sábado, 20 de fevereiro de 2016

Juristas criticam decisão que autoriza prisão já em segunda instância São muitas as críticas destacadas por juristas e advogados renomados em relação à decisão da última quarta-feira (17), do Supremo Tribunal Federal (STF), que reformou jurisprudência antiga e passou a permitir que os réus julgados em segunda instância sejam presos antes mesmo da apresentação dos recursos posteriores a que têm direito.

Juristas criticam decisão que autoriza prisão já em segunda instância
Juristas criticam decisão que autoriza prisão já em segunda instância.

A Ordem dos Advogados do Brasil reagiu enfaticamente à decisão do Supremo Tribunal Federal que autoriza a prisão de réus já em segunda instância judicial, sem aguardar o trânsito final da sentença e o esgotamento de todos os recursos. Em nota, a entidade destacou que o Conselho Federal e o Colégio de Presidentes Seccionais “reafirmam sua histórica posição pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade”: “A OAB possui posição firme no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso”.

Advogados atribuem decisão ao “apelo popular” 
O advogado Alberto Zacharias Toron afirmou que considerou o resultado “duplamente desolador”. Em primeiro lugar, disse, porque “a pretexto de se interpretar a Constituição, negou-se a vigência a uma garantia do cidadão”. “Ao invés de lermos que não se presume a culpa até o trânsito em julgado, agora devemos ler que não se presume a culpa até o julgamento em segunda instância. Se o Constituinte errou, pior para ele. Mudar a regra constitucional, nem pensar. O Supremo faz isso sozinho, tiranicamente”, acentuou em declaração à revista eletrônica Conjur.

Toron ironizou que “se for para ouvir a voz das ruas, basta o paredão do programa Big Brother Brasil”, da TV Globo, reclamando do fato de o ministro relator ter dito em sua decisão que estava “atendendo a um reclamo da sociedade”. “Se tiver de ser assim daqui por diante, não precisaremos nem do Direito e muito menos dos tribunais. Basta o paredão do Big Brother”, repetiu Toron, afirmando que considerou o resultado “duplamente desolador”.

Outro criminalista renomado, Fabio Tofic Simantob, argumentou que não considerou a interpretação dada pelo STF uma decisão “e sim uma emenda constitucional”. “Uma emenda proibida pelo próprio constituinte, já que a presunção da inocência até o trânsito em julgado é cláusula pétrea”, reclamou. “Está aberto o caminho para instalação de um tribunal de exceção no país”, disse o advogado criminalista Edson Lacerda.

O criminalista argentino Raúl Zaffaroni, que na época da sugestão feita pelo juiz federal Sérgio Moro, considerou a medida – agora aprovada pelo STF – “uma inversão do sistema penal”, reiterou as palavras e usou comparações estatísticas de populações carcerárias para fazer sua crítica. “Na América Latina, mais de 60% da população carcerária chegaram à prisão sem ser condenados em nenhuma instância. Ou seja, estão presos só como medida cautelar, em forma de prisão preventiva. É uma realidade que já é estrutural, se arrasta ao longo de anos e que implica inversão do sistema penal. Primeiro alguém é detido, depois é condenado, a pena vem antes da condenação.”

Já o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Andre Kehdi, acentuou que a decisão, a seu ver, é “extremamente preocupante”. Sua avaliação é de que a nova interpretação do STF, ainda por cima, ignora a questão carcerária no Brasil, onde os presídios já possuem 600 mil presos a mais.

“Todos os países que são grandes encarceradores estão reduzindo a população presa, mas o Brasil marcha na contramão da história, determinando que a pena seja cumprida antes de o Estado definir os limites da punição, atropelando o devido processo legal. Os ataques ao direito de defesa têm sido feitos constantemente e o Supremo também se curvou à onda do punitivismo exacerbado”, disse Kehdi.

Para o advogado Francisco de Paula Bernardes Jr., sócio da banca criminalista Guillon & Bernardes Jr. Advogados, a decisão do STF “causou espécie”. Ele atribui às manifestações populares a mudança de entendimento da Corte máxima.

“Isso porque nossa Suprema Corte, motivada pelo ‘grito das ruas’, mudou entendimento constitucional que visava garantir a aplicação literal do artigo 5º, LVII, da Constituição, que fundamenta o princípio da presunção de inocência, garantia fundamental do cidadão que cumpre uma função político-retórica de difundir na sociedade a ideia de que o processo penal tem por finalidade garantir direitos dos acusados, considerando-os inocentes até o advento de uma sentença penal condenatória irrecorrível. O julgamento se trata, a meu ver, de um verdadeiro retrocesso em se tratando de regras de tratamento digno aos acusados em processos penais”, afirma Francisco de Paula Bernardes Jr.

Decisão do Supremo
A decisão do Supremo foi tomada no julgamento de um habeas corpus. Por sete votos a quatro, os ministros da Corte máxima concluíram que a prisão do acusado pode ser executada a nível de segundo grau – na linha do projeto da Associação dos Juízes Federais apresentado em 2015 ao Senado, com apoio do juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato.

“A Ordem dos Advogados dos Brasil respeita a decisão do Supremo, mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente”, alerta a entidade. 


Com informações da RBA e Zero Hora.

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