domingo, 26 de outubro de 2014

Quando o arcaísmo se apresenta como novidade: a história de Aécio.

Pai e filho: desde cedo empregos públicos
Pai e filho: desde cedo empregos públicos.


O segundo turno das eleições presidenciais chega aos seus momentos finais com os ânimos acirrados. A sociedade está dividida entre o projeto do PT e o do PSDB. O PT está há 12 anos no poder e, mais uma vez, os tucanos se colocam como alternativa, como a possibilidade de “mudança”. O lulopetismo em sua versão com Dilma já é conhecido e é dele que Aécio quer afastar o Brasil, para “mudar”. Mas que mudança é essa proposta pelo tucano? Qual é a substância política de transformação de Aécio Neves?
Para responder, é preciso ouvir o que ele diz sobre política econômica e os rumos da cidadania e dos serviços públicos no país. Nas entrevistas durante a campanha, Aécio repetiu a receita macroeconômica dos oito anos de governo FHC: prioridade total na economia para o controle da inflação, corte de investimentos do poder público, redução dos concursos públicos e “austeridade” (o que quer dizer, arrocho).
Ou seja, Aécio não surpreende e propõe o que já se esperava dele: uma política que acredita na redução da ação do Estado na sua capacidade de produzir desenvolvimento e cidadania. Para ele, é o mercado, e não o Estado, o agente fundamental do desenvolvimento, e é a eficiência, e não a cidadania, o objetivo final desse agente. Nesse sentido, o projeto aecista é o já velho neoliberalismo e cheira ainda mais a anos 90 quando ele diz que Armínio Fraga seria seu ministro da economia num eventual governo.
No fundo, o que está em jogo neste caso é a dificuldade que os liberais tucanos demonstram de renovar seu projeto político depois de seguidas derrotas em eleições nacionais e, acima de tudo, após o colapso em 2008, no centro do mundo capitalista, de países europeus adeptos deste mesmo modelo.
Neste importante episódio histórico ficou mais do que claro que o mercado completamente desregulado gera concentração de riqueza, deterioração dos serviços públicos, redução de salários, desemprego e crise.
Mais ainda, foi exatamente por conta destas consequências do modelo liberal que os tucanos perderam o poder em 2002 e viram a América Latina experimentar a emergência de uma onda contra hegemônica no início do século XXI. Mas, curiosamente, esse modelo é o pilar do “novo Estado brasileiro” que Aécio diz ter para o país.
Por ser velha e estar repleta de “medidas impopulares”, essa agenda não pode ser explicitada claramente no debate eleitoral. Assim, quando solicitado a falar sobre suas propostas concretas em economia, Aécio apresentou platitudes: “Tomarei as medidas necessárias para o país voltar a crescer”.
Pois bem, e que medidas são essas? E ele responde: “São as medidas que o governo precisa tomar para alavancar a economia e fazer o país voltar a crescer”. Aqui, Aécio revela sua falta de consistência para debater os assuntos nacionais em profundidade. Neste momento, José Serra ri, e mesmo os jornalistas mais simpáticos ao tucanato ficam inquietos nas sabatinas midiáticas. Há até um certo constrangimento com a superficialidade do candidato. Aqui, Aécio é mal preparado.
Se na política econômica o PSDB mantém sua adesão ao projeto liberal, do ponto de vista dos costumes Aécio, que tem vida social noturna ativa, mora em Ipanema e se diz um sujeito “de bem com a vida”, não é um liberal. O tucano é contra a descriminalização da maconha e encampa a política de drogas proibicionista, também dos anos 90 – essa que até Luciano Huck, amigo do candidato, sabe que não funcionou na tentativa de eliminar o tráfico.
Nesse ponto, Aécio é regressivo e quer reforçar as penas para traficantes. Na verdade, o tucano de Minas pertence a uma linhagem clássica de políticos brasileiros de direita: aqueles que são liberais e privatistas na economia, mas são conservadores nas questões das liberdades individuais.
Desta forma, o que está acontecendo é que o neto de Tancredo Neves está reapresentando ao país a mesma agenda tucana de centro-direita de eleições passadas. Há muito pouco de novo nisso. Mas há, no entanto, uma diferença entre Aécio e todas as lideranças nacionais tucanas e mesmo as não tucanas que disputaram efetivamente a presidência desde a redemocratização.
Tanto FHC e Serra, como Lula, Dilma e Marina são quadros forjados no processo de modernização da sociedade brasileira. São figuras políticas oriundas da luta contra a ditadura, da batalha pelo restabelecimento da democracia representativa no país e do movimento social nascido nos anos 70 e 80 após um surto de desenvolvimento econômico.
São algo que poderíamos chamar de lideranças “sociológicas”, urbanas e ligadas ao Brasil contemporâneo. Já Aécio Neves remete ao passado político do pais, já que é de uma família tradicional de políticos profissionais do interior de Minas Gerais. O avô, do PSD, foi presidente eleito e governador e o pai, deputado federal do partido da ditadura.
O primo foi ministro da Economia e todos sempre arranjaram empregos para Aécio dentro da máquina pública. Nesse sentido, o tucano é uma caricatura do político brasileiro conservador do século XX: esteve sempre alojado no aparelho do Estado por conta do poder da família, teve cargos públicos por indicação, recebeu concessões de rádio do presidente e pertence a uma dinastia proprietária rural que controla politicamente diversos territórios há décadas no segundo maior colégio eleitoral do país.
Aqui, o jovem Aécio é um retrato novo do que há de mais arcaico e fisiológico na política brasileira. Nesse sentido, a equivalência possível na história das disputas presidenciais é com Fernando Collor. Por detrás da imagem marquetada de novidade, o atraso.
Talvez por isso, por representar tamanho atraso político sob uma publicidade ilusória de “mudança”, a presença de Aécio na disputa esteja despertando um dos traços mais retrógrados da cultura política brasileira: o ódio de classe, aquele que – numa sociedade de base escravista – não pode tolerar programas sociais que reduzem a miséria. E que acredita que os problemas do país estão relacionados ao fato dos mais pobres receberem algum tipo de proteção social.
Nesse sentido, não há nada de novo no front. As forças do atraso estão a pleno vapor na candidatura aecista e têm como propósito frear o lento processo de nascimento do novo: um Estado de bem-estar brasileiro.

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O documentário ¨Helicoca¨volta ao YouTube - e estamos mais perto de descobrir quem pediu a censura.

scalvini

A censura ao nosso documentário “Helicoca – O Helicóptero de 50 milhões de reais”, retirado arbitrariamente do YouTube, repercutiu no site americano Global Voices Advocacy, mantido por organizações dedicadas a proteger a liberdade de expressão e o “acesso à informação online”.
A matéria cita também o caso da jornalista Ana Paula Freitas, que teve um vídeo removido por causa de uma reclamação de direitos autorais por um certo George Scalvini. As imagens mostravam uma cena do reality show “A Fazenda” em que uma mulher bêbada tenta convencer a amiga a sair da piscina, onde nada pelada. O título é “Quando eu descubro que meus amigos vão votar no Aécio Neves”.
A suspeita de envolvimento de Aécio nos dois episódios se deve, segundo a reportagem, “às várias tentativas de calar as críticas” pelas quais ele é conhecido.
O George Scalvini de Ana Paula é primo do nosso Jorge Scalvini. Em comum, o fato de que nenhum deles existe. São perfis fakes. Alguém entra com um nome falso, o Google acata a denúncia (chama-se “notice and takedown”) e cabe à vítima provar sua inocência.
A intenção das pessoas que estão por trás dessas manobras é não deixar rastros. Só que deixam e nós estamos chegando perto delas.
O YouTube acatou nossa defesa e liberou o “Helicoca” depois de duas semanas. Um email assinado pelo departamento jurídico avisa o seguinte: “Nós determinamos que o pedido de retirada de direitos autorais que recebemos para essas URLs era inválido.”
Ali está a profissão alegada de Scalvini: “cinegrafista”. A violação de copyright: “meus trabalhos de arte”. Trecho violado do conteúdo: “vídeo inteiro”.
O farsante teve de garantir: “Eu atesto em boa fé que: eu sou o dono, ou um agente autorizado em nome do proprietário de um direito exclusivo que supostamente está sendo infringido. Eu tenho crença de boa fé que o uso do material da forma reclamada não está autorizado pelo proprietário dos direitos autorais, seu agente ou pela lei. Esta notificação é exata.
Reconheço que pode haver consequências legais adversas para fazer alegações falsas ou de má-fé de violação de direitos autorais usando este processo. Eu entendo que o abuso deste instrumento resultará no cancelamento de minha conta do YouTube.
Assinatura Autorizada: Jorge Scalvini”,
O endereço que deu é Av. Pres. Vargas, 132, em Belém. O telefone é 91 4009-2501. O número não atende. O local indicado é o de um hotel. Ligamos para lá e, claro, ninguém nunca ouviu falar de Jorge Scalvini.
O escritório de advocacia que nos representa está pedindo ao Google o IP de onde partiu a reivindicação mentirosa de direitos autorais. Esse estelionato teve o mérito de tornar conhecidos os meios pelos quais o pessoal opera. Acabou também fazendo com que várias cópias do “Helicoca” fossem produzidas e inundassem a rede.
E agora o original voltou a voar por aí. Está com 159 mil visualizações. Assista comigo no replay:

Helicoca - O helicóptero de 50 milhões de reais.


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Neymar declara apoio a Aécio.








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Uma discussão estritamente jornalística sobre o caso Veja.


Protesto contra a Veja
Protesto contra a Veja

Vou falar estritamente sobre a técnica jornalística utilizada pela Veja na última edição.
Percebi que é necessário, uma vez que mesmo jornalistas experientes como Ricardo Noblat não compreendem exatamente onde está o problema.
Citei Noblat porque, em sua conta no Twitter, além de em determinada altura do debate de ontem ele informar seus seguidores de que a bateria do celular acabara, ele fez a seguinte indagação.
“Que prova Dilma quer da reportagem da Veja?  Uma gravação? Diria que é falsa. Uma entrevista do doleiro preso?”
Uma das missões do jornalismo é jogar luzes sobre sombras. Noblat jogou ainda mais sombras sobre as sombras já existentes.
Prova é prova. Prova são evidências consideradas irrefutáveis pela Justiça depois de um processo em que as partes defendem sua posição.
Prova não é a palavra de ninguém – gravada, escrita ou dita em público. Porque o ser humano pode dizer qualquer coisa que imagine que vá beneficiá-lo ou prejudicar um opositor.
Imagine que alguém queira destruir moralmente você. Ele afirma que você é pedófilo, por exemplo. Grava um vídeo e coloca no YouTube.
O fato de ele haver falado que você é pedófilo não prova nada, evidentemente. Você o processa. A Justiça vai pedir provas. Se o difamador não as tiver, estará diante de uma encrenca considerável.
O raciocínio acima não vale, infelizmente, para o jornalismo, dada a influência que as empresas de mídia exercem sobre a Justiça no Brasil.
Mas vale em sociedades mais avançadas. O caso clássico, neste capítulo, é o de Paulo Francis.
Acusou diretores da Petrobras de terem contas no exterior. Como as acusações foram feitas em solo americano, no programa Manhattan Connection, os acusados puderam processá-lo nos Estados Unidos.
A Justiça americana pediu provas a Francis. Ele nada tinha. Na iminência de uma indenização à altura das calúnias, Francis se atormentou e morreu do coração.
Na Justiça brasileira, ele certamente se sairia facilmente de um processo. E ainda seria glorificado como mártir da liberdade da expressão.
Ainda que, para voltar à frase de Noblat, uma fita fosse apresentada, isto não valeria rigorosamente nada. De novo: nada.
Imagine, apenas a título de exercício mental, que alguém tivesse prometido ao doleiro preso vantagens no caso de uma vitória de Aécio: dinheiro, pena branda, cobertura discreta em jornais, revistas, telejornais.
Imagine, além disso, que o doleiro de fato acreditasse que uma simples declaração sua daria a presidência a Aécio.
Ele falaria o que quisessem que ele falasse, naturalmente.
No Brasil, situações como a que descrevi podem acontecer.
Nos Estados Unidos, e volto a Paulo Francis, não. Sem provas, não apenas o acusador estaria frito. Também jornais e revistas que reproduzissem suas acusações enfrentariam problemas colossais.
A sociedade tem que ser protegida.
Em meus dias de Abril, meus amigos se lembram, sempre disse que seria simplesmente inimaginável um jornal publicar – sem provas – uma entrevista em que um irmão do presidente fizesse acusações destruidoras.
Esse irmão poderia estar mentindo, por ódio ou motivações pecuniárias. Inventando coisas. Aumentando outras.
Onde muitas pessoas viram um triunfo da Veja, enxerguei desde o princípio uma demonstração da miséria do jornalismo nacional. E da Justiça, porque se ela agisse como deveria ninguém destruiria a reputação de ninguém sem provas.
Tantos anos depois deste caso a que me refiro, nem o jornalismo brasileiro e nem a Justiça evoluíram.
As trapaças estão até nos detalhes. O jornalismo digno manda que você tome cuidados básicos ao publicar acusações. O acusador disse isso ou aquilo. Afirmou. Para manipular leitores, a Veja utiliza outro verbo: revelou. É, jornalisticamente, uma canalhice e um crime.
A Veja sabe que pode publicar o que bem entender porque a Justiça não vai cobrar provas. Como opera em solo brasileiro, e não americano, ainda poderá se declarar mártir da liberdade da expressão, caso seja mesmo processada por Dilma.
Era o que aconteceria com Paulo Francis se não tivesse sido julgado pelas leis americanas.
Nos Estados Unidos, de onde emigrou há 60 anos a então modesta família Civita para fazer fama e fortuna no Brasil, a Veja estaria morta há muito tempo com o tipo de jornalismo que faz.

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