quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O GOLPISMO DA DIREITA E A INVERSÃO DE VALORES.



Autor: Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

O Brasil vem atravessando um momento de surrealismo político, onde o torto passa por santo, e aqueles que possuem passado intocável são vítimas de ataques contínuos. E o pior de tudo é que tal situação é apoiada por uma suposta opinião pública sustentada pelos meios de comunicação de massa, sem nenhuma base jurídica efetiva de apoio.
O que possuem em comum Eduardo Cunha, Gilmar Mendes, Aécio Neves e Augusto Nardes (TCU)? Todos os quatro são investigados pela participação ativa ou passiva em esquemas de corrupção. Cunha, é nome frequente e reiterado na operação Lava-jato. Por maiores que sejam as minhas restrições à conduta do juiz Moro, que lembra facilmente um inquisidor medieval, os fatos vêm demonstrando que a situação do atual Presidente da Câmara é politicamente insustentável, e que a sua saída do cargo, em nome da moralidade e da Democracia, é imperativa!
Aécio Neves, por sua vez, e Gilmar Mendes, são listados no escandaloso processo de Furnas, engavetado por fatores ainda não muito claros durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, e cuja relação com a Lava-jato é gritante e, novamente, não apreciada pela omissão do MPF paranaense e pelo juiz condutor do processo.
Sobre Aécio ainda pesam denúncias de uso da máquina pública em benefício pessoal e familiar, inclusive com o famosa caso do aeroporto de Cláudio/MG, dentre outras obras cujo interesse público é extremamente duvidoso.
Já Augusto Nardes, relator do processo de contas da gestão do Governo Federal em 2014 no TCU, com notórias vinculações com o regime militar, é investigado por possível participação na Operação Zelotes. É importante destacar que o TCU é apenas um órgão auxiliar do Legislativo, com atribuições restritamente administrativas, e não possui o poder de inferir ou decidir sobre o futuro do país. Além disso, é um órgão superado no tempo, e para o qual a escolha dos seus membros (ressalvados os servidores de carreira), é profundamente questionável dentro da lógica do princípio da moralidade.
Ou seja, todos os bastiões da moralidade golpistas, que ganham páginas e páginas de jornais para emitir opiniões, e espaços prodigiosos para entrevistas nas grandes redes de comunicação, especialmente nas Organizações Globo, são potenciais réus em processos com pesadas acusações por corrupção. Mesmo assim, apesar de todas as provas e indícios, têm passado incólumes de investigação jornalística.
Por outro lado, a Presidenta Dilma Rousseff, cujo único momento em que viveu no mundo da ilegalidade foi quando lutou contra a ditadura militar, tem sido reiteradamente atacada pela mídia, como se contra ela pesasse algum crime. Pergunto: qual é a acusação contra Dilma? Quando foi que surgiu alguma prova ou indício que colocasse a sua reputação em dúvida? Leiam todos os jornais, inclusive o panfleto de ódio chamado Revista Veja, e não vão encontrar nenhum argumento que se sustente. Nada, absolutamente nada!
As chamadas “pedaladas fiscais”, que fazem os analistas econômicos da mídia espumarem de raiva, em síntese, são mera aplicação da discricionariedade administrativa do gestor na aplicação do orçamento público, portanto absolutamente legais e constitucionalmente respaldadas. E questiono, num país que devem ser orientado para combater a pobreza, a exclusão social e a discriminação, e que se qualifica como Estado Democrático de Direito, todos elementos definidos como normas na Constituição Federal, portanto obrigatórios, o que é mais importante: manter políticas de saúde, educação, habitação, saneamento, assistência social, dentre outras, ou pagar juros hipertrofiados de bancos? Por óbvio, para qualquer jurista sério, os serviços públicos, interesse público primário, são a prioridade.
É evidente que o Governo Dilma apresenta suas falhas, especialmente o segundo com a manutenção do insonso Ministro Levy no Ministério da Fazenda, com a sua cultura ultrapassada de arrocho financeiro, e a transferência da articulação política no Congresso ao instável PMDB. Mas este é um assunto para outro artigo, e aqui estamos debatendo o elemento ético.
