sexta-feira, 15 de junho de 2018

Putin bem que avisou (há dez anos)



Da Redação do Duplo Expresso,
9/6/2018, Finian Cunningham, Sputnik
Traduzido Pelo Coletivo Vila Vudu
Não se pode culpar o presidente russo Vladimir Putin, por saborear um momento ‘eu-avisei’. Putin realmente avisou líderes europeus de que a briga geral em que estão eles todos metidos de um lado, contra os EUA, de outro lado, é o que sempre acontece quando alguém se curva com demasiado servilismo às ambições hegemonistas dos EUA.
Contra isso, precisamente, o presidente Putin alertou no hoje famoso discurso de 2007 em Munique[1] sobre a crescente desordem global.
Semana passada, durante sua maratona de Perguntas e Respostas por televisão, com cidadãos russos, Putin fez referência às tarifas comerciais sem precedentes que o presidente Trump está aplicando aos estados europeus.
Muito acertadamente, Putin disse que aquelas penalidades são efetivamente uma modalidade de sanções econômicas que Washington impôs aos seus supostos aliados.
Putin sugeriu que os europeus estão agora sentindo o gosto amargo das sanções aplicadas a Moscou por potências ocidentais, sobre infundadas alegações relacionadas ao conflito na Ucrânia que já chega aos quatro anos.
As consequências amargas da guerra comercial de fato que Trump faz à Europa, Canadá e Japão já era muito aparente durante a mal-humorada reunião de cúpula do G7 essa semana em Quebec.
O primeiro-ministro do Canadá Justin Trudeau denunciou medidas comerciais “ilegais” dos EUA; o presidente da França Emmanuel Macron jogou ao mar a “amizade colorida” que o ligou a Trump e declarou que os países ocidentais industrializados plus o Japão devem ser reformatados para “G6”, sem os EUA, para contra-atacar a “hegemonia” de Washington.
Falando em nome do bloco europeu, Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, manifestou sua frustração ante o crescente desdém de Washington pelo multilateralismo, dizendo que, no governo Trump, os EUA estão destruindo as “ordem global baseada na lei”.
Mas, calma. Voltemos àquele discurso que Putin fez em 2007 na Conferência de Segurança de Munique. Há mais de dez anos, o líder russo ofereceu uma advertência aguda, presciente, quando disse que as ambições hegemônicas dos norte-americanos a total poder unipolar e hegemonista inevitavelmente quebraria o equilíbrio global.
Lá em 2007, Putin explicitamente advertiu que o movimento de Washington na direção de disputar a dominância global sem deixar espaço para desafiantes levaria ao caos da lei e da ordem internacionais. Aconteceu no auge das guerras pós-11/9 insufladas pelos EUA no Oriente Médio, às quais os estados europeus curvaram-se muito reverencialmente, apesar de serem guerras ilegais e estarem gerando problemas globais de terrorismo e crises de refugiados.
A lição essencial de Putin em Munique mais há mais de dez anos, de que a ordem mundial de multilateralismo e diplomacia não conseguiria resistir ao assalto de um aspirante a hegemon, fosse os EUA ou qualquer outra potência.
Hoje, a análise do presidente russo provou-se acertadíssima, como se comprova pelo choque entre europeus e canadenses ao se verem tratados como se não passassem de vassalos do valentão norte-americano.
Washington sob Trump está mostrando sua verdadeira cara aos supostos “aliados”. Para Washington, evidentemente, não há aliados, só clientes; que têm de fazer o jogo do capitalismo e do imperialismo norte-americano. Não se tolera nenhuma diferença, sob o açoite da retribuição econômica, cujo gosto amargo europeus e Canadá estão agora conhecendo.
O contraste entre o G7 dividido e o encontro que acontece paralelamente na China essa semana não poderia ser mais instrutivo.
No fim de semana o presidente Xi Jinping da China recebeu calorosamente Putin e os líderes de Irã, Índia, Paquistão, Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão para a reunião anual da Organização de Cooperação de Xangai, OCX.
Putin foi condecorado com a Medalha da Amizade e apresentado pelo presidente Xi como seu melhor aliado. Todos os delegados da OCX destacaram a importância estratégica da cooperação fraterna e do multilateralismo – o exato oposto do fracasso que se vê em andamento no G7 no Canadá.
Nesses dois eventos vemos duas visões diametralmente opostos das relações globais. O G7 só tem a ver com EUA fazer-se de valente como se fosse senhor da dominação unipolar. Na OCX fala-se de um novo mundo de parceria multipolar. G7 é receita para cada vez mais guerras e conflitos; a OCX é via rumo à prosperidade e ao desenvolvimento para as maiorias e à coexistência pacífica.
Ironicamente porém parece que as potências europeias ainda não entenderam completamente essa nova realidade.
As sensibilidades e interesses gravemente arranhados dos europeus parecem demonstrar que começam a perceber, pelo menos até certo ponto, que estão sendo usados e abusados a favor das ânsias hegemonistas de Washington. Europeus e o Canadá choram e rangem dentes de desespero, ao mesmo tempo em que falam de “se afirmarem” sem os EUA.
Mesmo assim, apesar do choro e ranger de dentes, os vassalos ocidentais ainda não dão sinais de terem realmente entendido o que se passa.
Paradoxalmente, foi Trump quem disse antes da reunião do G7 que a Rússia deve ser readmitida ao fórum. A Rússia foi o oitavo membro do que era então o G8, mas, depois da crise da Ucrânia em 2014, foi expulsa do clube, ante alegações mentirosas de que a Rússia teria desestabilizado a Ucrânia e “anexado” a Crimeia.
Trump pelo menos parece ter analisado além dessa duvidosa decisão; e fala de trazer a Rússia de volta “à mesa de negociações” de um G8 reformado.
Mas os europeus, esses não dão sinal de qualquer lampejo de bom-senso. Exceto a voz dissonante do novo primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte, a UE rejeitou em bloco a oferta de Trump, de reconciliação com a Rússia. Merkel da Alemanha e Macron da França e os demais disseram que não haverá normalização de relações com a Rússia “até que a Crimeia seja devolvida à Ucrânia”.
Os europeus penduram-se eles mesmos à forca, com essa insistência irracional na espúria ‘questão ucraniana’.
A Ucrânia foi muito mais desestabilizada pela intervenção ilegal de Washington e União Europeia, do que por qualquer coisa que a Rússia tenha feito. O povo da Crimeia votou em referendum legal e limpo, a favor de seu país ser reintegrado à Federação Russa. É mais que hora de a Europa superar essa fantasia e parar de fazer exigências fúteis à Rússia.
Fato é que a União Europeia infligiu terríveis dados às economias de seus próprios estados-membros por ter-se rendido apequenadamente à agenda da OTAN comandada pelos EUA, de hostilidade contra a Rússia. Os europeus cederam covardemente às sanções de Washington contra Moscou por absolutamente nenhuma razão aceitável, baseados exclusivamente em acusações rasas e sem qualquer prova de uma fantasiada “interferência” e de alguma “agressão” russa.
Mais de dez anos depois de Putin ter-lhes dito exatamente isso, líderes europeus começam lentamente a se dar conta de que Putin alertou-os sobre a obsessão dos EUA pela dominação unipolar, sobre o bullying doentio e sobre o arrogante “excepcionalismo” dos norte-americanos.
A palavra-chave aqui é “lentamente”. Europeus – quer dizer: o establishment dos principais governo e de Bruxelas – ainda não se deram conta de que foram tratados como vassalos, como seres inferiores, por Washington, como se vê na repetição irracional de frases feitas sobre a Rússia e a Ucrânia.
Líderes europeus – exceto o italiano e uns poucos emergentes – ainda estão imobilizados, enredados num papel de servilismo transatlântico a serviço do imperialismo norte-americano. Nada faz crer que o establishment da União Europeia na configuração que tem hoje saberá romper essa subserviência a Washington, por mais que os norte-americanos façam deles joguete e saco de pancadas.
Eis porque a resposta do Kremlin nesse final de semana à ‘oferta’ de Trump de a Rússia ser readmitida ao G8 não poderia ser mais certeira.
A Rússia respondeu, em tom de perfeito cool, que “estamos focados em outros formatos”.
Pode significar a OCX, a União Econômica Eurasiana e o projeto mais amplo de construir uma ordem global multipolar. Quer dizer, “formatos” baseados em cooperação fraterna e solidariedade genuína, não em abusos, bullying e ‘esperteza’ unilateralista.
No ‘formato’ atual, o G7 não passa de gangue de fracassados. A visão de mundo do G7 é atrasista, antiprogressista. A Rússia está melhor, bem longe daquilo.*******
[1] Vladimir Putin, “Discurso à 43ª Conferência sobre Políticas de Segurança”, Munique, Alemanha, 2/10/2007 (ing.). Aqui, um excerto traduzido em redecastorphoto em 5/3/2012, “Get over it: The Tsar is back”, Pepe Escobar, Al-Jazeera (de Bangkok, Tailândia), traduzido em redecastorphoto, “Agora é encarar: o czar voltou“:

”A Rússia – nós – recebemos incansáveis aulas de democracia. Mas, por alguma razão, nossos ‘professores’ recusam-se a aprender sobre democracia… Um estado, e, sim, claro, mais que todos os EUA, todos os dias ultrapassam suas fronteiras nacionais de todos os modos imagináveis. Vê-se na economia, na política, na cultura, em políticas educacionais que os EUA impõem a todo o planeta. Quem quer isso? Quem vive feliz nesse mundo falsamente multipolar? (…)
Quem poderia viver feliz e em segurança, se a lei internacional é usada como muralha para proteger só eles e sempre eles? E é claro que política internacional desse tipo só faz estimular uma corrida armamentista. (…)
Creio que seja óbvio para todos que a expansão da OTAN nada tem a ver com a modernização da Aliança em si, nem com qualquer intenção de aumentar a segurança da Europa. Ao contrário, é grave provocação, que compromete o nível indispensável de confiança mútua. E temos todo o direito de perguntar: contra quem se orienta toda essa expansão? E que fim levaram as garantias e promessas que ouvimos de nossos parceiros ocidentais, depois da dissolução do Pacto de Varsóvia? Onde andarão hoje aquelas declarações? Ninguém se lembra delas! Mas permito-me relembrar os presentes do que então se disse.
Cito, por exemplo, o que disse o secretário-geral da OTAN, Sr. Woerner, em Bruxelas, dias 17/5/1990: “o fato de que estamos dispostos a não plantar um exército da OTAN fora de território alemão é firme garantia de segurança para a União Soviética”. Sim mas… onde está a garantia?” [excerto]

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