domingo, 22 de fevereiro de 2015

A disputa desigual entre Ali Kamel e Miguel do Rosário.

Para ele, não somos racistas
Para ele, não somos racistas.

Há uma injustiça básica numa batalha legal que envolva o diretor de telejornalismo da Globo e um blogueiro.
É o milhão contra o tostão.
Todas as circunstâncias estão a favor do grandalhão. É muito mais fácil um juiz decidir pelo homem da Globo, a despeito do mérito do caso.
Quem quer desagradar a Globo? Que juiz não tem receio de retaliações? E para quem é mais fácil contratar o melhor advogado da praça?
É uma situação extraordinariamente desigual.
Tudo isto posto, toda a minha simpatia vai, naturalmente, para Miguel do Rosário, do Cafezinho, no embate jurídico ao qual foi forçado por Ali Kamel, da Globo.
Claro que Kamel tem o direito de se defender caso se sinta ofendido na honra. Mas “sacripanta”, como Rosário chamou Kamel, é tão ofensivo assim?
O melhor sinônimo para sacripanta é hipócrita. Isso justifica a ira de Kamel?
Há um problema na Justiça brasileira que é o comportamento diante de casos de mídia. Reina uma completa incoerência nas sentenças.
Rosário foi condenado a pagar 20 000 reais – coloque aí mais 10 000 em despesas legais – pelo “sacripanta”. (Rosário foi obrigado a fazer uma vaquinha para pagar a conta. Quem quiser contribuir, clique aqui.)
Augusto Nunes, da Veja, foi absolvido depois de chamar Collor de bandido, chefe de bando e coisas do gênero.
Não adiantou Collor haver colocado, na ação que moveu, que fora absolvido pelo mesmo STF que Nunes e outros colunistas conservadores tanto adularam no Mensalão.
Por que Rosário foi condenado e Nunes absolvido? Será simples coincidência que os dois processos tenham sido vencidos por altos funcionários das grandes companhias de mídia?
Num mundo menos imperfeito, todos seriam iguais perante a lei. Mas no Brasil, lamentavelmente, Ali Kamel é mais igual que Miguel do Rosário.
No terreno puramente jornalístico, há uma situação curiosa.
Mesmo com toda a modéstia dos recursos do seu blog, Rosário fez mais que Kamel com todo o poder que a Globo lhe dá.
A revelação, pelo Cafezinho, da sonegação da Globo na Copa de 2002 vale mais que tudo que Kamel tenha escrito ou editado em toda a sua carreira.
O furo do Cafezinho mostrou a alma “sacripanta” – para usar o adjetivo de Rosário – não apenas da Globo como da mídia brasileira.
À delinquência da Globo se somou a abjeta covardia de jornais, revistas e colunistas.
A Folha, sem dar nenhuma explicação, fugiu do assunto depois de dar uma nota. Jamais sua ombudsman tocou no assunto, o que mostra também os estreitos limites da crítica interna.
Tenho para mim que, no futuro, quando Kamel e Rosário forem avaliados, o veredito será o seguinte.
Rosário ajudou a sociedade a entender o espírito da mídia. E Kamel foi aquele que escreveu um livro para provar que o Brasil não é racista.
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A DESGRAÇA DA AMÉRICA LATINA É QUE PARA CADA PEPE MUJICA EXISTEM 50 ANTONIOS LEDEZMAS.

Sabotador da democracia
Sabotador da democracia.
A desgraça da América Latina é que para cada Pepe Mujica existem 50 Antonios Ledezmas, o prefeito de Caracas detido sob acusação de conspirar contra a democracia.
Ledezma, 59 anos, é aquele típico político latino-americano cuja ação predatória ajuda a entender por que a região é recordista mundial em desigualdade social.
É um predador.
Seu apelido é Vampiro. Ele foi um dos homens que comandaram o massacre de venezuelanos miseráveis que se insurgiram em 1989 nos protestos que ficaram conhecidos como o Caracazo.
Ledezma tem um histórico golpista notável. Ele foi um dos homens que apoiaram a fracassada tentativa de derrubar Chávez em 2002.
Na ocasião, nas poucas horas que durou o golpe, ele quis tomar a prefeitura do município de El Libertador, na Grande Caracas. Perdera nas urnas, mas não aceitara a derrota.
Recentemente, em fevereiro de 2014, ele estimulou publicamente a violência nos protestos contra Maduro. Morreram 43 pessoas graças a este tipo de conduta.
Agora, pouco antes de ser preso, ele vinha exigindo a renúncia de Maduro. Pior ainda, ele estava publicando articulando um “governo de transição”.
Isto é tramar contra a democracia, isto é tentar um golpe que fraude o desejo do eleitorado que escolheu Maduro – e isto é crime político.
Ledezma sabota a democracia e despudoramente se diz vítima de uma “ditadura”.
A jornalista americana Eva Golinger, radicada na Venezuela, nota uma semelhança entre o que está ocorrendo no país hoje e o que aconteceu no Chile em 1973.
A mídia, diz ela, fabrica uma situação aterrorizante. Fotos de protestos em outros países são usadas para ilustrar o alegado descontentamento do povo.
O objetivo, afirma Eva, é semear uma atmosfera que chancele um golpe.
(Se você vê alguma semelhança entre a atitude da imprensa venezuelana e a conduta da imprensa brasileira, você está certo.)
A Venezuela – como todos os países do mundo, aliás – enfrenta uma crise econômica. Esta é particularmente agravada pela queda abrupta dos preços do petróleo, maior fonte de divisas do país.
Não é diferente o que ocorre na Rússia, outro grande produtor de petróleo.
A questão é que a mídia local tenta atribuir cinicamente ao governo de Maduro toda culpa pelas dificuldades – que de resto aparecem amplificadas.
Isso se chama desestabilização.
Como uma democracia lida com um destruidor como Ledezma?
Façamos um exercício.
Nestes mesmos dias, documentos desclassificados – que perderam a confidencialidade com a passagem do tempo – mostraram a frenética ação de Roberto Marinho contra a democracia brasileira.
Suponha que, alguns meses antes do golpe de 1964, cientificado das ações de Marinho, o presidente João Goulart o tivesse detido.
Jango estaria fazendo o quê? Agindo como um ditador ou defendendo a democracia?
A mesma lógica vale para Ledezmas.
Um golpe contra Maduro teria, certamente, consequências. Se a velha elite ligada aos Estados Unidos o abomina, é grande seu prestígio entre as massas chavistas.
Homens como Ledezma, numa guerra civil, a gente sabe o que fazem: voam para Miami.
Ele é, sim, um golpista. E como tal que responder perante a lei.
É um anti-Mujica.
E então repito: a desgraça latino-americana é que para cada Mujica existem 50 Ledezmas.
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