terça-feira, 17 de abril de 2018

Um pouco sobre esquerda e direita, para não “pagar mico”.







Ser de esquerda é uma opção de vida, é a luta incessante, por justiça social, por respeito à diversidade, por uma sociedade igualitária, entre outras lutas, que são bandeiras da esquerda. Militar em qualquer partido político é uma escolha de cidadã, para exercer as suas bandeiras. Em outras, palavras não sou de esquerda por ser filiado ao PT, é o contrário, sou filiado ao PT por ser de esquerda. E, não, não é a mesma coisa. Amanhã ou depois se eu resolver deixar o Partido dos Trabalhadores, ainda assim, permanecerei sendo de esquerda. Posso deixar de ser petista, jamais conseguiria deixar de ser de esquerda, ser de esquerda me constitui enquanto gente.
Temos uma infinidade de partidos políticos no Brasil, a grande maioria deles não passa de legenda de aluguel, vendendo-se pelo fundo partidário e vendendo minutos do programa eleitoral, fazendo coligações espúrias. São quase 40 partidos. Quantos são realmente ideológicos? Talvez, os que realmente tenham bandeiras ideológicas definidas à direita ou à esquerda sejam 6 ou 7 partidos, não mais que isso.
Esse emaranhado de “ideias”, e falsas práticas, confunde a cabeça das pessoas e gera uma despolitização que enfraquece a participação democrática e a construção de uma sociedade que se torne justa. Em outras palavras, a sopa de letrinhas de partidos sem qualquer identificação ideológica impede a conscientização dos cidadãos. Tal falta de conscientização gera aberrações, entre elas, o dito “pobre de direita”.
O que pretendo defender aqui, de forma simples, é a diferença entre esquerda e direita, que não são diferenças sutis, pelo contrário, são diferenças conceituais substanciais. Não irei, por falta de tempo e para não alongar demais, falar sobre as origens de esquerda e direita que nos remete à Revolução Francesa; peço perdão, por isso, e recomendo leituras sobre o tema. Em outras, palavras a proposta é falar sobre as oposições entre direita e esquerda.
E parece que o x da questão está, justamente, na contradição entre esquerda e direita. Explico. Enquanto a direita defende as liberdades individuais, por exemplo, o direito de cada pessoa possa ter todos os bens de luxo e riquezas, que garantam uma vida “confortável”, dentro dos padrões estabelecidos pelo status quo. A esquerda, por sua vez, defende que todos tenham, pelo menos, o mínimo necessário para uma vida digna e que sejam garantidas a todos as mesmas oportunidades, o que chamamos de justiça social.
Grosso modo, para o filósofo político Norberto Bobbio, embora esquerda e direita realizem reformas, uma diferença seria que a esquerda busca promover a justiça social enquanto a direita trabalha pela liberdade individual.
“Esquerda e direita indicam programas contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence habitualmente à ação política, contrastes não só de ideias, mas também de interesses e de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade, contrastes que existem em toda a sociedade e que não vejo como possam simplesmente desaparecer. Pode-se naturalmente replicar que os contrastes existem, mas não são mais do tempo em que nasceu a distinção”, escreve Bobbio no livro “Direita e Esquerda – Razões e Significados de uma Distinção Política”.
Equalizar essas duas visões de mundo, a saber, justiça social e liberdades individuais, é o desafio praticamente revolucionário, para quem acredita na construção de uma nova civilização.
Precisamos construir uma nova civilização, escreveu Mujica, essa nova forma de pensar e agir romperia os grilhões da servidão moderna, o consumismo desenfreado, que tem levado homens e mulheres a serem escravos do trabalho e a destruição do planeta.
Nosso estilo de vida encaminha a atual espécie humana à extinção. Em outras palavras, se as sociedades não modificarem o sistema vigente desapareceremos enquanto espécie.
O historiador Yuval Harari, no entanto, escreve que a justiça social (igualdade) e as liberdades individuais são valores contraditórios. O autor para reafirmar sua ideia de contradição desses dois valores recorda os romances de Charles Dickens nos quais se percebe que os regimes liberais da Europa, em que pese à garantia das liberdades individuais, trabalham com a exclusão de centenas de pessoas levando “famílias insolventes à prisão” e “não dando aos órfãos outra opção de vida além de se juntar a grupos de batedores de carteira”. Por outro lado, os romances de Alexsander Soljenítsin que os regimes tidos como “comunistas”, ainda que tenham possibilitado, em parte, o ideal igualitário, suprimiram as liberdades individuais.