Mas a síntese deste texto é demonstrar que passamos por uma absurda inversão de valores. Acrítica, sem questionamentos, como se o mundo real girasse na hiper-realidade dos meios de comunicação. É a tragédia dos falsos argumentos, das falácias sem fundamento, e uma ameaça de impeachment sem nenhum elemento factível de sustentação, com exceção de uma vontade doentia e revanchista de golpe pela velha direita. Os mesmos ares de 1964 são respirados pelos derrotados do DEM, do PSDB, da direita do PMDB, e outros menos votados.
Por trás de toda esta onda golpista alguns temas não podem ser esquecidos, os quais sustentam o desespero golpista:
1º) A soberania sobre o pré-sal: nunca podemos esquecer que o modelo de partilha contraria os interesses de multinacionais do petróleo, e a posição de Dilma, liderança dos BRICS, ameaça o poderia estadunidense neste campo;
2º) A possibilidade de controle social sobre a mídia: se o projeto do Governo Federal de reforma dos sistemas de mídia for colocado em prática, estabelecendo o controle do financiamento das concessões de rádio e televisão, pode colocar em cheque poderes estabelecidos, especialmente da poderosa Rede Globo. Provas gritantes da urgência desta medida para combater a corrupção e a lavagem de dinheiro foram escancaradas na própria operação Zelotes, e no escândalo internacional do HSBC, quando os barões da mídia passaram a ser listados como beneficiários dos esquemas;
3º) O fim do financiamento privado empresarial de campanhas: O STF já decidiu, e com Dilma não haverá reversão. Acabou a influência do poder econômico sobre as eleições. Outra dura pancada na corrupção, que vale por milhares de Lava-jatos e Zelotes. Sem influência das empresas interessadas nos resultados das licitações, as eleições serão mais transparentes, especialmente para o Congresso. Além disso, um velho esquema utilizado para a sonegação fiscal vai perder espaço, pois muitos dos grandes empresários, como o lucro pessoal, infelizmente, ainda não é tributado no Brasil, terão que utilizar a receita do patrimônio próprio para financiar campanhas, sem utilizar a renda dos acionistas. Para tanto, precisarão declarar suas fontes à Receita Federal;
4º) A Agenda Financeira dos BRICS: Com a criação do Banco de Fomento, abre-se uma brecha para novas ações, como o surgimento de uma nova moeda para conversão do comércio multilateral. Com isso, o Dólar vai à bancarrota, e com ele o poderio norte-americano. Só ingênuos acreditam que a onda especulativa sobre o real é derivada da crise política. A sua origem é bem maior, é o risco da criação de uma terceira alternativa ao Euro e ao Dólar norte-americano, pode resultar numa virada do jogo geopolítico; e
5º) As Reservas de Biodiversidade: Assim como a energia e a água, a biodiversidade é um dos grandes patrimônios do futuro. Se o Brasil mantiver a sua política de ciência e tecnologia voltada ao conhecimento autóctone, medida esta iniciada no primeiro Governo Lula, várias multinacionais vão perdem mercado. Por isso a pregação por um retorno da agenda privatista de FHC, defendida, também, por Marina Silva durante a campanha de 2014. O nacionalismo de Dilma é um entrave aos interesses do mercado internacional.
Como se observa, o desespero dos meios de comunicação para ampliar uma eventual crise política tem nome: medo da mudança! O risco crescente de que velhos esquemas montados no seio da ditadura militar venham à público tornam a velha mídia e seus porta-vozes (Aécio, Cunha, Mendes, Nardes, dentre outros), em seres desesperados.
Para quem defende a Democracia, não é momento de recuar. A direita está, sim, acuada! A quarta derrota seguida num processo eleitoral democrático é prova disso. Por isso os ânimos exaltados, que utilizam o poder dos meios de comunicação para apresentar uma falsa sensação de instabilidade social. Quem viu as filas de veículos para as praias no último feriadão pode constatar que a crise é localizada.
Chegou o momento da esquerda superar seus velhos conflitos organizacionais e partir para o ataque. Se esperarmos que a opinião pública construída nos gabinetes e redações dos “velhos jornalões” vá apoiar esta luta, o risco de fracasso é grande.
Não é mais aceitável que fantoches da ditadura militar, como os militantes do DEM, ex-PFL, ex-ARENA, e que possuem vergonha de assumir seu passado, tenham o disparate de falar em ética. Não podemos retroceder, e nem aceitar, pacificamente, a imensa inversão de valores que passa todos os dias nos meios de comunicação, senão veremos o retorno do Brasil da década de noventa, onde muito poucos ganhavam muito, e a grande maioria estava fora da agenda política.

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