Após a crise, universidade foi obrigada a divulgar os salários dos professores; para sindicalistas, obras desnecessárias levaram a universidade ao atual colapso financeiro.
Lido na Revista Fórum
A Universidade de São Paulo (USP) foi obrigada, a partir de uma ação do Tribunal de Justiça, a divulgar os salários de professores e alunos. A ação do Tribunal, argumentou que “ocultar os ganhos de seus profissionais viola os princípios de transparência e publicidade previstos na Constituição”.
O jornal Folha de S.Paulo organizou uma ferramenta de busca que permite localizar o professor desejado e verificar quanto recebe. Entre eles, há nomes bem conhecidos, como Boris Fausto, historiador e cientista político, que recebe da universidade R$45 mil. Na lista, também configura o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com salário de R$22 mil. Outro nome popular, pelo menos da área econômica, é o Antônio Delfim Neto, com vencimentos de R$28.260,00.
Desde que se tornou público que as contas da Universidade de São Paulo iam fechar no vermelho o ano de 2014, vários motivos foram levantados: a gestão do reitor João Grandino Rodas (2010-2014), que foi escolhido pelo então governador de São Paulo José Serra (PSDB), é acusada de ter investido em obras faraônicas consideradas “desnecessárias” que levaram a universidade paulista ao colapso financeiro em que se encontra.
O novo reitor, Marco Antônio Zago, que tomou posse este ano, já reconheceu a crise e, para combate-la, como temiam os funcionários da USP, anunciou congelamento de salários e um plano de demissão voluntária de três mil funcionários. A verba para pesquisa também foi cortada em 30%.
Aqui você pode conferir um cronograma histórico da pior crise enfrentada pela Universidade de São Paulo.
A CRONOLOGIA DO COLAPSO DA USP.
Como o ex-reitor João Grandino Rodas, indicado pelo então governador José Serra, arruinou as contas da Universidade de São Paulo, que perdeu o posto de melhor universidade da América Latina e vive às voltas com uma greve que já dura três meses.
Por Igor Carvalho
Em 2014, a Universidade de São Paulo (USP) enfrenta aquela que pode ser considerada a maior crise financeira de sua história. O atual momento decorre de diversos erros cometidos por gestões anteriores, mas guarda relação íntima com o período em que o ex-reitor João Grandino Rodas (2010-2013), indicado por José Serra mesmo tendo sido derrotado no processo de escolha interna, esteve à frente da universidade.
Para tentar conter a crise, a USP anunciou o congelamento dos salários de professores e funcionários em maio deste ano. Como resposta, os servidores, docentes e alunos entraram em uma greve que já dura três meses. Se a USP mantiver o ritmo de gastos da administração anterior, de acordo com a atual reitoria, esgotaria sua reserva de caixa – que já foi de R$ 3,5 bilhões antes do início da gestão Rodas – em um ano e meio. O pagamento de servidores e professores alcança, hoje, 105% do orçamento da USP.
José Serra foi responsável pela nomeação de João Grandino Rodas (Foto: Governo de São Paulo)
A gênese de uma crise.
Em seu discurso, quando assumiu a reitoria da Universidade de São Paulo (USP) no dia 25 de janeiro de 2010, João Grandino Rodas mostrou que conhecia os problemas apontados pela comunidade universitária. Mencionou à época a participação política da comunidade universitária e a violência policial entre seus temas prioritários.
“Grandes problemas da universidade, muitas vezes, considerados tabus, serão colocados em discussão: desde a questão da abertura do Conselho Universitário para que a representação seja mais ampla, até o maior diálogo que possibilite sair do círculo vicioso que, muitas vezes, a universidade se encontra”, afirmou durante cerimônia luxuosa realizada na Sala São Paulo.
Em outro momento, Rodas criticou a violência policial que marcou a gestão de sua antecessora, Suely Vilela, de acordo com ele utilizada “de maneira corriqueira”, prometendo que providências seriam tomadas e o “diálogo aberto” seria frequente na universidade.
