terça-feira, 6 de novembro de 2018

Endurecimento penal de Bolsonaro confronta decisões do STF - Declarações de Jair Bolsonaro sobre o tratamento a ser dados aos presos e ao cumprimento de penas confrontam-se com decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal . Para um ministro do STF, a política de encarceramento em massa não deverá ser acolhida pela Corte.

 


Em 9 de outubro, dois dias após o primeiro turno da eleição presidencial, em entrevista à rádio Jovem Pan, o então presidenciável Jair Bolsonaro anunciou: “Vamos entupir a cadeia de bandidos. Está ruim? É só não fazer besteira. Eu prefiro a cadeia cheia de bandidos que o cemitério cheio de inocentes”. A retórica flamejante da campanha ao Planalto do presidente eleito tromba com uma decisão de fevereiro de 2017 do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, a Corte decidiu, por sete votos a três, que o poder público tem a obrigação de indenizar presos em estabelecimentos superlotados. Nesse mesmo julgamento, os ministros declararam o “estado de coisas inconstitucional” dos presídios brasileiros, pelas condições precárias em que os detentos vivem.

Esse é apenas um exemplo da discrepância do discurso de endurecimento penal de Bolsonaro e decisões tomadas nos últimos anos pelo STF. Ministros da Corte ouvidos pelo jornal O Globo disseram que não mudarão a jurisprudência com o novo governo. Segundo um ministro do STF, o endurecimento penal defendido pelo presidente eleito vai encontrar uma barreira no Supremo porque a superlotação dos presídios não permite uma política de encarceramento maciço. Dessa posição, segundo esse ministro, o Supremo não irá recuar.

Diante de decisões do Palácio do Planalto ou do Congresso que entrem em choque com o entendimento já fixado pelo tribunal, caberá à oposição, ou à Procuradoria-Geral da República (PGR), ajuizar ação na Corte para tentar reverter a medida. No julgamento, a posição tomada antes do governo Bolsonaro deve ser mantida pelo plenário. Em fevereiro deste ano, o presidente eleito disse à Jovem Pan que não seria necessário criar mais vagas em presídios: “Quem falou que não tem vaga? Bota um em cima do outro”. A declaração vai contra outro entendimento do STF. Em 2015, a Corte decidiu que juízes do país podem determinar que o poder público faça reformas em presídios para garantir mais vagas, além da integridade física e moral dos detentos. Segundo ponderou outro ministro da Corte, Bolsonaro pode até tomar iniciativas para endurecer a lei penal, mas precisará criar mais vagas para viabilizá-las.

Audiências de custódia e progressão das penas


Em junho, durante uma sabatina do jornal “Correio Braziliense”, Bolsonaro defendeu o fim das audiências de custódia, em que um preso, até 24 horas após a prisão, é levado à presença de um juiz. O objetivo é verificar se houve maus tratos ao preso. A medida também serve para avaliar se o suspeito precisa ficar detido, ou se pode responder ao processo em liberdade. As audiências de custódia contribuem para evitar a superlotação das cadeias e a prática de abusos por policiais. “Eu acho que a chance de alguém que pratica um furto ficar detido é zero com a audiência de custódia. Tem de acabar com isso. E não vem com essa historinha “ah, os presídios são cheios e não recuperam ninguém”. É problema de quem cometeu o crime”, disse Bolsonaro.

Em setembro de 2015, o STF decidiu que os juízes e tribunais de todo o país realizem as audiências de custódia até 24 horas após a prisão. No julgamento, os ministros afirmaram que a prisão provisória deveria ser eventual, e não uma regra. Eles alertaram para o fato de que há pessoas presas por anos sem terem sido condenadas. Outro foco de potencial conflito entre Bolsonaro e o STF é a progressão de penas. Para o presidente eleito, a regra precisa acabar. Ou seja, por ele, se alguém for preso no regime fechado, não poderá progredir para o regime semiaberto depois de cumprido um sexto da pena, como estabelece a Lei de Execução Penal. O programa de governo de Bolsonaro é explícito: “Prender e deixar preso! Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias!”

Em fevereiro de 2006, por seis votos a cinco, o plenário do STF derrubou um artigo da Lei de Crimes Hediondos que proibia a progressão de regime para quem praticar crimes graves. Embora a decisão tenha sido tomada há 12 anos, a tendência da Corte de hoje, que tem novos integrantes, é manter o entendimento. Para a maioria do STF, a regra anterior afrontava o princípio da individualização da pena, expresso na Constituição Federal. Segundo a jurisprudência, cabe apenas ao juiz de execução definir se o preso pode ou não ser transferido para um regime mais brando do cumprimento da pena, a depender do comportamento dele.

Há temas penais propostos por Bolsonaro que ainda não foram julgados pelo STF, mas que podem representar choques entre Executivo e Judiciário. Um deles é a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Em caráter reservado, ministros dizem que a tendência é que a proposta seja derrubada em plenário. Por outro lado, Bolsonaro tem o pensamento afinado com o STF quando o assunto é a prisão de réus depois da condenação confirmada por um tribunal de segunda instância. Como parlamentar, ele é coautor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece a regra. Em 2016, o plenário estabeleceu como regra que condenados em segunda instância já podem começar a cumprir pena. O assunto deve voltar a ser julgado no plenário da Corte no primeiro semestre de 2019. A tendência é que o entendimento seja mantido.


Fonte: O Globo

Portal Vermelho

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