sábado, 19 de novembro de 2016

Esqueça Cabral, Pezão e Cunha: quem manda no RJ é Picciani - O presidente do PMDB no Rio é uma espécie de personificação do fisiologismo típico do próprio partido, que sempre se manteve ao lado do grupo de comando.

Tânia Rêgo/Agência Brasil



Helena Borges - The Intercept


OS SERVIDORES PÚBLICOS que se aglomeram em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro gritam por um nome acima de todos: o de Jorge Picciani. O conjunto de 21 projetos de lei que propõe medidas de austeridade contra a crise econômica pode ter sido criado pelo Poder Executivo, mas os manifestantes não direcionam seus gritos ao presidente da Alerj à toa. Eles sabem de quem é a palavra final. O “pacote de maldades” caiu no colo do presidente do PMDB do Rio como um presente de fim de ano. Em suas mãos, o poder de permitir ou não a aplicação das polêmicas medidas.

Assim que começaram as manifestações, Picciani deu a sua primeira demonstração de poder: devolveu ao Executivo a proposta de aumentar em 16% o desconto previdenciário nos salários dos servidores.

Logo ele, que consultou e aprovou o esboço das medidas com o então governador em exercício, Francisco Dornelles, seu padrinho político. Dornelles o procurou para saber a probabilidade de aprovação do pacote na assembleia. Ele, que disse ser “necessária uma medida dura de ajuste fiscal” e que iria “apoiar e lutar na assembleia para aprová-las”. Ele, que condenou as manifestações, chamando-as de “crime e afronta ao estado democrático de direito”.

Pois é, de repente, ele mesmo, operou segundo o desejo dos manifestantes e devolveu a batata-quente ao executivo. Em resposta, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, retirou a proposta do pacote e convidou o filho mais novo de Picciani, Rafael, para ser secretário estadual da Casa Civil.

Com isso, Picciani, o pai, voltou à posição inicial e está, agora, fazendo de tudo para que a votação siga seu curso. Foram colocadas duas camadas de barreiras metálicas em frente à fachada da Alerj e, intercalando as cercas, duas fileiras de homens da Força Nacional de Segurança. Eles foram convocados especificamente para patrulhar os arredores do prédio durante a votação.

Quando eleito para seu quinto mandato na presidência da Assembleia por 60 votos contra 5, no ano passado, Jorge Picciani criticou uso de tapumes no vidros da Alerj, instalados após as manifestações de 2013, e falou: “Não temos que ter medo de manifestação, a Casa estará aberta (…) Não vamos mais colocar grades quando tiver votação”. Por volta de 13h desta quarta-feira, 16, pouco antes de os deputados começarem a discutir as medidas, a primeira cerca metálica foi derrubada pelos manifestantes.

A mudança brusca no posicionamento de Picciani não é restrita às grades ou às propostas de austeridade. Sua variação de opinião política é característica. Ele fez alianças diversas em esfera nacional (de Leonel Brizola,PDT, a Aécio Neves, PSDB) e regional (de Sérgio Cabral e Eduardo Paes, PMDB, a Anthony Garotinho, PR). O presidente do PMDB no Rio é uma espécie de personificação do fisiologismo típico do próprio partido, que sempre se manteve ao lado do grupo de comando do governo federal.

A dinastia Picciani


Muito conhecido em esfera regional, Jorge Picciani nasceu em Mariópolis, na zona norte do Rio. Formado em contabilidade, foi auditor fiscal e em 1984 investiu em sua primeira fazenda, a Monte Verde, de criação de gado em Rio das Flores, no sul do estado. Em 1990, o foco do empreendimento mudou de leite para gado reprodutor e desenvolvimento genético de rebanho a partir de leilões de sêmen de boi. Hoje, Monte Verde é um grupo complexo, com fazendas no Rio e em Minas Gerais.

Foi também em 1990 que Picciani se elegeu pela primeira vez, como deputado estadual do PDT. Cinco anos depois, mudou-se para o PMDB, tornou-se presidente estadual do partido em 2009.

Desde o impeachment, Jorge Picciani tem estendido tentáculos para a esfera federal por meio de seus filhos. Eles seguem os passos guiados pelo pai, que, em 2014, foi o coordenador da campanha fluminense de Aécio Neves (PSDB) à Presidência.

Leonardo, o mais velho, começou como deputado federal, em 2002, aos 22 anos. Em 2009 passou pela Secretaria de Estado de Habitação do Rio, mas voltou à Câmara para ser eleito líder do PMDB em 2015 e reeleito este ano. Mesmo depois de se posicionar ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff até o último momento de seu impeachment, foi nomeado ministro do governo Temer.

O histórico é claramente seguido pelo irmão mais novo. Rafael Piccianicomeçou a carreira política em 2010. Assumiu a pasta de Habitação ocupando a cadeira logo após o primogênito, passando para a Secretaria Municipal de Transportes em 2014. Só saiu de lá em junho, quando assumiu o cargo de secretário executivo de Coordenação do Governo da capital fluminense. Seu futuro cargo, no governo estadual, será similar, guardadas as proporções.

O terceiro filho, Felipe Picciani, é zootecnista, já foi presidente da Associação Nacional de Criadores de Nelore e é descrito no próprio site do grupo Monte Verde como “um gestor desse grande negócio familiar”. É sócio da Agrobilara, um dos empreendimentos familiares, que cria gados de reprodução. A empresa foi mencionada por Tânia Maria Silva Fontenelle, gerente financeira da Carioca Engenharia que afirmou, aos investigadores da operação Lava Jato, ter comprado dela gado superfaturado.

Não é a primeira vez que empresas da família Picciani são citadas em investigações. No ano passado, foi revelado que a Tamoio Mineração, uma pedreira que também é dos Picciani, assinou sociedade com um defunto. A empresa foi uma das fornecedoras das obras do parque olímpico do Rio e da via expressa Transolímpica, ambos construídos na época em que Rafael erasecretário municipal de transportes.

Quem se coloca no caminho de Jorge Picciani costuma cair. Foi assim com Eduardo Cunha, que surgiu como uma liderança alternativa dentro do PMDB carioca, mas foi derrubado. Enquanto estava em alta, Cunha tentou eleger um líder do PMDB da Câmara, mas seu candidato Hugo Motta foi sumariamente derrotado pelo desafeto, Leonardo Picciani.

Assim também está sendo com o atual secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola. Jorge Picciani vinha fazendo críticas ao chefe da pasta, chegando a dizer que ele era “um doce, mas fraquíssimo e mau conselheiro” e que o Rio de Janeiro estava “sem governador”. A secretaria oferecida a seu filho Rafael se tornará uma “supersecretaria” no momento em que ele ocupar o cargo. Com a reforma administrativa, a partir de janeiro a pasta vai absorver a Secretaria de Governo, e Rafael será uma espécie de secretário executivo de governo.

Talvez assim, o presidente da Alerj passará a achar que o Rio de Janeiro está em boas mãos: as de sua família.

*

Nenhum comentário: