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Para Zuenir Ventura 1968 foi o ano que não terminou. Para mim foi o ano que começou bem e terminou mal.
O ano começou com duas notícias promissoras, ou “alvissareiras”, como diria o finado João Amazonas, em seu estilo algo parnasiano e rebuscado. Embora de fontes e motivações inteiramente diversas. Primeiro, a ONU declarou 1968 o “Ano Internacional dos Direitos Humanos”. Bela notícia para um Brasil ditatorial pós-64. Segundo, em 31 de janeiro começou a ofensiva do Tet, no Vietnam, com os Viet-congs conseguindo significativas vitórias e na sequência, entre outros feitos, tomando a cidade de Hué e entrando na então Saigon (hoje Ho-Chi-Minh) até o jardim da Embaixada dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, do outro lado da Cortina de Ferro, começava a Primavera de Praga, na Tchecoeslováquia, liderada por Aleksander Dubcek, que prometia tornar o regime comunista algo democrático, conforme as propostas de origem. Na Alemanha, os estudantes clamavam, nas ruas e em casa, “papai, mamãe, vovô, vovó, titio, titia, reitor da Universidade, demais autoridades, o que vocês fizeram e onde estavam durante o regime nazista”? Começaram manifestações em diversas universidades, armava-se a Rote Armee Fraktion, que levaria o nome de Baader-Meinhof, seus líderes. Rudi Dutschke era o líder que pontificava. Já em 1967, como no mundo inteiro, as manifestações pululavam. Numa delas, contra a presença do Xá da Pérsia em Berlim, Reaza Pahlavi, o estudante Benno Ohnesorge fora morto por balas da polícia. No Brasil as manifestações contra a ditadura acresciam. No fim de março, no restaurante Calabouço (que nome!) o estudante Edson Luiz também foi morto por balas da polícia. Estudantes da USP ocuparam a Faculdade de Filosofia, na Rua Maria Antônia, e começaram o processo das Comissões Paritárias. Em todos os cantos do mundo pulsava o sentimento de uma Revolução. A partir de março a pulsação chegou à França. Nanterre, Paris, Toulouse, etc., a revolta tomou as ruas e as barricadas, como se dizia, as bloquearam mas abriam o caminho. A juventude ameaçava tudo. A CGT decretou greve geral. Charles De Gaulle dissolveu o governo. Como dissera Marx - mas com outro propósito - tudo o que era sólido se desmanchava no ar. Era proibido proibir. Nos Estados Unidos, os Black Panther rugiam. O movimento de protesto dos negros incendiou (literalmente) Washington e outras cidades. Os costumes tradicionais periclitavam. A virgindade pré-casamento das mulheres deixava de ser um valor. A homossexualidade e o lesbianismo ganhavam foros de igualdade. A Tropicália nascia. E por aí se ia. Então… Martin Luther King e Robert Kennedy foram assassinados. Rudi Dutschke foi vítima de um atentado que lhe tiraria a vida anos mais tarde. O elenco de Roda Viva e Norma Benguell foram espancados em S. Paulo. Ela foi sequestrada e levada secretamente ao Rio de Janeiro. No Brasil a repressão crescia e nascia a luta armada. A Maria Antônia foi invadida pelos estudantes de direita aliados à polícia e destruída. Os Estados Unidos e o Vietnã do Sul começaram uma contra-ofensiva que retomou Hué, embora esta estivesse reduzida a escombros e começaram a pulverizar o Vietnã com napalm. Em maio ocorrera o massacre de My Lai, pratica que se tornaria corriqueira nos anos subsequentes. Bom, deve-se dizer que numa das maiores e mais sangrentas batalhas da guerra, os EUA e os sul-vietnamitas perderam a base de Khe Sahn, no norte do país. Era o começo da derrocada: os EUA (pelo menos as mentes mais lúcidas) começaram a compreender que a guerra estava perdida. A União Soviética perdeu a paciência com Dubcek e a sua primavera. No fim do verão e no começo do outono os tanques de Moscou ocuparam a Tchecoeslováquia, pondo fim à “brincadeira”. No Brasil, ocorreu a “Passeata dos Cem Mil”, em 26 de junho, no Rio de Janeiro. Mas na sequencia o governo de Costa Silva proibiu manifestações de rua, a repressão se intensificou, e o Congresso da UNE em Ibiúna, no interior de São Paulo, se tornou uma das maiores prisões em massa já efetuada no Brasil. No final do ano, a Missa Diabólica de 13 de dezembro decretou o Ato 5, fechando de vez num calabouço o Brasil já fechado numa masmorra. Como eu disse no começo, de outra maneira, foi um final melancólico para um ano que começara promissor. De meu lado pessoal, tive a minha primeira grande experiência profissional no Colégio Israelita Brasileiro, de Porto Alegre. Não vou citar nomes para não melindrar ninguém. Foi um ano trepidante, de muito aprendizado sobre como ser professor para valer. No fim do ano, cinco de nós fomos expulsos do Colégio, porque éramos comunistas demais. Embora, acho, nenhum de nós fosse comunista. Outros 17 professores se demitiram em solidariedade. Fui para S. Paulo, decidido a fazer pós-graduação em Letras. Eu tinha ligação com o grupo de Teoria Literária da Faculdade de Filosofia da USP, liderado por Angelo Ricci e Dionísio Toledo. Eu deveria voltar depois do mestrado e do doutorado. No ano seguinte, todos foram cassados pela Ditadura, porque o prof. Angelo Ricci, que era diretor da Faculdade, se recusou a fechar o Centro Acadêmico. Eu me vi na situação do índio que foi visitar a cidade grande e descobriu que toda a sua tribo fora dizimada. Não tinha para onde voltar. Desde então não parei de correr mundo. Tenho saudades de 1968? Sim e não. Não tenho saudades dos tempos vividos sob a ditadura. Mas tenho orgulho de ter vivido aquele tempo, “que os anos não trazem mais”.
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TERRAS ALTAS DA MANTIQUEIRA = ALAGOA - AIURUOCA - DELFIM MOREIRA - ITAMONTE - ITANHANDU - MARMELÓPOLIS - PASSA QUATRO - POUSO ALTO - SÃO SEBASTIÃO DO RIO VERDE - VIRGÍNIA.
segunda-feira, 7 de maio de 2018
Carta de Berlim - 1968: o ano que começou bem e terminou mal.
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