Rodas não parecia, desde o princípio, a pessoa mais indicada para refletir sobre violência policial. Quando era diretor da Faculdade de Direito requisitou, pela primeira vez na história, a presença da Polícia Militar no Largo São Francisco em agosto de 2007, para expulsar manifestantes que integravam a Jornada em Defesa da Educação.
Enquanto discursava, do lado de fora da Sala São Paulo estudantes gritavam contra sua nomeação. Isso porque a indicação do ex-diretor da Faculdade de Direito foi tida por muitos como mais uma ingerência autoritária dos governos tucanos na USP. Em 2009, Rodas foi o segundo mais votado em uma lista tríplice apresentada ao então governador José Serra (PSDB). Para surpresa de toda a comunidade acadêmica, o tucano indicou seu amigo João Grandino Rodas como reitor, apesar da derrota nas urnas. Somente em 1969, durante a gestão do governador biônico Paulo Maluf, o reitor escolhido havia perdido o pleito e sido imposto à universidade.
Política salarial.
Com pouco mais de quatro meses à frente da USP, João Grandino Rodas já dava o tom do que seria sua gestão, com medidas autoritárias e tentativa de desmobilizar os trabalhadores. Em maio, unilateralmente, Rodas decidiu promover a quebra da isonomia salarial entre professores e funcionários, algo inédito. Docentes receberam um reajuste salarial de 6%, mas o mesmo não ocorreu com os demais servidores, que decidiram parar pela primeira vez.
Ao perceber a articulação dos trabalhadores, Rodas mudou de atitude e passou a investir em salários e contratações. Na greve de 2010, por exemplo, o reitor ofereceu reajuste de 17,50% no Auxílio Alimentação, superior ao índice do Dieese que era de 15,85%, referente à cesta-básica em São Paulo. À época, em entrevista ao Jornal do Campus, da USP, Magno Carvalho, liderança do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), não via com bons olhos a atitude da Reitoria. “O reitor está subestimando o movimento e tentando comprar a nossa greve”. Ainda hoje, a medida é criticada pela categoria.
“O Rodas durante toda sua gestão tentou sequestrar nossas convicções com aumentos e bonificações que não eram negociados conosco e, por isso, nunca atingiam nossas expectativas”, afirma Anibal Cavali, diretor do Sintusp. No final de 2011, ano sem greve na universidade, Rodas anunciou um prêmio de R$ 3,5 mil para funcionários e professores. Segundo a Reitoria, a compensação financeira se referia a um avanço da USP em rankings internacionais.
A reação dos sindicatos foi imediata. O Sintusp soltou uma nota criticando a medida e lembrando que em outros anos que a universidade cresceu em rankings não houve premiação. Já a Associação dos Docentes da USP (Adusp) afirmou que a medida vinha em um momento de desgaste da imagem do reitor. “Será que a grande diferença se deve à avaliação da Reitoria quanto ao ‘bom comportamento’ de docentes e funcionários que, no corrente ano, não lançaram mão do direito de greve?”, questionou a entidade.
Dados da Vice-Reitoria Executiva de Administração mostram que quando Rodas assumiu a Reitoria, em 2010, a USP gastava 79,3% do seu orçamento com folha de pagamento. Esse índice cresceu todos os anos da sua gestão. Em 2011, subiu para 82,3%; em 2012, o maior avanço, um salto para 95,6%; no ano de 2013, chega aos 99,9%. Em julho de 2014, a USP anunciou que estava gastando 105,02% do seu orçamento com funcionários e professores. A crise, prevista em janeiro de 2013 pela própria universidade, se tornou real.
Durante os quatro anos em que administrou a universidade, Rodas contratou aproximadamente três mil novos funcionários e 400 professores, segundo a USP. Somente em bonificações, a instituição gastou R$ 40 milhões em 2013. O Sintusp entende que a leitura da crise, de uma perspectiva do inchaço do funcionalismo na instituição é “simplista”. “A gestão do Rodas ficou marcada por um gasto exorbitante em obras que a universidade não precisava, que não eram prioritárias, enquanto outras, mais urgentes, como a reforma do prédio da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo] não foram feitas. Além disso, a universidade se expandiu, temos mais campus hoje, mas o repasse de verba não aumenta e nem a reitoria cobra o governo de São Paulo para que ele seja maior”, argumenta Cavali.
