domingo, 7 de agosto de 2016

Rio 2016: cidade da alegria violada - As mazelas nos bastidores da organização das Olimpíadas são muitas. Falhas graves na segurança e o caos no trânsito são vistos por todos que visitam o Rio.

Mídia Ninja


Léa Maria Aarão Reis*


Caro Temer: você conseguiu destruir até a alegria que deveria preceder um acontecimento como as Olimpíadas. 

O jornalista Paulo Nogueira iniciou, assim, uma carta aberta ao presidente provisório golpista, dez dias atrás. Sintetizou com  propriedade o que se passa no coração da população brasileira. Em especial, no ânimo dos cariocas que se dividem entre o contentamento de estar, neste momento, na Cidade Olímpica, embora seja uma cidade maquilada, e onde terá maior acesso às competições esportivas, e a perplexidade, a tristeza e a indignação de se ver envolvida, exatamente durante um período que deveria celebrar o congraçamento através do esporte, em um processo político golpista, violento e autoritário que traz insegurança policial e jurídica, ameaça a democracia, e espezinha e mutila direitos de cidadania plena - à saúde, à educação e ao emprego. 

Impossível estar alegre e despreocupado quando o destino da vida de (pelo menos) uma geração brasileira se encontra em risco. Enquanto Michael Phelps estiver nadando, a falência – ou não -  do Brasil estará sendo decidida. 

Por isto, Nogueira completa na sua carta: Você não é apenas um golpista. É um destruidor.
 
Um destruidor com sequazes desabusados. O prefeito do Rio, por exemplo, inventa uma narrativa atrevida que credita publicamente à conta de administrações municipais passadas e a si mesmo a realização dos Jogos, na cidade! “César Maia perseguiu isso. Palmas para ele. O [ex-prefeito Luiz Paulo] Conde perseguiu isso. César Maia voltou a buscar [quando voltou a ser prefeito]. E eu consolidei esse processo.” 
 
Silêncio solene quanto ao ex-presidente Lula, artífice da vitória da candidatura do Rio de Janeiro e à presidente Dilma Rousseff, que viabilizou o evento. Silêncio também de todos os ex-presidentes vivos do país que decidiram não prestigiar a abertura do Rio 2016. Reservam as vaias para Temer, que se declarou “preparadíssimo” para ouvi-las.
 
Já a participação do interino provisório e da sua quadrilha na idealização desse acontecimento planetário é zero, todos sabem. No entanto, escreveu alguém, ‘’ele age como o sujeito que não comprou cerveja para a balada, matou o anfitrião e vai receber os cumprimentos numa boa.’’ 
 
As mazelas nos bastidores da organização das Olimpíadas são muitas. Falhas graves na segurança: equipes de reportagem   circulando por áreas restritas da Vila Olímpica e carregando objetos metálicos. A segurança, a cargo da empresa Artel, de Santa Catarina, assinou em junho um contrato de 21 milhões de reais com a Secretaria Extraordinária de Segurança de Grandes Eventos para operar os aparelhos de raios-X nas entradas de instalações da Olimpíada. A Artel, no entanto, nunca trabalhara na organização de grandes eventos e, pasmem, não tem expertise em segurança. É claro que precisou ser substituída á última hora. Pifou.
 
Problemas estruturais na Vila Olímpica, com diversas delegações – australiana, neozelandesa, italiana, americana, holandesa e as jogadoras de futebol feminino da Suécia que preferiram se hospedar nos hotéis da região - denunciaram a ‘’inviabilidade’’  de se acomodarem nos quartos tal  o cheiro de gás escapando das paredes, a imundície nos corredores dos andares e os equipamentos hidráulicos que não funcionavam. Os mexicanos se queixaram das infiltrações no teto dos seus apartamentos, dos ralos entupidos, e os angolanos do Handball da ausência de aparelhos de TV em suas acomodações.
 
Mas o alcaide Eduardo Paes sugere ser hora de "jogar o baixo-astral para o lado". Sua resposta às reclamações de delegações de atletas é no mínimo tosca: “A nossa Vila é mais bonita que a de Sydney”. Beleza é a da paisagem do fundo de montanhas, no Recreio dos Bandeirantes, que emoldura a Vila, esqueceu (?) de dizer, Sr. Prefeito?.
 
Como mandar o baixo astral e o mau humor passearem, como ele recomenda  se um relatório do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, divulgado oito dias antes da abertura da festa, revela que praticamente todos os indicadores de violência pioraram, às vésperas dos Jogos Olímpicos? Os roubos a pedestres no Estado do Rio de Janeiro aumentaram 81,2% em maio passado em comparação com o mesmo mês de 2015. Os roubos em coletivos, 81,7% a mais. E homicídios dolosos cresceram 38,2%. Dos 272 casos - 9,06 diários – do ano passado a marca atingiu  376 casos por dia.
 
Um manual francês distribuído aos turistas alerta: tenha à mão dinheiro para dar ao assaltante. Nos sites espanhóis as recomendações são claras: nenhum bairro do Rio oferece plenas condições de segurança; elas são“instáveis.” O Ministério das Relações Exteriores da China aconselha: ”Deixem jóias e relógios nos hotéis, não carreguem mochilas ou utilizem celulares nas ruas.’’ Quatro funcionários da Agência Antidoping da China foram vítimas de um assalto à mão armada dois dias depois de chegar ao Rio.
 
Outro vexame se deu com a rampa da Marina da Glória danificada após uma forte ressaca. Isto ‘’não vem ao caso’’?  Necessitaria mesmo só de ligeiro reparo? Integrantes de delegações de Vela dizem que não. A estrutura da rampa foi destruída e deverá ser completamente refeita, eles alertaram, na ocasião do acidente.
 
O metrô. Ah, a linha quatro do metrô! A população, cheia de expectativa, aguardou a extensão (tardia) do transporte cujo orçamento inicial era de cerca cinco bilhões de reais, depois ajustado para mais de sete e acabou inaugurado, quase em segredo, pelo presidente provisório em uma sua vinda clandestina ao Rio de Janeiro, ao custo de quase 10 bilhões. 
 
Mas o metrô só funcionará para a ‘família olímpica’ em regime de teste, no próprio dia da inauguração dos Jogos! População, fora. Depois de testado, os cariocas terão acesso ao metrô linha quatro perto do fim deste ano. A inauguração foi uma fraude.
 
Nas redes sociais, cariocas se dizem revoltados com os engarrafamentos no trânsito da Barra da Tijuca. “Enquanto uma faixa das pistas é destinada apenas para a "família olímpica", milhares de trabalhadores sofrem, diariamente, para chegar e sair do emprego,” os internautas reclamam.
 
Dos mais prejudicados com a desorganização nas ruas são os milhares de homens e mulheres que hoje, no Rio de Janeiro, trabalham como autônomos na área de serviços mais variados. Atendem a domicílio, com uma frequência cada vez maior, uma população com sérias dificuldades de mobilidade na cidade permanentemente congestionada, com fluxos de trânsito mal resolvidos e transporte público de envergonhar - ao contrário de São Paulo.
 
Para eles, o prejuízo com os Jogos será grande. “Vou trabalhar apenas dois ou três dias por semana. Vou perder dinheiro,” diz uma fisioterapeuta. Tempo que levou para atravessar a Ponte Rio-Niteroi onde mora, duas vezes, há poucos dias da abertura do evento: três horas na primeira viagem, quatro na segunda. Para o interino provisório, no entanto, não há maiores problemas. Nem as vaias do fora temer preocupa. Levará a família – mulher, filho, sogra e 42 parentes e amigos - para tribunas especiais. E enquanto Michael Phelps  estiver nadando, delatores loucos para se verem fora da cadeia, estarão dedurando praticamente todo o sistema político brasileiro. Com prioridade para o Partido dos Trabalhadores.
 
Outra mazela, a sujeira da Baía de Guanabara. O velejador alemão Erik Heil esteve internado em um hospital de Berlim, na Alemanha, com quadro de infecção nas pernas e no quadril logo depois de participar do evento-teste da Vela na Guanabara. Passou por cirurgias para remover cinco inflamações originadas por bactérias. E segundo recente matéria da Bloomberg, “nuvens escuras de esgoto ainda podem ser vistas na baía. Cerca de US$ 59 milhões dos US$ 452 milhões do BID foram gastos; contratos foram assinados por mais US$ 200 milhões em obras. Na melhor das hipóteses, hoje, apenas cerca de metade do esgoto gerado por 11 milhões de pessoas que vai para a baía está sendo tratado.”

Para a campeã olímpica, Ana Moser, o principal erro dos organizadores do Rio 2016 foi não ter incentivado - os jovens em especial -, a praticar atividades esportivas. Cerca de 70% dos brasileiros são sedentários, ela diz. “Foi construída uma estrutura para receber apenas os Jogos. Pensamos unicamente nisso. Investimos em atletas de alto rendimento, e nada mais. Esporte não é só medalha”, afirmou a atacante, uma das maiores do vôlei brasileiro, participando  do 6º FNE, o Fórum Nacional do Esporte, recém realizado.

Ana fez duras críticas ao prefeito Eduardo Paes, do PMDB, principal responsável pela execução das obras dos Jogos, que custaram cerca de R$ 39 bilhões, incluindo obras de infra-estrutura, e citou o exemplo do legado deixado por Londres, em 2012: “Os organizadores estimularam todos os alunos do país a praticar pelo menos cinco horas de atividade física semanal”. 
 
O filme semi-documentário Olympia 2016 está para estrear. Mostra uma cidade fictícia (?) submetida a um sistema político corrupto e fundamentado em privilégios. O ponto de partida do enredo é a construção de um campo de golfe para Jogos Olímpicos situado numa reserva ambiental e a história traz à tona os bastidores obscuros da prefeitura dessa cidade chamada Olympia. Ou Rio de Janeiro onde a retirada forçada dos moradores da comunidade de Vila Autódromo, na Barra, foi um lamentável episódio da novela dos preparativos para a Rio 2016. 

É falsa a polêmica, no entanto, que divide o país e o Rio de Janeiro em particular. De um lado, aqueles que apóiam as Olimpíadas na cidade. Do outro, sessenta e três por cento dos brasileiros não concordam com a sua realização. A informação é do Datafolha; portanto, não muito confiável. Há os que opinam que, ao invés de realizar Jogos Olímpicos, o Brasil deveria construir mais escolas e hospitais. Um discurso simplista que, de modo hipócrita, a direita incita. 
 
Não. Temos o dever de construir uma rede pública de educação e saúde com qualidade. Promover o estado de bem estar social sem ‘escola sem partido’ e com um SUS estruturado para atender a todas as classes; sem a rede de saúde privada abusiva existente. 
 
Os governos também têm o dever e a prioridade – por que não? - de oferecer à população cultura, entretenimento e um evento olímpico  que festeja a paz bem organizado e limpo. Mas aí é querer demais para ‘’uma assembléia geral de bandidos’’, como a imprensa estrangeira definiu o governo golpista.

*Jornalista.

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