Ambos os regimes, o “igualitário comunista” e o “liberal capitalista” fracassaram por não equalizar a contradição entre liberdades individuais e a justiça social. E não vejo ser viável, dentro dos dois sistemas a junção desses dois valores. Penso ser impossível dentro do capitalismo, garantir a todos uma “vida de luxo”, dentro dos padrões vigentes do consumismo, os recursos naturais do planeta não suportariam tal demanda, logo para que alguns tenham todos os bens de consumo que julguem ser necessários, é necessário que a outros tantos (a grande maioria) seja negado até o básico necessário. Em outras palavras, o capitalismo trabalha com a exclusão de milhões de pessoas, que jamais terão os mesmos bens, “de luxo” e, pior, lutarão a vida inteira para ter o mínimo necessário.
No entanto, acredito da mesma forma, na impossibilidade do comunismo garantir a justiça social, sem suprimir as liberdades individuais. Como garantir a igualdade, sem proibir o consumismo desenfreado? Como falar em justiça social sem excluir a propriedade privada dos meios de produção?
Dito isso, faço uma reflexão sobre a democracia do sistema capitalista, em que pese tal democracia, ainda que limitada, ser melhor do que qualquer regime autoritário, na ótica do capital ela torna-se tão somente uma ilusão, não tão doce algumas vezes. A ilusão da segurança, por exemplo, na liberação do uso das armas, nos diz que as liberdades individuais deveriam permitir que os “cidadãos de bem” tivessem armas para defender-se contra aqueles que “não são de bens”. Ora, nenhuma pesquisa séria, pelo menos que eu tenha conhecimento, comprova o uso de armas para a defesa pessoal. Ao contrário, as armas são utilizadas em desavenças no trânsito, com vizinhos ou na própria casa.
Mas a indústria bélica é poderosa, e grande financiadora de campanhas eleitorais, elegendo representantes que defendem abertamente a liberação das armas, o “lobby”, no entanto, nada tem a ver, com a segurança da “população de bem” ou com as “liberdades individuais”, trata-se tão somente de maiores lucros aos “empresários da bala”, que elegem, no Brasil, por exemplo, uma “bancada da bala”. Assim descaminha o capitalismo.
Nos EUA, em que as “liberdades individuais” são garantidas, e que na maioria dos estados o acesso às armas é “facilitado”, jovens estudantes marcham na tentativa de regulamentar ou dificultar a posse de armas, motivados pelo número cada vez mais elevados de tiroteios em escolas e universidades. No entanto, o presidente dos EUA, em vez de discutir com a população deseja, para “resolver” o problema dos tiroteios, armar os professores.
Marcia Tiburi, no livro Como conversar com um fascista, escancara a falácia democrática do capitalismo, diz ela “A sedução capitalista que escamoteia a opressão organiza-se na forma de uma constelação de palavras mágicas, por meio das quais o falante e o ouvinte acreditam realizar todos os seus desejos. Palavras como felicidade, ética, liberdade, oportunidade, mérito, são todas mágicas. Uma dessas palavras mágicas usadas pelo capitalismo é a palavra ‘democracia’. Antidemocrático, o capitalismo precisa ocultar sua única democracia verdadeira, a partilha da miséria”.
Mas como garantir que os milhares de famintos, aqueles que ficam apartados dos bens de consumo, que são vendidos como “solução para uma vida feliz” e até mesmo excluídos, muitas vezes, dos bens realmente necessários à sobrevivência não se revoltem? Como impedir a rebelião de todos os famintos e maltrapilhos que são milhares? Como dizer para os que não têm educação, saúde e segurança de qualidade que não se revoltem e apenas trabalhem?
Pregando a sedução da “meritocracia”, por exemplo, uma ilusão típica do sistema capitalista, diz que se você trabalhar muito, mas muito mesmo, poderá ter acesso a todos esses bens, e que se esforçar bastante, terá as mesmas condições de vida dos “privilegiados”, que na verdade, na ótica capitalista, são pessoas que tiveram muitos méritos. E os milhões de excluídos? São todos vagabundos, usurpadores, pessoas inúteis, um verdadeiro incômodo na sociedade de consumo. São parasitas. Não são “cidadãos de bem”.
