quinta-feira, 9 de outubro de 2014

“O campo de Dilma é de Minas para cima. O de Aécio, de São Paulo para baixo”

Aécio e Dilma.


Publicado no Unisinos.
 O país está dividido e “a polarização clássica do sistema eleitoral no período pós-ditadura retornou com força neste primeiro turno, inclusive em termos regionais”, avalia Rudá Ricci ao comentar o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil. Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade à IHU On-Line por e-mail, o sociólogo, surpreso com a disputa entre Dilma e Aécio no segundo turno, explica que o candidato do PSDB “teve uma superação espetacular na reta final, não previsível porque não capturada pelos institutos de pesquisa”. Para ele, o eleitorado de São Paulo foi responsável pelo resultado do segundo turno: “30% do total de votos que Aécio recebeu no primeiro turno vieram do Estado de São Paulo, 10 milhões de votos, mais que a soma dos votos obtidos por Skaf e Padilha (o segundo e terceiro lugares na disputa pelo governo paulista).
Aécio teve quase o dobro de votos que Dilma e Marina, somadas, obtiveram naquele estado. Pesou muito, ainda, o desempenho do candidato tucano nos estados do Sul do país. Com este ‘sprint’, Aécio entra no segundo turno em ascensão e Dilma em estabilidade”. E acrescenta: “Os tucanos elegeram quem quiseram. Elegeram Alckmin no primeiro turno, fizeram o senador e reduziram drasticamente a bancada do PT no Parlamento. A campanha de Aécio no segundo turno está nas mãos de Alckmin”.
Na avaliação de Rudá Ricci, Marina “perdeu para si mesma”, “não acreditou no seu discurso de que seria a nova política” e “rapidamente, ficou parecida com o que PT e PSDB já fazem, seja programaticamente, seja em termos de alianças. Se todos eram iguais, este eleitor decidiu cravar no que tem mais segurança”. Com a queda de Marina e a impossibilidade de conquistar eleitores indecisos e os que desejavam uma terceira via, o “PSB diminuiu de tamanho”, enquanto o PT “se firmou nas regiões Norte e Nordeste do país e parte do Centro-Oeste”, e o PSDB teve um desempenho melhor no Centro-Oeste e Sul do país.
Rudá Ricci (foto abaixo) é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.
Como o senhor interpreta o resultado das eleições presidenciais? Qual é o significado do segundo turno entre Dilma e Aécio, com a diferença de sete pontos entre eles?
Aécio teve uma superação espetacular na reta final, não previsível porque não capturada pelos institutos de pesquisa. O fato é que São Paulo foi responsável por este feito – 30% do total de votos que Aécio recebeu no primeiro turno vieram do Estado de São Paulo, 10 milhões de votos, mais que a soma dos votos obtidos por Skaf e Padilha (o segundo e terceiro lugares na disputa pelo governo paulista). Aécio teve quase o dobro de votos que Dilma e Marina, somadas, obtiveram naquele estado. Pesou muito, ainda, o desempenho do candidato tucano nos estados do Sul do país. Com este “sprint”Aécio entra no segundo turno em ascensão e Dilma em estabilidade. Torna-se o favorito no segundo turno.
Como explica a disputa com Aécio no segundo turno e a queda de Marina? A ascensão de Aécio foi uma surpresa?
A ascensão final de Aécio foi uma grande surpresa. Os tucanos paulistas fizeram corpo mole durante todo primeiro turno. Com a derrota em Minas Gerais, ficaram confortáveis para jogar todas suas fichas por lá. Elegeram quem quiseram. Elegeram Alckmin no primeiro turno, fizeram o senador e reduziram drasticamente a bancada do PT no Parlamento. A campanha de Aécio no segundo turno está nas mãos de Alckmin. Quanto à Marina, ela perdeu para si mesma. Não acreditou no seu discurso de que seria a nova política. Duas semanas depois de aparecer como candidata, caiu nos braços do grande empresariado e fez reverência a pastores evangélicos criticados publicamente, inclusive entre igrejas evangélicas. Enfim, traiu a base de seu eleitorado (metade dos indecisos, dos que diziam anular o voto ou votar em branco antes da sua entrada na disputa) que buscava uma terceira via.
Em que momento Marina passou a perder espaço na disputa para Aécio? Quais foram os erros de Marina?
Duas semanas depois de se lançar candidata à Presidência. Primeiro, apareceu ao lado de empresários de agronegócio (impensado para quem defende o desenvolvimento sustentável), de banqueiros e lideranças evangélicas muito agressivas e ultraconservadoras.
Depois, passou a adotar um movimento errático em muitos pontos programáticos. Finalmente, estas mudanças foram profundamente exploradas pelo PT e PSDB. Sem estrutura partidária, não resistiu aos ataques e não tinha como se defender.
Como avalia o discurso de uma nova política da campanha de Marina, e sua queda apesar desse discurso? O que isso revela sobre esses discursos e a política brasileira?
Primeiro, que há espaço para uma candidatura alternativa ao PT e PSDB. Segundo, que mesmo havendo espaço, ainda não surgiu uma liderança que convença este eleitorado desejoso da terceira via (30% do eleitorado). Terceiro, que este eleitorado não é homogêneo em suas convicções políticas e que vem oscilando entre o cinismo político (voto utilitarista, naquele candidato que lhe garante consumo familiar) e a negação do sistema político vigente (voto em outsider ou decidido em se abster, votar nulo ou em branco). Marina não conseguiu sustentar sua promessa de ser o novo. Rapidamente, ficou parecida com o que PT e PSDB já fazem, seja programaticamente, seja em termos de alianças. Se todos eram iguais, este eleitor decidiu cravar no que tem mais segurança.
