Bom trabalho.
O ministro José Eduardo Cardozo foi a duas tocas de leões levar sua visão das coisas: a Veja, em sua tevê comandada pela folclórica Joice Hasselman, a Sherezade loira, e o Globo.
Nas redes sociais, muitos petistas criticaram duramente Cardozo, especialmente por ter falado com uma revista que chama costumeiramente o PT de bandido.
Entendo as coisas assim: a pancadaria contra Cardozo deriva da emoção.
Porque, do ponto de vista objetivo, ele cumpriu exemplarmente sua missão de expor um outro ponto de vista a um público intoxicado por um noticiário absolutamente tendencioso.
Se um leitor da Veja, um único leitor, conseguiu refletir sobre o que ouviu, terá valido a pena o ministro passar uma hora com Joice.
Em geral, quem faz isso são figuras como Villa, Augusto Nunes e Ricardo Setti – que se empenham em deixar o leitor da Veja num estado sinistro de brutalidade mental.
Em alguns pontos, Cardozo se saiu especialmente bem. (Aqui, o vídeo.)
Quando Joice falou no caso Petrobras como “o maior escândalo de corrupção da história”, ele inteligentemente contrapôs que antes tudo era engavetado.
Você não tem sequer parâmetro para comparações, portanto.
Um ex-funcionário disse que começou a recolher propinas na era FHC. Qual era a escala dos desvios? Ninguém sabe porque nada foi investigado.
Num outro vazamento, um delator disse que um ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra, já morto, recebeu 10 milhões de reais para minar uma CPI no Congresso.
Outro momento bom de Cardozo foi quando disse que, no entendimento do PT, o Mensalão foi um caso de caixa 2 e não de compra de apoio no Congresso.
A intenção de Joice Hasselman era atirar lama no PT. Mas Cardozo, sempre polidamente, acabou comandando a entrevista.
Defendeu com classe e firmeza, também, sua chefe, Dilma.
E didaticamente contou que cabe a Lula o mérito de criar as bases que permitiram à Polícia Federal agir em escala maciça em operações anticorrupção.
Suspeito que as duas entrevistas dadas por Cardozo a publicações tão antipetistas fazem parte do que seria a “batalha da comunicação” supostamente pedida por Dilma a seus ministros.
Ele está apanhando de muitos antipetistas nas redes sociais.
***
*** *** NOBLAT, O ÂNCORA CASCATEIRO E A CONVOCAÇÃO DO PT PARA O PROTESTO DO IMPEACHMENT.
Brian Williams, o âncora que “ficcionalizou”
O âncora americano Brian Williams foi suspenso de sua rede de televisão, a NBC, por seis meses.
Williams inventou uma história sobre sua passagem pelo Iraque há doze anos. Ele teria sido vítima de uma emboscada. O helicóptero onde estava, contou, foi atingido por um disparo de RPG e o piloto mal conseguiu aterrissar.
A casa começou a cair quando o engenheiro de voo Lance Reynolds resolveu se manifestar. No Facebook, Reynolds disse que não se lembrava do jornalista e que ele surgiu em cena apenas uma hora depois que o helicóptero pousou.
Ao depoimento de Reynolds seguiram-se os de outros soldados, todos desmentindo Williams. Ele mesmo foi obrigado, a certa altura, a admitir que fez bobagem. “Como não pretendo ficcionalizar minha experiência e não preciso dramatizar acontecimentos, porque eles realmente aconteceram, acredito que ver meu vídeo inspecionando a área atingida — e a confusão da memória por 12 anos passados — me fez misturar as coisas. Peço desculpas”, disse.
O New York Times colocou a culpa na inconfiabilidade da memória humana. Um humorista fez a piada: a questão é que Williams fica esquecendo de parar de mentir.
O blogueiro do Globo Ricardo Noblat parece ter um problema parecido de, como definiu Williams, “ficcionalização”. Noblat fez um alerta importante ontem: o PT convocou seus militantes a ocupar “as principais avenidas de 80 cidades do país no dia 15 de março próximo em defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff”.
Continua: “O ato será uma resposta aos promotores de manifestação semelhante marcada para esse mesmo dia nas mesmas 80 cidades. Com duas diferenças: essa será pelo impeachment de Dilma. E as pessoas deverão vestir verde e amarelo.”