Outra forma é criminalizar os que, não aceitando a ilusão capitalista, lutam pela inversão de prioridades e que desejam a democracia de fato, a saber, “um governo do povo e para o povo”. “O capitalismo – escreveu Marcia Tiburi – depende da criação de estigmas contra tudo o que vem a criticá-lo”, neste sentido vemos, por exemplo, a tentativa de colar nos movimentos sociais – sobretudo o MST (Movimento dos Sem Terra) e MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) – a acunha de “terroristas”. Mais do que isso, há quem deseja, no Congresso, classificar os movimentos sociais como terroristas de fato.
“A maioria da população brasileira está há décadas alijada do direito a uma educação de qualidade que lhe faça cidadã com capacidade de pensamento crítico e de reconhecimento da diversidade cultural e humana (…)”, escreveu Jean Wyllys, no prefácio do livro, já citado, de Marcia Tiburi. Mas essa negação do direito de acesso à educação de qualidade a toda população, não se trata apenas de “maldade” dos que detém o poder, eles são maus, mas não é isso – ou somente isso – que impede que eles permitam uma educação pública de qualidade. “A crise na educação no Brasil, não é uma crise, mas um projeto”, escreveu Darcy Ribeiro, ainda na década de 1980.
O objetivo é “formar” uma “massa de cidadãos” não conscientizados e, portanto, não críticos, um povo controlado, que aceite viver na “Matrix”, imposta pelo sistema, e jamais tente se libertar da caverna, na qual estão aprisionados, mas que imaginam ser livres. São pessoas que trabalham de 8 às 10 horas por dia, não pense trabalhe; que pegam ônibus lotado de ida e volta; que deixam os filhos sozinhos a maior parte do dia, a mercê da criminalidade. E à noite, no pouco tempo que resta – quando resta algum tempo – senta à frente da televisão para assistir o único “lazer” que o sistema ainda lhe permite, ali passa a novela. E na novela todo “pobre” igual a ele, é “classe média”, vive bem, tem tudo o que ele sempre desejou e tem, pois “trabalha” muito. Então, esse pobre trabalhador, vai dormir pensando que precisa trabalhar mais ainda para ser digno de um final feliz com o da novela.
Esse mesmo trabalhador, no outro dia, vê uma manifestação de outros trabalhadores, são pessoas como ele, mas ele não sabe – ou melhor, não reconhece – não se vê neles, são pessoas que romperam a Matriz, que se libertaram da caverna, mas ele os considera “vagabundos”, “vândalos”, “marginais”, “tudo aquilo que não presta”. Ele viu isso na TV, ou mais modernamente, ele leu no Facebook. São comunistas, querem transformar o Brasil numa Cuba. Mas está livre disso, o pastor o avisou que isso é coisa do diabo, portanto, ele não cai na lábia desses “vermelhos”, ele é um pobre de direita.
Aqui preciso dizer que as religiões, principalmente as pentecostais – peço perdão pela generalização – e nesta “linha”, coloco o Movimento da Renovação Carismática, ligado à Igreja Católica, pregam a submissão do povo ao sistema, um “Deus não deu”, conforme-se, reze e espere a sua recompensa nos céus. E, claro, não esqueça de pagar o dízimo. Nesse contexto, vemos pastores e pessoas ligadas a religião, pregando o ódio e espalhando mentiras, tentando impor à população mais carente o medo, e através dele, a dominação dessas pessoas a “Matrix”. “Não saiam da caverna ovelhas, lá é o lugar do diabo”. “O diabo veste vermelho”. Felizmente, não são todos os religiosos que estão a serviço da “Matrix” romperam os grilhões da opressão e, por isso, veem o mundo com outro olhar.
Convenhamos fazer o discurso da direita é mais fácil do que fazer o discurso da esquerda. A luta é grande, mas necessária.

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Julio Cezar Gonçalves Sosa Professor Ensino Fundamental e Médio; Licenciado em História e Especialista em Rio Grande do Sul pela FURG; Mestre em Ensino de História (PROFHISTÓRIA). e Graduando em Filosofia pela UFPel.

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