sexta-feira, 17 de junho de 2016

Orgulho gay depois de Orlando.

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Huw Lemmey, London Review of Books

Muitas pessoas LGBT sentirão um turbilhão de emoções ao ver a polícia patrulhando a região externa do Stonewall Inn em Nova Iorque. A comunidade tem uma relação carregada com as forças da lei; por anos, a polícia foi o braço direito de uma sociedade homofóbica e transfóbica, perseguindo, batendo e nos aprisionando em nome de uma ‘maioria moral’. Para alguns de nós – especialmente trabalhadores do sexo, pessoas trans, muçulmanos homossexuais e negros homossexuais, essa relação continua. 

Em junho de 1969, freqüentadores gays e trans lutaram contra os policiais em uma patrulha de rotina no Stonewall, o que culminou em dias de rebeliões contra a polícia. A polícia está agora de prontidão do lado de fora do bar, tendo em vista o ataque terrorista homofóbico que aconteceu no sábado a noite em um bar gay em Orlando, Flórida, no qual 50 pessoas morreram. 

As rebeliões de Stonewall precipitaram um enorme aumento da consciência LGBT. Ambos grupos radical e reformista LGBT existiam antes das rebeliões, mas depois houve um boom nesses grupos de militância como a Frente de Liberação Gay e a STAR (Travestis Revolucionários de Ações de Rua). Stonewall também forneceu o ímpeto para o primeiro Dia Gay e para os protestos do Dia da Liberação Rua Christopher, os precursores diretos do Orgulho Gay (agora renomeado para Orgulho em Londres). Marchas do Orgulho Gay ainda são realizadas tradicionalmente em junho para comemorar as rebeliões.

Mas as raízes radicais anti-establishment da marcha do Orgulho Gay quase não são mais visíveis hoje em dia. Nas marchas de antigamente tinham cartazes xingando os fascistas e o assédio da polícia e pedindo pela liberação dos gays; nas marchas de hoje pode-se ver policiais e soldados marchando em uniformes, representantes das indústrias de armas com blusas de suas corporações e, pela primeira vez esse ano, jatos militares sobrevoando.

Os radicais vêem isso como uma tomada violenta da luta pela liberação pelas instituições mais reacionárias da capital; os liberais vêem isso como uma marca do progresso da sociedade, com o povo LGBT agora aproveitando muitos dos direitos e proteções que já foram negados a eles. 
 
Para um grupo, a marcha do Orgulho Gay é a celebração de uma rebelião contra a polícia, representando a desconexão fundamental entre o povo LGBT e a sociedade heterossexual. Para outro grupo, a marcha é a maior festa do mundo, representando um espírito de inclusão sem julgamentos, mesmo que por um dia. Ambos estão corretos.
 
A marcha é um evento negociado e disputado, não um ritual de significado e políticas marcados. Surgiu não como um pedido de aceitação, mas como uma asserção radical de nossa existência e como uma demanda por reconhecimento sob nossos termos: “Estamos aqui, somos gays, se acostumem”. Sua força continua; sem um significado padrão como, digamos, uma marcha da Orange Order, o evento é moldado pela cultura queer de sua época. Demandar que a marcha seja um evento político é fútil; só pode ser tão político quanto a cultura da qual descende. Se queremos uma marcha mais radical, devemos trabalhar para salientar o racismo cotidiano, misoginia e transfobia em nossos próprios panoramas, promover a conscientização dos desafios políticos e econômicos que o povo LGBT enfrenta,  e nos organizar contra a homofobia e a transfobia dos héteros.
 
Depois de um ano de uma retórica transfóbica desumanizadora de deputados dos EUA, no entanto, seguida por um ato de violência obsceno essa semana, está claro que algum tipo de mensagem política além do luto  surgirá durante as marchas do Orgulho Gay desse ano. E essa mensagem política pode muito bem ser a reafirmação de que a violência e o abuso são parte do cotidiano do povo LGBT, não somente algumas mortes isoladas.
 
Os políticos condenam o ódio em Orlando como sendo unicamente outro, importado, estrangeiro, anti-ocidental; mas ano passado, Ted Cruz, aceitou o apoio, como um caloroso aperto de mão, de um pastor que havia pedido pela execução dos homens gays. O povo LGBT vê isso. Assim como vemos o equívoco de pessoas cisgênero que têm “desconforto” em partilhar banheiros públicos com pessoas trans. Entendemos quem está incluso na palavra política “família”, e quem está excluído.  Entendemos a violência e o ódio como o sempre presente olhar por cima do ombro quando estamos de mãos dadas com nosso amor.
 
Há uma fratura entre o modo que grande parte da mídia e muitos dos héteros estão interpretando o ataque em Orlando, no contexto do terrorismo islâmico e os ataques de Paris e Bruxelas, e o modo que grande parte do povo LGBT entende o ataque, em um espectro de violência diária e preconceito. Faz sentido dentro de uma tendência geral em negar nossa humanidade, desde as contínuas tentativas de prevenir que as pessoas trans usem banheiros públicos, até o bombardeio da Target, ataques em marchas do Orgulho Gay, assassinatos transfóbicos, ameaças de agressão que sofremos por simplesmente ser uma pessoa queer em público. E se dizemos que esse ataque faz parte da sociedade homofóbica e transfóbica em que vivemos, seremos mais insultados como escudos dos terroristas, liberais em negação, covardes e mais. Os muçulmanos gays, enquanto isso, enfrentam a combinada intolerância da homofobia, transfobia, islamofobia e racismo.
 
O único valor compartilhado de todas as violências homofóbicas e transfóbicas é a crença na supremacia de pessoas cisgêneras ou heterossexuais; a expressão política desse entendimento, é a reação a qual seremos negados. Já foi sugerido que o assassino era um homossexual que se odiava, o distanciando da cumplicidade dos heterossexuais. Com a instrumentalização das execuções de homens gays pelo Estado Islâmico, as mortes dos LGBT somente são lamentadas quando apóiam o ostracismo dos muçulmanos ou como um avatar de “valores ocidentais” não especificados. 
 
Como vítimas de pessoas cis e da sociedade heterossexual, eles são invisíveis. Se a marcha serve para redescobrir suas políticas, um ponto de partida seria afirmar que a vida para o povo LGBT em uma sociedade heterossexual continua um antro de violência, com os mais marginalizados na ponta da faca.

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