demonstra a ojeriza de vários Parlamentares à cidadania ativa e ao controle social. O medo de que a atuação da sociedade possa interferir em “esferas de poder privatizadas por interesses particularistas”, e no combate efetivo à corrupção.
Já nos manifestamos diversas vezes afirmando que os dois grandes instrumentos para combate à corrupção são a transparência e a participação ativa da sociedade nas decisões administrativas, algo que muitos classificam como “controle social”. Eu prefiro exercício da cidadania ativa.
A trajetória histórica das políticas de participação social sempre encontrou dificuldades frente ao poder pré-constituído dos conservadores, que têm medo de ouvir a voz da população, e temem perder status.
O exemplo maior foi o Orçamento Participativo de Porto Alegre, sempre criticado pela direita política brasileira, mesmo que tenha sido considerado como um modelo de gestão eficiente das cidades pela Organização das Nações Unidades, na Conferência Habitat II.
Para aqueles que dizem ser a participação social apenas um esquerdismo, lembro que esta sempre foi defendida pelos teóricos do republicanismo, com destaque para Tocqueville, na sua obra “A Democracia na América”. Logo, pelos fundadores da principal democracia do capitalismo.
Portanto, a participação direta da sociedade sempre esteve na agenda de consolidação da Democracia, e o seu represamento é a gênese do golpismo, e maximização do ressentimento contra as classes mais pobres.
Na prática, os Parlamentares apenas reproduziram nesta triste noite de 28 de outubro de 2014, mais uma das cenas patéticas de xenofobia que temos observado nas redes sociais depois da derrota dos conservadores no pleito eleitoral do último dia 26.
Contudo, além de uma imensa irresponsabilidade, os nobres parlamentares ofenderam diretamente Cláusula Pétrea da Constituição, ao invadir competência privativa da Presidenta da República.
Não pode o legislativo dispor sobre a organização administrativa do Poder Executivo, matéria de competência privativa da Chefe deste Poder, conforme comando do art.. 84, VI,"a", CF/88.
Nesse sentido, a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
"É indispensável a iniciativa do chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/2001, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação." (ADI 3.254, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-11-2005, Plenário, DJ de 2-12-2005.) 
"Ação direta de inconstitucionalidade. Decreto 4.010, de 12-11-2001. Pagamento de servidores públicos da administração federal. Liberação de recursos. Exigência de prévia autorização do presidente da República. Os arts. 76 e 84, I, II e VI, a, todos da CF, atribuem ao presidente da República a posição de chefe supremo da administração pública federal, ao qual estão subordinados os ministros de Estado. Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal, diante da nova redação atribuída ao inciso VI do art. 84 pela EC 32/2001, que permite expressamente ao presidente da República dispor, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos, exceções que não se aplicam ao decreto atacado." (ADI 2.564, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 8-10-2003, Plenário, DJ de 6-2-2004.)
"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.835/2001 do Estado do Espírito Santo. Inclusão dos nomes de pessoas físicas e jurídicas inadimplentes no Serasa, Cadin e SPC. Atribuições da Secretaria de Estado da Fazenda. Iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa. Inconstitucionalidade formal. A Lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da administração estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de decreto do chefe do Poder Executivo (...). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada." (ADI 2.857, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007.)
O vício de iniciativa é absoluto nestes casos, e nem a convalidação do executivo garante a vigência da norma. Além disso, a oposição demonstra claramente a sua total falta de respeito com os direitos fundamentais à participação dos cidadãos e das cidadãs, e o medo que possui da participação popular. Isso não tem outro nome no mundo da ciência política, é Golpismo!

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