domingo, 22 de janeiro de 2017

Uma campanha de 1998 deu origem ao mensalão tucano. Qual estágio do escândalo na Justiça.


Lilian Venturini 

Bloqueio de bens do ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, pivô do esquema de desvios no Estado, é a etapa mais recente de um processo iniciado há quase 15 anos.

FOTO: JAMIL BITTAR/REUTERS


AZEREDO (PSDB-MG) DISCURSA NO SENADO, EM 2005 

Eduardo Azeredo (PSDB) governou Minas entre 1995 e 1998, ano em que tentou a reeleição, mas perdeu. As primeiras suspeitas de que aquela campanha estava envolvida em irregularidades surgiram no início dos anos 2000.

Abriram-se, então, duas frentes de investigação: uma na área cível, referente a questões de improbidade envolvendo contratos do governo mineiro, e outra na área criminal, sobre desvios de verba pública para finalidade política.

Uma ação de improbidade administrativa foi proposta em 2003. Já em 2007, foi a vez de o Ministério Público Federal denunciar criminalmente Azeredo e outros envolvidos e ligar contratos públicos ao financiamento da campanha do ex-governador tucano.

R$ 3,5 milhões

montante desviado, segundo o Ministério Público, para a campanha de Azeredo em 1998, em valores da época

Foi naquele ano, em 2007, que o Ministério Público também apresentou as denúncias formais do mensalão petista, no qual ministros do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dirigentes de seu partido, o PT, foram acusados de desviar verbas para pagar deputados da base aliada no Congresso.

Os dois casos tinham um operador em comum: o empresário Marcos Valério de Souza Fernandes. A Procuradoria-Geral da República considera que o mensalão tucano, inclusive, foi uma espécie de ensaio para o mensalão petista. O ritmo dos dois casos, porém, seguiu de forma bastante diferente.

Enquanto o mensalão petista teve 25 condenados definitivamente em 2012, entre eles o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino, e 20 presos no ano seguinte, o mensalão tucano andou mais devagar.

A demora ocorre, principalmente, pelo fato de o mensalão petista ter sido julgado diretamente no Supremo Tribunal Federal, o que limita as possibilidades de recursos. O tribunal, também, fez questão de dar celeridade ao julgamento. Já o caso tucano, que chegou a ficar nas mãos dos ministros do Supremo, acabou enviado para a primeira instância da Justiça mineira.

No mensalão tucano, a primeira condenação ocorreu em 2015, mas não houve prisões até agora. Azeredo foi condenado a 20 anos e 10 meses em primeira instância. Ele recorre em liberdade.

As frentes de apuração do mensalão tucano

no âmbito penal: em razão da prática de crimes como lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público)

no âmbito cível: em razão da prática de atos de improbidade administrativa, quando um agente público viola os princípios administrativos e causa danos aos cofres públicos

Decisão mais recente envolve bloqueio de bens

A decisão mais recente no caso do mensalão tucano ocorreu em novembro de 2016 e foi tornada pública agora, em janeiro de 2017.  A Justiça determinou o bloqueio de bens de Azeredo. Ela insere-se na esfera cível e faz parte de uma ação existente desde 2003. Ela refere-se a acusações de irregularidades nos repasses de estatais mineiras para a realização de eventos esportivos no Estado em 1998.

Como em 2003 Azeredo era senador, e por isso tinha direito a foro privilegiado, o processo corria no Supremo Tribunal Federal. Dois anos depois, em 2005, a Corte também recebeu as denúncias referentes às ações penais.

Mas em 2014, o tucano renunciou ao mandato de deputado federal. Sem o mandato, e portanto sem foro, todas as ações relacionadas ao mensalão tucano foram transferidas para Justiça comum, em Minas, o que adiou o desfecho do caso na Justiça.

Em agosto de 2016, a Justiça mineira determinou o bloqueio de bens de outros acusados de envolvimento no mensalão tucano na ação por improbidade. Azeredo, porém, não estava entre os atingidos pela decisão.

R$ 25 milhões

foi o valor bloqueado em bens pela Justiça de Minas de todos os acusados na ação de improbidade administrativa

O Ministério Público Federal recorreu e o desembargador Jair Varão, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas, decidiu (em caráter temporário) incluir o ex-governador.

O desembargador justificou a alteração por entender que Azeredo foi o “maior beneficiário da campanha eleitoral” para a qual o valor foi repassado.

“Não sendo crível que o candidato à governadoria do Estado, ocupante do cargo de governador do Estado à época, não estava a par da origem dos recursos destinados à sua própria campanha eleitoral, na presente ação terá ele, ou não, a oportunidade de esclarecer os fatos”

Jair Varão

Desembargador da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas e relator da ação

A ação continua em curso e o bloqueio de bens de Azeredo será analisada pelos demais integrantes do Tribunal de Justiça. A defesa do ex-governador afirma que não há indícios de que o tucano tenha  envolvimento com os desvios ocorridos nas estatais.

Se for condenado por improbidade, Azeredo pode ser obrigado a ressarcir os cofres públicos e ter os direitos políticos suspensos.

Além dessa decisão, o Ministério Público de Minas ajuizou mais uma ação cível em que pede o bloqueio de R$ 1,6 milhão em bens de Azeredo e de outros réus, conforme reportagem de “O Estado de S. Paulo”. Essa ação refere-se aos prejuízos causados por repasses ilegais que, segundo a promotoria, o extinto Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais) fez a empresas de Marcos Valério.

Na esfera criminal, há condenações

Marcos Valério
 MARCOS VALÉRIO TEVE PARTICIPAÇÃO NO MENSALÃO DO PT E TUCANO


Azeredo foi condenado a 20 anos e 10 meses de prisão, em regime fechado, por peculato e lavagem de dinheiro pela Justiça de Minas, em dezembro de 2015. A defesa recorreu e o ex-governador aguarda em liberdade.

A juíza Melissa Pinheiro Costa Lage, da 9ª Vara Criminal, afirmou que foi criada uma “organização criminosa complexa”. “(...) uma estrutura político-financeira a fim de legitimar, lavar, os vultosos recursos que seriam utilizados durante a campanha”, escreveu a juíza.

Mais oito réus acusados de envolvimento no mensalão tucano são julgados em dois processos. Não há condenação contra nenhum deles até o momento e todos negam irregularidades nos contratos firmados ou que tenha havido repasse ilegal para a campanha.

Em razão da demora do julgamento, dois réus, o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia e Cláudio Morão, foram excluídos da ação porque completaram 70 anos e os crimes pelos quais respondiam prescreveram. Walfrido era o vice de Azeredo e Morão era o tesoureiro da campanha tucana em 1998.

Réus do mensalão tucano

CLÉSIO ANDRADE (PMDB)

O ex-senador foi candidato a vice-governador na chapa de Azeredo em 1998. Ele é acusado de peculato e lavagem de dinheiro. Ele também teve os bens bloqueados na ação civil por improbidade administrativa. Entre 2003 e 2006, Andrade foi vice-governador no primeiro mandato de Aécio Neves. Ele nega que tenha atuado em irregularidades.

JOSÉ AFONSO BICALHO

Atual secretário da Fazenda do governo de Minas, Bicalho era presidente do Bemge na época em que o mensalão tucano ocorreu. Segundo a acusação, o banco fez repasses ilegais às agências de Marcos Valério, o que ele nega.

MARCOS VALÉRIO

O publicitário está preso, cumprindo a pena de 37 anos imposta a ele por envolvimento no mensalão petista. Exceção aos demais réus, ele negocia um acordo de delação premiada com a Justiça mineira – o acordo, para valer, exige que ele confesse os crimes cometidos.

DOIS SÓCIOS DE VALÉRIO

São réus também dois sócios das agências de publicidade de Marcos Valério: Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, também condenados no esquema do mensalão petista.

JORNALISTA E EX-DIRETORES

Respondem ainda aos processos Lauro Wilson de Lima Filho e Renato Caporali, ex-diretores da Comig (Companhia Mineradora de Minas Gerais). A estatal aparece como uma das responsáveis por contratos fraudulentos usados para o repasse de dinheiro para a campanha de Azeredo. O jornalista e publicitário Eduardo Guedes, à época secretário-adjunto de Comunicação do governo, é acusado de ter participado do esquema.

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https://www.nexojornal.com.br/…/Uma-campanha-de-1998-deu-or…

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