Segundo o sindicato, a USP possui, hoje, quase o mesmo número de funcionários que possuía 25 anos atrás. Em 1989, eram 17.735 pessoas trabalhando na universidade, contra 17.451 neste ano. “Ou seja, você expande fisicamente, mas mantém a mesma estrutura de trabalhadores. O erro não está, portanto, no gasto com a folha de pagamento.”
Em artigo publicado no último dia 18, o professor de História da USP, Sean Purdy, confirma o crescimento físico da universidade paulista. “Segundo os dados do Anuário Estatísticas da USP, entre 1995 e 2012, na graduação, o número de cursos aumentou em 88.6% e em pós graduação em 34,6%. Nesse mesmo período, o número de alunos de graduação aumentou em 77,6% enquanto alunos de pós-graduação cresceram 102,3%. Mas o número de docentes aumentou somente 15,9% e os funcionários em 11,5%”, afirma o historiador.
Segundo Purdy, a USP não pediu aumento das verbas do Estado e prefere “manipular dados para enfraquecer a universidade púbica através de cortes drásticos aos funcionários, docentes e programas de pesquisa e bolsas para alunos”. A mesma medida é cobrada por Cavali. “O reitor não cobra e não cobrará o governador de São Paulo publicamente em um ano eleitoral, mas o que a USP precisa é de mais verbas e não arrocho salarial ou demissões voluntárias”, afirma.
Purdy ainda compara a relação de professores para alunos com outras universidades conceituadas no mundo. A universidade paulista possui, segundo a reitoria, 15,5 estudantes para 1 docente. “Em 2012/2013, na Oxford, houve 4,92 alunos por funcionário e 4,3 alunos por professor. Na Cambridge, 4,4 alunos por funcionário e 3,9 alunos por professor. No Imperial College, 3,4 alunos por funcionário e 3,8 alunos por professor. Finalmente, no University College de Londres havia 3,8 alunos por funcionário e 5,5 alunos por professor. Portanto, todas essas universidades tinham mais funcionários por aluno do que a USP, e bem menos alunos por professor”, escreveu.
O orçamento da USP é abastecido com 5% da arrecadação do estado de São Paulo, anualmente, com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em 2014, esse valor será de R$ 5 bilhões.
(Arte: Felipe Tornieri)
Reitor ou Faraó?
Aquisições de equipamentos feitas por Rodas também são criticadas na comunidade acadêmica. Um navio oceanógrafo foi comprado por R$ 11 milhões, exigindo um gasto fixo mensal de R$ 250 mli. Porém, o barco está encostado no porto de Santos, sem qualquer utilidade. Escritórios da universidade foram montados por Rodas em março de 2013 nas cidades de Boston, Cingapura e Londres, sem qualquer consulta aos órgãos internos da universidade. O custo mensal para manutenção desses espaços é de R$ 400 mil.
A universidade, na gestão de Rodas, comprou imóveis na região central da cidade de São Paulo, dois prédios e um terreno. Gastou-se na empreitada R$ 35 milhões. A disposição do ex-reitor em construir e reformar representaram um salto no orçamento de 3%, em 2009, para 8% em 2013, somente com obras, saindo de R$ 370 milhões para R$ 1 bilhão. Entre as mais decantadas e suntuosas empreitadas estão o Anfiteatro para mil pessoas e a nova sede da reitoria.
Nova reitoria.
Marco Antonio Zago assumiu a USP no dia 25 de janeiro de 2014. O novo reitor reconheceu o prejuízo e a crise., porém, para combatê-la, anunciou o congelamento de salários e um plano de demissão voluntária de três mil funcionários. A nova direção também cortou em 30% a verba para pesquisas.