Quais as razões de Dilma receber mais votos nos estados do Norte e Nordeste e menos no Sul e Centro-Oeste? Como interpreta os dados?
Os programas sociais. O Nordeste foi a região que recebeu mais recursos do Programa Bolsa Família e mais recursos do BNDES, que alavancaram a economia da região. A Fundação SEADE, da Secretaria Estadual de Planejamento de São Paulo, revela que o fluxo histórico migratório inverteu: mais nordestinos voltam para sua terra natal que os que afluem para a região Sudeste.
O que explica a eleição do PT em Minas Gerais e também a vitória de Dilma no estado de Aécio?
Principalmente a escolha de um péssimo candidato ao Governo do Estado. A imposição do nome de Pimenta da Veiga veio do PSDB paulista, o que dividiu os tucanos mineiros. O presidente estadual do PSDB-MG, o deputado Marcus Pestana, saiu atirando, dizendo que sua postulação tinha sido corroída pelos segmentos conservadores de seu partido.
Pestana, aliás, liberou suas bases para votar em Fernando Pimentel, candidato do PT. Outro forte postulante como candidato tucano ao governo estadual era o presidente da Assembleia Legislativa, Dinis Pinheiro (ex-PSDB e, hoje, PP). Não se viu, da mesma maneira, Dinis fazer campanha para Pimenta da Veiga. Enfim, o candidato tucano ao governo mineiro foi um lastro negativo para Aécio Neves. Há, ainda, méritos na candidatura petista: Pimentel é muito moderado, não utilizou as cores oficiais do PT na campanha, não reagiu aos ataques do candidato tucano e fez acordos que geraram um armistício interno histórico no PT mineiro. Era o candidato talhado para fazer a transição do PSDB para o PT.
O que explica a reeleição do PSDB em SP?
Trata-se de um poder real do PSDB. Não se explica a vitória incontestável dos tucanos paulistas por uma ou outra candidatura. O PSDB paulista é uma força real, que conseguiu criar forte identidade com o eleitorado, talvez o mais conservador do país, mais focado no sucesso individual e na lógica empresarial e mais refratário às propostas de promoção da igualdade social. O PSDB vai se tornando o partido mais identificado com os paulistas.
Vê alguma relação das eleições com as jornadas de junho de 2013?
Sim. O fantasma de junho de 2013 rondou todo o processo eleitoral e pode ser referência nos próximos anos. Ele não se expressou claramente nas candidaturas porque o sistema partidário brasileiro não representa as ruas, mas os acordos de cúpula. Mesmo assim, o amplo favoritismo de Dilma Rousseff, depois de reduzido com as manifestações de junho, nunca mais retornou aos patamares anteriores. A entrada de Marina revelou o quanto o eleitorado foi influenciado pelas manifestações (não exatamente composto por manifestantes, mas fortemente influenciado, como se os protestos revelassem a possibilidade real de mudança). Com a frustração das promessas de Marina, este eleitorado descontente retornou à postura cínica (voto pragmático, sem empatia) anterior às manifestações. Este é o pêndulo deste eleitorado frustrado e descontente: entre o cinismo e a manifestação de recusa do status quo político institucional. Temos que registrar que 19% do eleitorado se abstiveram e 9% anularam ou votaram em branco. Em 1994 a soma de abstenção com brancos e nulos no primeiro turno ficou em 32%, em 1998 subiu para 36%, em 2002 caiu para 25%, passando para 24% em 2006 e os cerca de 27% de 2010. Embora de forma ainda tímida, os descontentes aumentam continuamente desde 2010.
Considerando os resultados preliminares das eleições presidenciais, já é possível identificar quem são os ganhadores e perdedores?
O PSDB, em função do prognóstico de todos institutos de pesquisas, foi a surpresa deste primeiro turno, em especial, em função de seu desempenho no Centro-Sul do país. O PT se firmou – mas já era esperado – nas regiões Norte e Nordeste do país e parte do Centro-Oeste. O PSB diminuiu de tamanho. Enfim, a polarização clássica do sistema eleitoral no período pós-ditadura retornou com força neste primeiro turno, dividindo o país, inclusive em termos regionais. O país está dividido.
O que é possível esperar para o segundo turno? Arrisca para que lado Marina e o PSB irão pender?
Segundo o Datafolha (mas é preciso, a partir de agora, ponderar sobre estes dados em função da grande volatilidade do eleitorado nesta eleição), 50% do eleitorado de Marina votará em Aécio Neves e 20% em Dilma Rousseff. Se Dilma ficasse estacionada nos 41%, Aécio necessitaria de 30% dos votos de Marina. Contudo, é provável que Dilma absorva votos do eleitorado de Luciana Genro e Eduardo Jorge. Também parece mais provável que o eleitor pernambucano e fluminense seja mais favorável à reeleição de Dilma Rousseff que a Aécio Neves (bastando verificar como houve rejeição ao candidato tucano no primeiro turno). Aécio tem, contudo, possibilidade de reforçar o voto no Centro-Sul, declaradamente antipetista, não dependendo dos votos cravados em Marina no primeiro turno. O discurso de campanha neste segundo turno será o discurso anti-PT de Aécio (destacando a corrupção e aparelhamento do Estado) contra o discurso de promoção social e ataque ao elitismo tucano de Dilma Rousseff.

