quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Junho 2013 x Outubro 2014.

Junho de 2013
Junho de 2013


Publicado no site Unisinos. O autor, Cesar Sanson, é professor do Departamento de Ciências Socias da UFRN.


Muitas interpretações afirmam que as ‘Jornadas de junho 2013’ não serviram para nada. Além de não terem tido nenhuma repercussão nas eleições de 2014 no sentido de uma inflexão à esquerda, pior ainda, teriam engrossado o caldo da direita. O caso mais citado é a reeleição de Alckmin em São Paulo – um dos principais focos dos protestos – e a quase nula renovação no Congresso Nacional.
Não faço essa leitura, mas ressalvo que é um debate em aberto. Primeiro, há ‘pautas’ que retornaram à agenda política do país devido as manifestações. A mais evidente é a Reforma Política. O Plebiscito Popular ganhou força após Junho 2013. Outro tema que ganhou força é o da mobilidade. Seguramente Haddad em São Paulo não teria o ‘atrevimento’ de ampliar os corredores exclusivos para os ônibus, assim como as ciclovias não fosse o ‘empurrão’ que recebeu das ruas.
Ainda mais. O Programa ‘Mais Médicos’ só saiu da ‘prateleira’ depois que o tema da saúde foi um dos mais gritado nas manifestações. O Programa estava no Ministério da Saúde cozinhando faz tempo. Foram as ruas que ajudaram o governo enfrentar as corporações médicas. Alguém imagina o governo trazendo médicos cubanos para o país sem o junho de 2013?
Tem mais. Foram as ruas que forçaram o Congresso a aprovar o uso dos royalties do petróleo – pré-sal – para a educação e para a área da saúde. As Jornadas de Junho empurraram o governo à esquerda. A presidente depois de receber o MPL, em cadeia nacional se comprometeu em ampliar investimentos em agenda social.
Agora, o mais importante.
Junho de 2013 foi um contundente não à democracia representativa. O que se viu foi um fosso entre as ruas e a representação política e institucional. O “vocês me representam” foi substituído pelo “eu me represento”.
É a partir dessa leitura que muitos esperavam que as eleições de 2014 fosse uma caixa de ressonância das ruas e aguardava-se um voto de mudança contra os mesmos que sempre estiveram aí.
A pergunta delicada: mas onde estava o novo – a mudança – para se exprimir como o representante das ruas? Marina num primeiro momento foi beneficiada pelo ‘espírito’ das ruas porque se apresentava como ‘novidade’, mas logo foi desmascarada e viu-se que era mais do mesmo.
Sob a perspectiva das ruas – e isso é polêmico – é preciso que se diga que o PT já faz tempo deixou de ser novidade. Isso porque se orienta pela ‘política da representação’ nos moldes dos partidos tradicionais. Basta lembrar aqui, para ficar num exemplo, do aliancismo que ressuscitou o que há de pior na política brasileira. É duro, mas é preciso que se diga: Quando muitos petistas acusavam Marina de ser o “Collor de saias”, é bom lembrar que o verdadeiro Collor integra a base de sustentação do governo.
Ainda mais. As ruas revelaram que a luta não é apenas pela igualdade, mas também pelo reconhecimento à diversidade nas condições e opções de gênero raciais e étnicas. Aqui, também o governo do PT se mostrou muitas vezes covarde. Basta lembrar da questão indígena, do kit anti-homofobia, etc.
O mal-estar das ruas sinalizou ainda que o modelo neodesenvolvimentista de inclusão via mercado de consumo – a aposta lulista/dilmista – se tornou insuficiente. O ‘muito mais que 0,20 centavos’ das ruas exprime o caldo latente de um clima de frustração dos que não se sentem incluídos. Dos que estão fora da sociedade de consumo, dos milhares que trabalham em empregos precários. Daqueles que estudam e trabalham e precisam se deslocar nas metrópoles carrocentristas, mas também dos que não estudam e não trabalham e se dão conta de que o prometido atalho à sociedade de consumo não chegará pela educação e menos ainda pelo emprego de salário mínimo.
Logo e, concluindo, o paradoxo entre a agitação das ruas e a indiferença com o processo eleitoral na realidade não é uma antítese, mas sim expressão das próprias ruas que manifestaram o desencanto com os políticos e o sistema político.
Portanto, como o sistema político não exprime nada e não pode ser mudado por dentro – via eleições, sem que se radicalize outra forma de política – votar, deixar de votar, ou votar em ‘A’, ‘B’ ou ‘C’ pouco altera a dinâmica viciada do que não se quer.

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Porque a decisão de Gilmar no caso PT x Veja é um perigo para a  sociedade.


Um estranho conceito de justiça
Um estranho conceito de justiça.

Eu estava para escrever sobre isso há alguns dias, mas a cobertura do primeiro me consumiu o tempo.
Escrevo agora.
De Gilmar Mendes aprendi a só esperar coisas ruins, mas desta vez ele ultrapassou todos os limites.
Não foi apenas negar um direito de resposta que fora aprovado unanimemente na instância abaixo.
Foi a lógica perversa de sua justificativa.
Como tantas vezes, a Veja fez acusações pesadas sem provar. Disse a revista: “Para evitar que o partido e suas principais lideranças sejam arrastados ao epicentro do escândalo da Petrobras às vésperas da eleição, a legenda comprou o silêncio de um grupo de criminosos – e pagou em dólar.”
Em qualquer país cuja mídia e justiça funcionem, você só publica uma coisa daquelas se tiver documentos que comprovem cabalmente.
Ou então você está na lei da selva, no vale tudo em que um jornalista pode destruir reputações – e vidas – sem qualquer responsabilidade, e em regime de completa impunidade.
A Veja não tinha provas. Instada pelo TSE a publicar uma resposta do PT, recorreu ao STF. E o caso foi parar – logo onde – nas mãos de Gilmar Mendes, o juiz que compareceu, alegre, em pleno Mensalão, ao lançamento de um livro de Reinaldo Azevedo sobre os “petralhas”. É incrível que ainda seja aceita, no Brasil, a promiscuidade entre mídia e justiça. A vítima é a sociedade.
Mendes, cujo antipetismo exacerbado é conhecido, suspendeu o direito de resposta com um argumento que é um perigo para a sociedade, e bom apenas para a Veja.
“O direito de resposta admitido constitucionalmente é aquele decorrente de informação falsa, errônea. Significa dizer que é preciso haver comprovação nos autos de que a informação veiculada na mídia é inverídica”.
Isso quer dizer o seguinte: você tem que provar que é inocente para conseguir resposta.
Fica invertida a máxima segundo a qual você é inocente até prova em contrário. Agora, segundo Mendes, você éculpado até prova em contrário.
O caso ainda será discutido no plenário do Supremo, e é previsível que a sentença infame de Mendes seja atirada, merecidamente, no lixo.
Mas jamais será apagada dos anais do Supremo o gesto de Gilmar Mendes — um ato que ignora, distorce, destrói pilares eternos daquilo que conhecemos como justiça.
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