A reserva de caixa da USP, que já foi de R$ 3,5 bilhões no começo da gestão Rodas, agora está em pouco mais de R$ 1 bilhão. O déficit nos últimos dois anos foi de R$ 1,57 bilhões, segundo o novo reitor. Professores foram ouvidos por Fórumpara que opinassem sobre a atual crise enfrentada por aquela que já foi considerada, antes da gestão de João Grandino Rodas, como a melhor universidade da América Latina. Confira abaixo as avaliações:
Henrique Carneiro
(História)
“Rodas é o grande responsável, embora não o único. A gestão dele foi absolutamente temerária e eu ficava bastante surpreso, durante a sua gestão, ao ver o número de obras na USP. As informações que eu tinha davam conta da abertura de escritórios da USP em Cingapura, Londres e outros lugares. Olha, ou a USP estava nadando em dinheiro ou a administração era equivocada. Depois de Rodas, sem dúvida, o principal responsável é quem o colocou lá. Não fomos nós da comunidade universitária que empossamos o Rodas, foi o José Serra, que tinha afinidade política e ideológica com ele.”
Jorge Luiz Souto Maior
(Direito)
“Acho que a crise atual faz parte de um projeto de sucateamento da universidade pública, na perspectiva da privatização da universidades, que foi iniciado pelo Rodas, com os gastos excessivos e os desvios de gastos que geraram essa crise. O reitor atual usa e usará essa crise como argumento para dar prosseguimento no projeto de privatização da USP.”
Dennis Oliveira
(Jornalismo)
“Em grande parte, a culpa pela crise é do Rodas, mas é uma crise da estrutura da universidade, da concepção que o governo de São Paulo tem da gestão da educação. O Rodas e o Zago, assim como um setor da sociedade, força esse discurso de buscar fontes de financiamento na iniciativa privada e cobrar mensalidades nos cursos, isso é uma privatização disfarçada.
Internamente, o mecanismo de gestão não é democrático. O fato do reitor ainda ser indicado e não eleito, um conselho universitário que não reflete a composição da universidade são exemplos de uma gestão pouco democrática que é sustentada há 20 anos pelo PSDB.”
Laurindo Leal Filho
(Jornalismo)
“O Rodas é 100% responsável por essa crise. A atual reitoria, inclusive, embora queira posar de oposição, estava na gestão anterior. Foi um descalabro administrativo que nos levou ao ponto em que estamos. A USP é imune Pa participação da comunidade. É uma reitoria monárquica, que mantém um esquema de feudalização da Universidade. A forma como se gere os recursos não é transparente e obedece demandas que atendem o governo do Estado e o partido que o comanda. Foi uma gestão faraônica, com obras que não era prioritárias para a universidade. Porém, o responsável último é a chefia política que escolhe a reitoria. Então, essa responsabilidade da crise é estendida ao José Serra.”
Pablo Ortellado
(Gestão de políticas públicas)
“Rodas é o principal responsável pela crise. Ele aumentou consistentemente os gastos num momento de abundância, embora alertado pela Associação dos Docentes e pela representação dos professores e dos estudantes que os gastos estavam descontrolados e atravessados por manobras contáveis. Além do mais, o candidato dele para sucedê-lo como reitor prometia ainda mais ampliação de gastos na disputa eleitoral. Há, assim, fundada suspeita de que esse desequilíbrio orçamentário foi provocado por ele para criar a oportunidade de impor à universidade a agenda de profundas reformas liberalizantes.”
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TERRAS ALTAS DA MANTIQUEIRA = ALAGOA - AIURUOCA - DELFIM MOREIRA - ITAMONTE - ITANHANDU - MARMELÓPOLIS - PASSA QUATRO - POUSO ALTO - SÃO SEBASTIÃO DO RIO VERDE - VIRGÍNIA.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Marajás da USP: Historiador Boris Fausto recebe R$45 mil; Delfim Netto, R$28 mil; e FHC, R$22 mil.
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