ordeste.
***
***
***


O silêncio de Aécio nos ataques ao nordeste.

nordeste

Desde a apuração dos votos no domingo, a internet foi inundada por uma série interminável de posts preconceituosos em relação aos nordestinos pela votação maciça obtida na região por Dilma.
O sentimento xenofóbico de parte da população do Sul e Sudeste contra os nordestinos não é nenhuma novidade. Tanto que há poucas semanas a nova Miss Brasil também foi xingada nas redes sociais pelo simples fato de ser cearense.
O fato novo é que desta vez a discriminação vem associada a um movimento político de claro apoio ao candidato do PSDB, Aécio Neves, e que foi potencializada pela fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que desqualificou o voto dado em Dilma como tendo vindo de uma parcela ignorante da sociedade.
Ainda assim, passados três dias do recrudescimento da demofobia do Sul maravilha, Aécio não fez um mísero pronunciamento repudiando o preconceito contra cidadãos dos quais ele pretende ser o líder daqui a menos de três meses.
O acirramento dos ânimos, natural tendo em vista a quarta disputa consecutiva em segundo turno entre petistas e tucanos, não pode ser o sinal verde para atitudes tão vis. Na França, por exemplo, a demora do Partido Socialista em rebater o ultranacionalismo racista de Jean-Marie Le Pen fez crescer o ódio aos imigrantes.
Ao não se posicionar claramente contra o preconceito antinordestino, Aécio abre espaço para que este pensamento ganhe força e coloca em risco, ao fim e ao cabo, nossa democracia, ainda tão jovem e conquistada a duras penas por mulheres e homens de todos os cantos do país.
Mais: ao calar, o senador, como diria o ditado, parece consentir com o ódio aos nordestinos. Pode-se inferir que o tucano, ciente de que não vai obter melhora significativa de sua votação nos estados da região, quer mais é alimentar o exacerbamento do antipetismo entre o eleitorado das metrópoles do Sul-Sudeste visando a conseguir vantagem sobre Dilma em colégios eleitorais de peso como São Paulo e Rio de Janeiro para aplacar a grande derrota que a presidenta deve lhe impor no restante do país. Aécio vai sujar as mãos desta maneira em troca de uma eleição?
Se a fala de Levy Fidelix incitando a perseguição de homossexuais no debate da Record foi um choque para os brasileiros, o silêncio de Aécio sobre os ataques sofridos pelos nordestinos tem potencial para nos envergonhar muito mais.


+++
+++
+++


¨Dudu, decepção com você": a reação das redes sociais à decisão de Eduardo Jorge de aderir a Aécio. 


Não apoiado
Não apoiado

Num debate eleitoral, alguém comparou Luciana Genro a Eduardo Jorge. Ela recusou prontamente a comparação. Lembrou que Eduardo Jorge foi secretário de Kassab e de Serra.
Isso não tirou a aura romântica de Eduardo Jorge. Ele virou um dos campeões de jovens idealistas, ao defender causas como a legalização do aborto. Vários destes jovens disseram que o segundo turno perfeito deveria reunir Luciana Genro e Eduardo Jorge.
Dado tudo isso, não chega a ser surpresa a decepção irada com que muitos simpatizantes de Eduardo Jorge receberam a notícia de que ele decidiu apoiar Aécio Neves no segundo turno.
Nas redes sociais, você pode ler manifestações como estas sob a nota em que foi anunciada a opção:
1) “Vou entender que errei ao não ter votado em Luciana Genro.”
2) “Poxa, PV, vocês estão sendo a favor do mesmo cara que o Silas Malafaia apóia! Como pode isso? Um cara fundamentalista e outro progressista apoiarem a mesma pessoa? Makes no sense.”
3) “Eduardo Jorge, respeite seu eleitor. Aécio Neves é o pior lixo que podemos ter para o país.”
4) “Apoiar Aecio é ser a favor da liquidação que o FHC fez no Brasil, vendeu a preço de banana as estatais. Vamos retroceder muito!!! Vamos ficar neutros, será menor o prejuizo político.”
5) “Poxa, PV, vocês estão sendo a favor do mesmo cara que o Silas Malafaia apóia! Como pode isso? Um cara fundamentalista e outro progressista apoiarem a mesma pessoa? Makes no sense.”
6) “Já estão dizendo que ele apoia o PSDB. Dudu, decepção com vc. Seria melhor não apoiar ninguém do que alguém contra seus valores. Perdeu minha admiração.”
7) “Profundamente desapontada se confirmarem apoio ao Aécio. Não só desapontada como extremamente arrependida de ter votado no Eduardo Jorge no primeiro turno. A Luciana Genro e o PSOL foram muito mais dignos!”
8) “… o PV apodreceu!!!”
9) “Por favor, cancele meu pedido de me filiar a esse partido nojento. Decepção.”
10) “Carimbando sua condição de nanico e satélite. Parabéns pela escolha, seguindo Malafaia, Everaldo e Fidelix.”
11) “Nojo do PV! Que decepção! Bem que me avisaram…enganadores de m!!!!”
12) “Quem apoia o PSDB apoia o aeroporto de 14 milhões na fazenda do tio (…), apoia um candidato que se chapa e que é detido numa blitz. Então eu digo: é uma vergonha (…).”
13) “Perdeu minha admiração.”
14) “Você foi a decepção do ano.”
Havia, é claro, declarações de apoio à escolha, mas eram francamente minoritárias. O fato: acabou a lua de mel entre Eduardo Jorge e os militantes das redes sociais.
Ele não fazia ideia do desgaste que acarretaria aliar-se a Aécio para a juventude que sonha com uma sociedade mais justa?
Por incrível que pareça, aparentemente, não.
E assim cometeu o que tem tudo para ser um suicídio político. Ou, na expressão de meu saudoso amigo Mário Watanabe, uma precoce autoimolação.
Sua explicação, na nota, foi patética. Disse que o PT é marxista, e reafirmou a vocação “antitotalitária” do PV. Conseguiu definir o PSDB como um partido de esquerda, como costumam dizer os seguidores de Olavo de Carvalho. Parecia com a cabeça posta na Guerra Fria.
Marina, agora, tem uma eventual vantagem sobre EJ. Se sua equipe ler, com carinho, a resposta das redes sociais à decisão do PV, poderá refletir sobre os danos que a mesma atitude traria para ela.
Escrevi que Luciana Genro foi a grande revelação da campanha de 2014. Ela acertou em quase tudo – incluído aí o perfil vacilante de Eduardo Jorge, que representa o atraso disfarçado de novidade.
*

Nenhum comentário: