quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Eurodeputado afirma: 'estamos muito preocupados com o Brasil' - Curzio Maltese, representante do Parlamento Europeu, disse em entrevista para Carta Maior que a queda de Dilma será tema de debate em Estrasburgo.

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Darío Pignotti, enviado especial à Itália


“Estamos muito preocupados com o que está acontecendo no Brasil, houve uma suspensão da democracia e isso é algo negativo. O Brasil é um país fundamental para a América Latina, e uma das nações mais importantes do mundo”, afirma o eurodeputado Curzio Maltese.

“Creio que a União Europeia e o Parlamento Europeu debaterão em breve sobre este problema, e não descarto que haja um pronunciamento de censura pelo ataque à democracia”.

“Há um número cada vez maior de eurodeputados, de setores políticos diversos, preocupados com a crise no Brasil, pelo que aconteceu com a presidenta Dilma Rousseff e pela perseguição contra o ex-presidente Lula da Silva”.

Em entrevista para Carta Maior, Curzio Maltese afirma que “o novo governo brasileiro tem pouco prestígio na Europa, embora as relações formais estejam mantidas”.

Membro do bloco Esquerda Unitária Europeia, Curzio Maltese é um jornalista de Milão, com longa carreira no diário La Repubblica e outros importantes meios de comunicação italianos.

Em Estrasburgo, cidade-sede do Legislativo europeu, Maltese articula posições com outros deputados da esquerda italiana, com o movimento espanhol Podemos e com os representantes do partido grego Syriza.

Numa declaração feita meses atrás, ele definiu a jovem agrupação Podemos como “a esquerda do novo século”, e elogiou o partido, e especialmente o seu líder, Pablo Iglesias, porque “suas ideias são inovadoras, e eles renovaram a linguagem, a forma de se comunicar com os cidadãos”.

Em maio deste ano, 34 eurodeputados, com os representantes do Podemos e do bloco Esquerda Unitária Europeia entre eles, publicaram uma carta de repúdio à “falta de legitimidade” do governo de Michel Temer.

O documento, assinado por congressistas de vários países, foi apresentado à Alta Representante da União Europeia para Política Exterior – a também italiana Federica Mogherini.

Um dado importante: Mogherini, ex-chanceler do seu país e a atual chefa da diplomacia europeia, pertence ao Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, o mesmo do atual primeiro-ministro italiano, Mateo Renzi.

Em junho do ano passado, Renzi recebeu Lula no Palácio Chigi, sede do governo, em Roma – aquela foi a segunda reunião entre Renzi e Lula. Em dezembro do ano passado, o brasileiro se encontrou com o presidente do Parlamento Europeu, o social-democrata alemão Martin Schultz.

Durante a entrevista, Carta Maior indagou: “é possível que os eurodeputados do Partido Democrático apoiem o debate e até uma eventual denuncia sobre a situação no Brasil?”.

“Considero que os membros do PD, ao menos uma maioria deles, darão seu apoio a uma discussão sobre o tema no Parlamento. Eu conversei com alguns deles, e me manifestaram sua disposição favorável. Esta mesma atitude é a que se vê no bloco dos social-democratas e em outros grupos progressistas moderado” respondeu Maltese.

“Falei sobre a situação do Brasil com os eurodeputados, e também conversei sobre o tema com Sergio Cofferati, que foi o secretário-geral da maior organização sindical da Itália, é um velho amigo de Lula, e alguém que o respeita muito”, agregou Maltese.

Brasil vive regressão

“Na Europa, não há informação suficiente sobre o que acontece no Brasil. Quando esta crise começou, era difícil entender o que estava sucedendo, mas depois as coisas começaram ficar mais claras, porque se viu que houve um processo irregular para tirar a presidenta Dilma Rousseff do poder. Creio que o Brasil vive uma regressão”, destaca o político italiano.

“Pelo que vejo, houve casos de corrupção nos governos do PT, e que obviamente tem que ser investigados, mas isso não é justificativa para derrubar um governo que foi eleito por milhões de pessoas. No caso de Lula, que é alguém muito conhecido na Europa, e especialmente na Itália, que todos sabem de sua trajetória como um dos dirigentes sindicais mais importantes do mundo, e posteriormente como um presidente que teve bastante peso a nível internacional, posso garantir que é um homem sério”, afirmou o eurodeputado.

“Eu diria que hoje, na Europa, prevalece uma imagem pouco positiva do novo governo brasileiro”. Maltese vê com preocupação o “ressurgimento” do autoritarismo na América Latina, e o fato dele ser contemporâneo a um crescimento da xenofobia na Europa, junto com uma postura de arrogância da Alemanha, com sua estratégia hegemônica prejudicando o resto do continente.

Berlim impôs o austericídio à União Europeia, começando pela Grécia e continuando por outros países do sul do continente, como Itália, Espanha e Portugal.

Num artigo publicado recentemente pelo Hufftington Post, o eurodeputado Maltese acusou a “fria e calculista” Angela Merkel de ser uma ameaça para a integração europeia.

A chefa do governo alemão, que anunciou neste fim de semana sua decisão de disputar um novo mandato nas eleições de 2017, tece uma “teia de aranha” financeira contra os países do sul europeu, o que tende a dividir o bloco e gerar cada vez mais desagrado popular.

“O projeto europeu foi desvirtuado”, segundo Maltese, pelo discreto poder da Alemanha, que impõe os interesses dos banqueiros sobre os de dezenas de milhões de cidadãos condenados ao desemprego. Para o deputado, a Europa se debate entre a imposição de políticas de austeridade favoráveis aos banqueiros e as “tentações populistas da direita extremista”.

Neste ambiente de degradação democrática global, com a irrupção de Donald Trump nos Estados Unidos e o crescimento de Marine Le Pen na França, é “o que está acontecendo no Brasil ganha ainda mais importância, pois se trata de um país que estava conquistando cada vez mais relevância no cenário internacional, que conseguia impor suas posições nos grandes foros. Considero que a suspensão da democracia no Brasil é uma má notícia para a democracia em escala mundial”, observa Maltese.

Contra o acordo de livre comércio

Curzio Maltese opina que “não se pode avançar no tratado de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul enquanto o Brasil continue nesta situação política excepcional”. Por outra parte, o eurodeputado estima que a crise brasileira será debatida também pelo Legislativo italiano: “o caso brasileiro já foi discutido no Parlamento alemão, e entendo que também será pautado na Itália”.

“Em minha condição de europarlamentar, não posso adiantar o que vai ocorrer no Congresso da Itália, mas devemos entender que o Brasil é um país com milhões descendentes de italianos, existe praticamente uma nação italiana vivendo dentro do Brasil, e isto faz com que a situação no país seja algo que merece atenção. Possivelmente será debatida pelos congressistas italianos”.

Tradução: Victor Farinelli

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