O partido, diz ele, “se arrisca de fato a estar tirando a Morte para dançar. Não será por falta de aviso.”
O vice-presidente do PT, Alberto Cantalice, negou a tal convocação. Nada parecido com o que Noblat descreve foi visto em lugar algum. Tem cheiro e forma de cascata. Cascata pretensamente esperta: se houver alguém de vermelho na data aprazada, Noblat dirá que foi ele. Se não, também foi ele.
Ao longo da campanha de 2014, Noblat se especializou em contar anedotas sobre os desentendimentos entre Lula e Dilma. Em março, cravou: “o mais provável é que Dilma saia de cena.” Essa ladainha prosseguiu por meses, eventualmente apoiada em inconfidências de uma “fonte”.
Fora da política, ele ainda teve tempo de prever a morte de Ariano Suassuna num tuíte memorável. “É uma questão de horas a morte do escritor Ariano Suassuna, vítima, ontem, de um AVC, operado às pressas no Recife. Lamento mutíssimo [sic]”.
Ora, todos os boletins falavam da saúde delicada do homem de 87 anos. Ele nunca teria muitas horas, a não ser se ocorresse um milagre — mas, para Noblat, era importante transmitir a ideia de que ele tinha algum tipo de informação privilegiada. Essa mesma sensação ele tentou passar ao descrever um voo do Rio a Brasília em que Aécio teria sido ovacionado depois de perder as eleições.
Ao contrário de Brian Williams, Noblat tem licença para inventar. Desde que continue inventando, obviamente, para o lado certo.
*
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/
*** *** *** "O JUIZ MORO, CONVICTO DE PRATICAR O BEM, É UM HOMEM PERIGOSO": O DÉCANO DOS CRIMINALISTA DE SP FALA AO DCM.
Sérgio Fernando Moro.
Paulo Sérgio Leite Fernandes é o decano dos criminalistas em São Paulo. Aos 79 anos, se define como um sobrevivente.
Na ativa desde 1960, Fernandes é autor de vários livros jurídicos e romances. Foi professor de Processo Penal e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
“Procuro ensinar aos moços a arte de dizer não. Desgraçadamente, as faculdades ensinam a obediência estrita. Formam advogados medrosos. É ruim para o Brasil”, diz.
Ele deu o seguinte depoimento ao DCM sobre o juiz Sérgio Moro, a Operação Lava Jato e o sistema de delação premiada.
“Eu passei a ver o Direito no sentido quase psiquiátrico. Classifico o juiz Moro como uma figura heroica, psicanaliticamente. Bem e mal. O juiz Moro é jovem. Ele é a encarnação do vingador. Ele acredita naquilo.
Nós precisamos de quem acredite. O ser humano precisa do ícone do santo, do superhomem, do animal a ser seguido. Isso funciona até mesmo entre as formigas vermelhas da Amazônia. Nós também agimos como agem os cães ou os tigres que marcam seu território. Podemos até nos sofisticar, mas o princípio é o mesmo. Nós somos iguaizinhos.
Temos os chamados animais alfa. O touro, que guia a boiada até o precipício… Vão 500 bois atrás dele. Até as hienas têm liderança.
Dentro desta classificação meio zoológica, o juiz Moro é um animal alfa.
Além disso, ele tem legitimação jurídica para fazer o que faz. Moro representa a entronização de tudo aquilo em que o povo acredita no sentido do bem combater o mal.
Ele não é, obviamente, perfeito. O Chico Buarque fez uma canção que fala que “procurando bem, todo o mundo tem pereba”. O Moro tem suas perebas também.
O sistema processual penal francês é dicotomizado. Tem o juiz de instrução e o juiz que se diria julgador. O juiz de instrução francês tem origem no ministério público. Ele é um investigador. Colhe as provas e as entrega ao poder judiciário encarregado do contraditório penal. O juiz de instrução é, na verdade, um perseguidor.
O juiz penal, embora não seja inerte, é imparcial — ao menos em tese. A gente sabe que não existe imparcialidade. Nós inventamos que ele é imparcial. É coisa nenhuma. Ele depende até mesmo do estado de humor, se trepou com a mulher na noite anterior etc. Você acorda bem, acorda mal, acorda deprimido, impressionado.
