quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Comissão da Verdade pede punição para 100 criminosos da ditadura.

Pedro Dallari (Foto: José Cruz/ABr)
Responsabilização criminal e punição pelas violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Esta recomendação  constará do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e atinge uma centena de ex-agentes civis e militares da repressão, ainda vivos, que cometeram crimes e participaram de forma direta das barbaridades cometidas pelo regime militar por 21 anos em nosso país.
O relatório será entregue no próximo dia 10 à presidenta Dilma e segundo Pedro Dallari, coordenador da CNV, será um documento “impactante”. Ele trará, em detalhes, os crimes e o funcionamento da estrutura de repressão, tortura, prática de crimes e extermínio montada pelos militares e que se manteve no Brasil entre 1964 e 1985.
Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, Dallari acrescentou que a partir dos relatos de torturas apurados pela Comissão, o relatório detalha “estupros, uso de animais em tortura, um quadro de horrores”. Com as informações do documento, previu o coordenador da CNV, “vai se instaurar uma situação muito constrangedora no país”.
“A sociedade vai se virar para as Forças Armadas (FFAA), para a presidente da República, para o governo, esperando uma atitude. E o que é pior, como esses atuais comandantes (das FFAA) vão deixar seus postos, eles deixarão uma bomba armada para seus sucessores, que terão que lidar então com esse quadro muito difícil de administrar”, prevê Dallari.
3 anos de investigações.
Neste entrevista ao UOL, Dallari deu detalhes do relatório, resultado de três anos de investigações, visitas de reconhecimento dos centros de tortura, análise e coleta de documentos e, sobretudo, de depoimentos das vítimas e seus familiares. A CNV também ouviu os torturadores e criminosos do período, mas a quase totalidade deles não respondeu a perguntas e manteve-se em silêncio. Lamentavelmente, eles permanecem acobertados até hoje pela Lei de Anistia recíproca e, também, pelo comportamento vergonhoso das nossas FFAA que em nada contribuíram com os trabalhos da Comissão.
 ”Vamos indicar a necessidade da responsabilização”, prossegue Dallari. “Como isto vai ser feito, se vai ser  afastando-se a aplicação da Lei de Anistia, reinterpretando-a, modificando a lei, isto é algo que caberá ao Ministério Público (MP), ao Poder Judiciário e ao Legislativo”, acentuou. Ele lembrou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que se negou a revogar ou revisar a Lei em 2010, que o relatório da Comissão levará a uma interpretação da Lei da Anistia por parte da Corte Suprema a partir de “casos concretos, com vítimas e autores concretos”. 
Dallari pondera que há desdobramentos à frente, porque “a identificação dos autores não significa acusação de que eles sejam responsáveis, porque isso depende do devido processo legal”. Mas garante que os relatos serão todos detalhados e aponta que “à luz do direito internacional, dos direitos humanos, essas graves violações são crimes contra a humanidade e (para eles) não há anistia”.
Sobre a postura das Forças Armadas ao longo de todo esse período e sua completa falta de cooperação, Dallari lembra fato ocorrido 6ª pp, quando o MP descobriu que um hospital do Exército, no Rio (Hospital Central do Exército – HCE) não só ocultou documentos da época da ditadura, como passou a investigar os integrantes da CNV. “Essa situação é muito grave e deve ser apurada. Ou essa ocultação de documentos obedeceu a ordens superiores – o que eu realmente não creio – ou houve quebra de hierarquia e desobediência ao que seria uma orientação do (comandante do Exército), general Enzo Peri”.
Forças Armadas: completa falta de colaboração com a CNV.
“Se o Ministério da Defesa e o comandante do Exército, diante desse quadro muito grave, não tomarem providência, isto será visto mais do que como inação, como cumplicidade. Não há razão para as FFAA, na sua atual composição, se acumpliciarem com condutas que não praticaram” – concluiu Dallari.
O fato é que as FFAAs fugiram da verdade, da responsabilidade que têm com o país, da oportunidade de assinarem uma nova página na História do Brasil e sobre elas próprias. Perderam a oportunidade de pedir desculpas à nação por terem desfechado um golpe, rasgado a Constituição, rompido a legalidade e sustentado uma nefasta ditadura por 21 anos.
Vamos ver, agora, à luz dos novos fatos, como o STF (hoje com uma nova composição, renovada em mais de 50% em relação àquela que manteve a Lei em 2010) vai se posicionar sobre a revisão da Lei da Anistia. Bem como se posicionarão ante as conclusões do relatório e a possibilidade de revogar a Lei também o Congresso Nacional, o MP e o Poder Judiciário como um todo.
Cliquem aqui e confiram a íntegra da entrevista.

Na mídia nesta 4ª feira, nos jornalões inclusive, há duas excelentes entrevistas, imperdíveis, sobre o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) a ser entregue no próximo dia 10 à presidenta Dilma Rousseff. Uma é a do coordenador da CNV, Pedro Dallari, que publicamos hoje no Destaque do dia (leia mais). A outra, do ex-ministro da Justiça, agora integrante da comissão, José Carlos Dias, concedida ao Estadão.
Além da recomendação da responsabilização criminal e punição dos agentes públicos criminosos (cerca de 100, civis e militares ainda vivos) que cometeram ações de lesa humanidade, consideradas imprescritíveis pelos tribunais internacionais e que constará do relatório, o jurista José Carlos Dias antecipa que no documento a CNV ai propor, também, “mudanças no sistema penitenciário, a desmilitarização das PMs, unificação das polícias (civis e militares) e a extinção da Justiça Militar nos Estados”.
O relatório final, resultado dos 3 anos de trabalho da comissão, vai propor, também, audiência prévia do preso – “ele deve ser levado ao juiz logo após a prisão”, explica Dias. Na entrevista ao Estadão ele fala, ainda, sobre a proposta de criação de uma entidade, vinculada ao governo, que dê continuidade ao trabalho da CNV, debruçando-see sobre o que a Comissão Nacional “não teve tempo de fazer”.
Assim como Dallari, Dias reforça a necessidade da responsabilização criminal e punição dos 100 agentes que estarão relacionados no relatório e dos demais que forem descobertos porque, segundo ele, a anistia não pode ser recíproca, como ainda determina a Lei. “A inclusão desse caráter de reciprocidade estendendo o benefício também aos criminosos na ditadura, lembra ele, ocorreu num determinado momento político em que não tínhamos outra saída”.
Agora é hora de dizer não.
“Eu refleti demais sobre isso. Embora juridicamente possa aceitar como acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF, que validou a Lei em 2010) sobre a anistia aos agentes públicos, acho que não é a melhor interpretação. Devemos reconhecer que os crimes contra a humanidade, como a execução sumária, a tortura, o desaparecimento forçado, não são suscetíveis de anistia. São crimes imprescritíveis”, afirma Dias.
“Agora, porém, é hora de dizer não. É hora de afirmar que a tortura cometida pelos agentes de Estado não é um crime político, passível de ser anistiado. A anistia foi para beneficiar autores de crimes políticos. Os torturadores não praticaram crimes políticos”, complementa.
Sobre a postura das Forças Armadas, o ex-ministro lamenta que durante os três anos de investigação da Comissão, os militares não tenham reconhecido – “como deveriam ter feito, que houve graves violações de direitos humanos dentro de instalações das Forças Armadas (FFAA)”. Dias chegou, inclusive, a sugerir à presidenta Dilma que ela determinasse “aos três comandantes das três Armas (Exército, Marinha e Aeronáutica) que reconheçam as graves violações de direitos humanos que ocorreram em seus quartéis”.
Coronel, o senhor não precisa segurar esse rojão.
“Os militares têm o dever de reconhecer, também, até mesmo para a salvaguarda da honra de suas instituições (…). Devem reconhecer que seus antecessores cometeram graves violações de direitos humanos e dizer que não concordam com isso”, complementa.
Dias, que durante os 21 anos de ditadura, foi preso três vezes – preso político – conta, nesta entrevista ao Estadão, o que disse a um oficial durante a visita da Comissão à Base Aérea do Galeão. Segundo ele, o que mais chamou sua atenção foi o constrangimento expresso por boa parte dos oficiais enquanto ouviam os relatos de ex-presos políticos que acompanhavam aquela visita.
Ao oficial, Dias aconselhou: “Coronel, o senhor não precisa segurar esse rojão. Nós temos que estar juntos para defender o nome das Forças Armadas. Vocês não podem ser responsabilizados por aquilo que os seus antecessores fizeram. Nós todos temos o dever de reconhecer o que se fez de errado nesse País, para que não aconteça mais”.
Cliquem aqui e leiam a entrevista de José Carlos Dias.
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