segunda-feira, 11 de julho de 2016

O AMBIENTE AMEAÇADO.

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Foto: Crime Ambiental da Samarco em Bento Ribeiro, em Mariana/MG.

Autor: Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

O arranjo conservador instaurado no Congresso Nacional em 2015 está produzindo uma série de prejuízos ao país, especialmente aos direitos e garantias fundamentais, e vão muito além do “golpe de estado” processado entre abril e maio deste ano.
Das várias medidas ofensivas ao direito e à democracia temos a votação do Projeto de Lei que propõe a terceirização da força de trabalho e a derrubada de várias garantias da CLT, a discussão sobre a redução da idade de imputabilidade penal, a votação do absurdo estatuto da família, um libelo em defesa da homofobia e do machismo, a proposta da bancada ruralista para extinguir a rotulagem de transgênicos, dentre outras ações.
A renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para evitar a cassação não derruba esse arranjo político, tanto é verdade que durante a manifestação pública do referido deputado, Comissões do Congresso votavam o fim do domínio público sobre o petróleo do pré-sal e do famigerada PEC  65/2012.
Dos absurdos mais recentes que têm ganhado força, o PL nº 65/2012 ataca diretamente o princípio da precaução e tentar derrubar a imperatividade do licenciamento ambiental exatamente para as obras que afetam o ambiente com maior gravidade, com elevado grau de incerteza técnica em relação aos seus resultados, motivo pelo qual estão submetidas a prévio estudo de impacto ambiental.
Ao contrário de enfrentar os principais problemas que prejudicam o licenciamento de obras no país, como a falta de recursos para funcionamento dos órgãos ambientais, a formação dos profissionais que atuam no processo de licenciamento e o estrangulamento da economia pela nefanda Lei de Responsabilidade Fiscal, os parlamentares resolveram “atacar a doença matando o doente”, destruindo com os sistemas públicos de controle ambiental.
A PEC 65/2012 é fruto de uma herança montada na cultura do patrimonialismo e do compadrio, na qual o patrimônio público é tratado como um bem pessoal, privado, de agentes políticos ou grupos econômicos. Além disso, há nítida ausência de preocupação com o interesse público, pois o projeto libera os empreendimentos mais impactantes das suas obrigações de submissão ao controle público enquanto a maior parte da economia segue prisioneira do nefasto sistema do papel e do carimbo dos outros licenciamentos. Não há leitura sistêmica, mas pontual e direcionada a interesses privados de determinados segmentos.
Por trás da medida desenhada no parlamento temos o caminho traçado para centenas de crimes ambientais iguais ao praticado pela empresa Samarco em Bento Rodrigues, no Município de Mariana/MG, que deixou milhares de pessoas sem água e sem trabalho, destruiu ecossistemas e matou a vida no Rio Doce. Na modelo proposto pela PEC, os próprios poluidores/degradadores vão passar a administrar um bem público de uso comum (meio ambiente ecologicamente equilibrado), em favor dos seus interesses.
Na verdade, o licenciamento ambiental nunca foi o responsável, em si próprio, pela demora na obtenção de licenças ambientais ou dificuldades na execução dos projetos potencialmente poluidores. Tais problemas são derivados de um conjunto de fatores com natureza muito mais complexa, os quais têm como ponto de partida a própria fragilidade dos projetos submetidos ao controle dos órgãos ambientais.
Aliás, diga-se de passagem, o estudo de impacto ambiental (EIA), executado e financiado pelas empresas que desenvolvem os projetos que compõem o seu objeto, vem demonstrando um esgotamento no seu modelo técnico e uma série de problemas e fragilidades. Se no passado pensava-se o EIA como mecanismo de análise técnica, com o tempo tais documentos passaram a exercer o papel de justificadores das obras que deveria estudar. Ou seja, a restrição do controle exercido pelo estado nos licenciamentos deve promover inúmeras tragédias ambientais derivadas de estudos com baixa qualidade e sem análise.
Outro elemento relativo à PEC nº 65/2012 que não podemos deixar de avaliar é a sua inconstitucionalidade material. Não basta criar um parágrafo sétimo no art. 225 da Constituição Federal, seguindo o rito formal do Congresso, para que a citada norma tenha validade jurídica.
A PEC em questão ofende cláusula pétrea, pois o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” não é apenas um bem público, mas um direito fundamental das presentes e futuras gerações protegido pelo art. 60, § 4º da Constituição, conforme leitura sistemática da norma fundamental. Por outro lado, a exceção proposta pela proposta de emenda contraria princípios protegidos no texto da Constituição e por normas internacionais assinadas pelo país, que impõe a prevalência do princípio da precaução.
Logo, jamais um estudo técnico poderá ter validação automática, sendo obrigatória a comprovação da sua efetividade mediante análise técnica do estado, quando não da própria sociedade mediante audiência pública.
Por fim, dois outros princípios, ambos de base constitucional, se sobrepõem à proposta de emenda, o do “não retrocesso ambiental”, e o do “não retrocesso social”. Em síntese, por mais fortes que sejam os anseios golpistas que vociferam no Congresso, nenhuma norma que reduza direitos e garantias fundamentais, inclusive a proteção ambiental, mesmo que por meio de mudança constitucional, pode prosperar no nosso regime jurídico. Ainda assim, a sociedade deve se posicionar contra esta nova tentativa de “golpe de estado traduzida por meio da PEC nº 65/2012”, que ameaça diretamente a proteção do meio ambiente no país.

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