O juiz acorda assim. Em tese, porém, a imparcialidade é prerrogativa do magistrado.
O juiz Moro é parcial e a parcialidade resulta desse pressuposto de que ele é o salvador da moralidade do país. Ele veste a toga e se torna o sacerdote mor da restauração moral do trato da coisa pública.
Moro acredita nisso. É um fenômeno biopsíquico. Não acredito que isso seja especialmente uma boa distribuição da justiça. Esse tipo de compulsão leva o julgador a exacerbar a atividade investigatória e a esquecer a necessidade de equilíbrio que é a garantia do contraditório.
Esse jovem, embora convicto de praticar o bem, quando da distribuição da justiça no sentido de equilíbrio entre acusação e defesa, é um homem perigoso.
O perigo do arbítrio desmedido.
Hoje ele é o ser humano mais determinado que o Brasil conhece. Ele é um compulsivo. Ele busca o Santo Graal.
No caso da Venina, ele está funcionando como um juiz de instrução [o Ministério Público Federal dispensou a ex-funcionária da Petrobras Venina da Fonseca por “irrelevância”, mas o juiz Sérgio Moro decidiu manter seus depoimentos].
Paulo Sérgio Leite Fernandes.
Não é normal no sentido forense. Extrapola os limites. O juiz penal brasileiro não é extático, mas é inerme. Com esse tipo de atitude, ele vai além do limite. Se acusação e defesa concordam, você não tem nem mesmo como reclamar por habeas corpus. Ele se introduz na zona cinzenta e não passa confiança.
É herança de um imperialismo judicial. No sentido de investigação, pode ser meritório. No sentido de obediência à nossa teoria e prático do processo penal, é uma extravagância.
Moro é diferente do Joaquim Barbosa. Barbosa é uma criatura emocionalmente desarticulada. O Moro tem componentes compulsivos bem acomodados num comportamento externo obediente às normas de conduta perante a comunidade.
Nós somos estritamente comportamentais. Na vida pública, ele parece ser irrepreensível. Educado, trata as partes com cordialidade, aparentemente tem saúde boa e está fazendo o serviço dele.
O doutor Barbosa vestiu uma capa de Batman para lutar contra os meliantes. Se o juiz se conscientizar de que é um instrumento de equilíbrio no combate entre o bem e o mal, ótimo. Ele nunca é o fautor. Esse combate entre o bem e o mal é tão sinuoso que o bandido e o mocinho se entrelaçam. É uma simbiose. Eu tenho a esquisita sensação de que o mocinho é também o bandido.
Na delação premiada, para haver a chamada “colaboração eficaz”, eu, agente do bem, ofereço a você, delinquente, o perdão se você delatar seu confrade, seu irmão, sua mulher.
Ele cometeu uma infração talvez mais grave que o outro. Quando ofereço o perdão, estou tergiversando porque eu não posso perdoar. Eu posso perdoar quem se arrepende, talvez, mas não posso perdoar quem tem como mérito único denunciar quem se comportou da mesma forma. Isso é tergiversação, não importa o que diz a lei.
Mais ainda: não posso oferecer o perdão sob condição de não tomar parentes como reféns. Isso é coação e constrangimento. Já houve casos de negociação assim: “se você poupar minha mulher, eu confesso tudo”. Isso aconteceu muito durante a ditadura.
O próprio Yousseff. Eu pensaria muito antes de acreditar nele. Há advogados especialistas na delação premiada. Eu acho podre. O mocinho vira bandido também. Ele comete um crime para realizar o bem.
Estou falando no sentido ético. Ela é legal. Mas era legal para os nazistas mandarem os judeus para as câmaras de gás. Virou rotina no Brasil. Nós copiamos dos Estados Unidos. Acredito que haverá uma reação na sociedade dentro de cinco ou seis anos.”
|
TERRAS ALTAS DA MANTIQUEIRA = ALAGOA - AIURUOCA - DELFIM MOREIRA - ITAMONTE - ITANHANDU - MARMELÓPOLIS - PASSA QUATRO - POUSO ALTO - SÃO SEBASTIÃO DO RIO VERDE - VIRGÍNIA.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
A comentada entrevista do ministro Cardozo à Veja.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário