segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O fundo do barco furado que a Folha quer que seja do Lula - A Folha de S. Paulo volta hoje (30) a dar manchetona de duas linhas no alto da capa no segundo dia de perseguição implacável a Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje a invectiva é de um barco que a esposa do ex-presidente, Marisa Letícia, teria mandado entregar no sítio goebbeliano que motivou a chamada berrante que o jornal estampou ontem.

 


Por Osvaldo Bertolino



Mais uma vez, a mídia começa a espalhar o ataque, aproveitando o fato para elevar a onda de calúnias que se formou depois que o malandro juiz Sérgio Moro deflagrou a fase da “Operação Lava Jato” explicitamente dedicada a humilhar Lula.

Episódios farsescos como esses servem para se entender a dimensão do jogo político no Brasil. Desde que Lula foi eleito presidente em 2002, o que se viu no país foi o debate da política propriamente dita — o debate partidário — e o terreno marrom da mídia. O primeiro é legítimo, e, com todas as restrições necessárias, democrático. O segundo é obsceno e não pode ser debitado ao acaso. Visto por um amador, esse papel da mídia é aceitável. Mas um olhar com lentes argutas revela o quanto de sujeira ele representa.

No fundo, o que está em questão é a luta do passado com o contemporâneo, a negação do progresso originada com o golpe militar de 1964 contra a nova clareira aberta com a eleição de Lula em 2002. A criação de lances patéticos para divertir o público, como se neles não estivesse hipotecado nosso futuro como nação — é o caso do sítio e do barco que a “Folha” quer que seja do Lula — é a principal tática de guerra política da direita. E que ninguém se engane: estamos presenciando apenas os primeiros passos da marcha deflagrada pela ordem unida desencadeada pelo jogo sujo do juiz Sérgio Moro.

Brasil de mentira

Vão repetir, agora numa escala mais ampla, o que fizeram no primeiro mandato presidencial de Lula. Lembremos que naquela ocasião a chama do fogo do golpe lambeu o Palácio do Planalto, mas a reação do presidente e da massa que lhe apoiava conteve os golpistas. Não foram poucas as vezes, naquela ofensiva da direita, em que vozes convictas anunciaram na mídia os funerais da esquerda no poder. A farsa do “mensalão” foi o auge daquela histeria golpista.

Recapitulemos: a barulhenta facção “esquerdista” do Partido dos Trabalhadores (PT) impediria Lula de governar. Não impediu. O arroubo gutural de Fernando Gabeira, quando ele deixou o PT, era o prenúncio da morte do governo. O governo continuou vivinho da silva. A corrida aos guichês do Banco Rural também foi saudada como o atestado de óbito do governo. Seria o início de um terremoto que não deixaria pedra sobre pedra. As pedras continuaram praticamente no mesmo lugar. E então veio a cafetina Jeany Mary Corner, e então veio a cueca revistada no aeroporto de Congonhas em São Paulo e seu conteúdo gravíssimo, e então veio… bem, veio o apocalipse.

Ou seja: as ruínas da ditadura militar e da era Fernando Henrique Cardoso (FHC) se ergueram para proclamar o fim político de Lula. Mas o governo seguiu respirando e abriu nova fase, com Lula arregaçando as mangas e aplicando o programa de governo com o qual foi eleito. Isso provou um fato: o Brasil de mentira é o que se paralisa nas crises apocalípticas anunciadas por velhos coveiros e propaladas nas manchetes da mídia. O Brasil de verdade é o que, a despeito de seus imensos problemas, deixou de ser uma piada desde que Lula galgou a rampa do Palácio do Planalto.

Cova rasa

A mídia não desistiu e novas ondas de calúnias foram levantadas, todas elas convenientemente já sepultadas em cova rasa, sem nenhuma investigação a mais, sem nenhuma satisfação ao público, sem nenhuma retratação. Simplesmente, boa parte da história sumiu. Na verdade, desde o princípio essas denúncias, sustentadas em fontes que se revelariam frágeis como a convicção de um cínico, esbarraram numa questão de lógica básica: a percepção popular de que o país nunca progrediu tanto em tão pouco tempo.

Um mergulho nas páginas publicadas sobre esse caso pela imprensa, enfim, revela muito sobre a maneira como são produzidos — e depois manipulados — os escândalos. Numa carta aos seus alunos — indevidamente publicada pela Folha de S. Paulo —, a filósofa Marilena Chaui disse que com essa mídia estamos diante de um campo público de direitos regido por campos de interesses privados. “E estes sempre ganham a parada”, afirma ela.

Cláudio Abramo, conceituado jornalista com ideias situadas à esquerda no espectro político e respeitável ícone do jornalismo brasileiro — ele conheceu as entranhas de jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo —, dizia que para ter democracia no Brasil é preciso começar fechando todas as TVs particulares. Esses latifúndios de mídia, dizia ele, são as primeiras trincheiras usadas pelas classes dominantes em casos de crises políticas. Ele não fez uma tirada inconsequente — apenas disse o que acontece. Não porque achava, porque sabia.
 

 Fonte: O outro lado da notícia

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