sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Corte Interamericana não deve aprovar golpe contra Dilma - O novo presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos considera difícil que o organismo aprove um golpe institucional contra a presidenta Dilma.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Darío Pignotti


Brasília - Para o recém eleito presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o brasileiro Roberto Caldas, é improvável que a presidenta Dilma Rousseff seja derrubada por um golpe institucional como o que a oposição brasileira vem orquestrando – alguns grupos prometem manter o tema vivo durante todo o verão, para convocar novas manifestações depois do carnaval, quando esperam reconquistar o apoio social perdido em novembro e dezembro do ano passado, enquanto se realizavam as primeiras mobilizações de respaldo ao governo. “Não acredito que consigam chegar tão longe e dar um golpe”, afirmou Caldas, que desde o dia primeiro de janeiro preside a Corte Interamericana. “Mas é verdade que estamos diante de uma situação muito complexa, e os acontecimentos ainda estão em curso, o quadro está aberto. Como integrante da Corte, não posso me manifestar sobre nenhum caso, somente diria que, pelo que observo, existe no meu país uma sociedade ativa e uma institucionalidade que funciona”.

O magistrado evitou a expressão “golpe”, utilizada pela presidenta Dilma e pelo Partido dos Trabalhadores, cada vez que denunciam seus inimigos políticos, como o ex-mandatário Fernando Henrique Cardoso e seu correligionário Aécio Neves, candidato presidencial derrotado em 2014. Eles e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, insistem na estratégia destituinte, segundo afirmou Dilma, sem usar nomes, na primeira coletiva do ano, na quinta-feira passada (7/1).
 
A presidenta, assim como o ex-mandatário Luiz Inácio Lula da Silva – com quem ela se reuniu na terça-feira –, considera o impeachment ilegal, uma estratégia “daqueles que não aceitam o veredito das urnas”. Por sua parte, FHC, Neves e os meios de comunicação hegemônicos defendem que o juízo político, ainda que careça de provas sólidas, “não é golpe”. É necessário uma oposição que “esteja minimamente comprometida com o país, para que não se repita em 2016 o que aconteceu em 2015, e que acabemos com o modelo do quanto pior, melhor” assegurou Rousseff. Nas duas últimas reuniões do Mercosul – a de julho, em Brasília, e a de dezembro, em Assunção –, a chefa de Estado reivindicou a democracia conquistada após prolongadas ditaduras no Brasil, sendo que a última delas durou 21 anos.
 
Durante a cúpula no Paraguai, o presidente pró-tempore do Mercosul, o mandatário uruguaio Tabaré Vázquez, respaldou a segurança institucional brasileira e a continuidade da presidenta. “Estamos com você, companheira”, disse ele, se dirigindo a Dilma. Ninguém ignora que a solidez democrática sul-americana depende, de alguma forma, de como será resolvida crise brasileira.

Entrevistamos o juiz Roberto Caldas sobre a polêmica jurídica surgida a respeito da destituição de governos democráticos através de manobras aparentemente legais. “Agora não é como nos Anos 70, quando os militares tiravam um presidente pela força das armas, agora existem outras situações mais complexas, mas cada caso é um caso”, respondeu.
 
O magistrado não quis antecipar qual seria a posição da Corte Interamericana, vinculada à OEA, no caso de uma eventual deposição do governo eleito por 54 milhões de brasileiros, em outubro de 2014. Mas deu pistas. Recordou que esse organismo já tipificou como “golpes” as manobras como a realizada pela oposição da Venezuela em 2002, contra o presidente Hugo Chávez, e também a de 2009 contra o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, que se refugiou durante meses na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
 
Até hoje a imprensa e a direita brasileiras se esquivam do tema, para não ter que reconhecer que o que ocorreu em Honduras foi um golpe, após o qual surgiu um regime despotista. “Em novembro de 2015, houve uma análise na Corte sobre o golpe de Estado em Honduras, a qual determinou que houve irregularidades. No caso de Honduras, a Corte reconhece que o que aconteceu foi um golpe”, e logo acrescentou “também se analisou um caso apresentado pela Venezuela, onde se terminou reconhecendo que aconteceu um golpe de Estado em abril de 2002, são situações que estão reconhecidas pela OEA e pela ONU”, afirmou Caldas.


– As democracias latino-americanas estão consolidadas?
 
– A Corte Interamericana contribui, com suas sentenças, para o estabelecimento concreto, positivo, de parâmetros que estão consagrados na Carta Democrática Americana e no Pacto de São José, e nos dois se prioriza a democracia e a conduta democrática de nossos povos. Eu responderia sinteticamente a sua pergunta dessa forma: a estabilidade institucional e democrática são prioritárias, são a razão de ser da Corte.


– A oposição brasileira ameaça iniciar o impeachment em março.
 
– Por enquanto, isso é uma hipótese, não posso falar sobre algo que não aconteceu ainda. O que posso dizer é que a Corte já apontou que em casos onde há acusações contra as autoridades, como os chefes de Estado, essas devem ser respaldadas por provas absolutas. Devemos respeitar as garantias estabelecidas pelo Estado de Direito. Devem ser seguidos todos os passos previstos na lei e evitar julgamentos sumários, que visam satisfazer alguma pressão da opinião pública. A estabilidade democrática na América latina, onde vivemos muitos anos sob regimes de exceção, é algo que contribui para a emancipação dos nossos povos, através da ampliação dos direitos humanos e sociais.


– Ou seja, quanto menos golpes, melhor?
 
– Isso quer dizer que quanto mais estáveis sejam nossas democracias, nossos povos terão melhores condições para conquistar mais direitos. E, ao mesmo tempo, é preciso manter a estabilidade sem deixar de combater a corrupção e outras irregularidades que possam ocorrer.


– Rousseff denunciou o perigo de um “golpe paraguaio”. A Corte se pronunciou sobre a queda do presidente paraguaio Fernando Lugo, em 2012?
 
– Na Corte, ainda não recebemos nenhuma denúncia formal sobre o caso paraguaio, mas tenho entendido que já existem denúncias na Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso. Nós, na Corte, tratamos daquilo que nos é apresentado pela Comissão, que analisa os expedientes previamente.


– Voltando ao Brasil, a Comissão denunciou à Corte várias violações aos direitos humanos no Brasil.
 
– Sim, é assim, porque existem problemas de direitos humanos no Brasil, como o problema carcerário, que precisa de uma solução que não pode mais ser postergada, ou o problema da violência que ainda se vê no comportamento das polícias. Em todo caso, minha visão é de que existe um quadro problemático, mas que dentro dele é possível ver sinais de evolução. O Brasil está avançando em matéria de direitos humanos nos últimos anos.


– Qual é a situação na América Latina?
 
– Cada país apresenta suas particularidades, o que eu posso dizer é que o quadro geral latino-americano é de franca evolução, especialmente em matéria de direitos sociais. A ampliação de direitos para os setores mais desfavorecidos economicamente é algo que tem um efeito emancipador para um grande número de cidadãos. Mas não podemos baixar a guarda porque continuam sendo graves as violações dos direitos humanos em matéria de ataques à liberdade de expressão, aos direitos das mulheres, os ataques contra a comunidade gay e às minorias sexuais, contra os indígenas, as comunidades negras, etc.
 
Tradução: Victor Farinelli

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