quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Moro comete infração ao tirar férias para montar equipe do novo ministério

 


Em termos jurídicos, parece claro que um juiz de Direito só pode aceitar um cargo político no Poder Executivo se, antes, pedir exoneração. Afinal, a Constituição veda que o juiz exerça atividade político-partidária. Consequentemente, parece óbvio — embora o óbvio se esconda e esteja no anonimato no Brasil — que, se o juiz, sem sair do cargo, aceita convite para ser ministro de Estado e, sem sair do cargo, entra em férias para organizar o ministério, ele estará infringindo o Estatuto da Magistratura, o Código de Ética dos juízes e a Constituição da República.

Parece tão simples isso. Além do mais, por qual razão os cidadãos da República têm de continuar a pagar o salário do juiz, em férias, para organizar o seu ministério? Ele tem direito a férias? Pois bem. Se tem, não pode tirá-las na condição de juiz já aceitante de um cargo no Poder Executivo. Isso ou temos de desenhar?

O que espanta (ou não espanta) é que, no Brasil, estamos nos acostumando a deixar passar essas coisas. O tribunal ao qual Moro é vinculado deveria, de oficio, abrir um procedimento. O CNJ tem o dever de fazer. Mas, pelo visto, até agora, nada.

Assim, estamos diante de uma situação híbrida: um juiz que está de férias preparando seu ministério para assumir quando deveria pedir demissão do cargo que é absolutamente incompatível com a política. Nem vamos falar, aqui, da situação criada pela aceitação de um cargo político a convite de um presidente que se beneficiou — em termos eleitorais — das decisões do juiz em tela. Nem é necessário falar das declarações, peremptórias — e conhecidas de todos (público e notório) —, do juiz afirmando que, acaso aceitasse um cargo político, isso colocaria em dúvida a integridade (vejam, colocaria em dúvida a integridade) do trabalho por ele realizado (as palavras são essas mesmas).

Todavia, nada disso nos importa, aqui. Estamos apenas chamando a atenção para a falta de prestação de contas à sociedade e a falta da prestação de contas dos órgãos que deveriam fiscalizar os atos dos agentes públicos. Essa prestação de contas se chama accountability.

Não esqueçamos que a imparcialidade de um juiz é a joia da coroa judiciária. No momento em que a imparcialidade sai por uma porta, por outra entra o vale-tudo. Inocentes pagarão pelos culpados. É a instituição judiciária que está em jogo.

Se isso vira precedente, qualquer juiz ou membro do MP poderá negociar seu cargo com um governo. Se o governo aceitar que o juiz ou promotor assuma o novo cargo, esse juiz poderá continuar no cargo montando sua pasta, até o dia da posse. Sim, porque, afinal, qual é a diferença entre estar de férias e estar no exercício da função? Afinal, o próprio Moro estava em férias quando impediu o cumprimento de um Habeas Corpus, não faz muito.

Ou seja, se para Moro não existe férias para juízes — estando sempre com competência (há até acórdãos de tribunais dizendo isso, errada ou acertadamente) —, então podemos concluir, sem medo de errar e sem colocar uma gota de subjetivismo, que o juiz Sergio Moro, em férias ou não, está exercendo atividade outra que não a de magistrado. Ou montar um ministério é atividade de um magistrado?

Aliás, segundo o jornal O Globo, só depois de suas férias é que o TRF-4 poderá providenciar o seu substituto na "lava jato" (afinal, como se sabe, o juiz é titular e só abre vacância com sua saída, e não por suas férias!). Mais um prejuízo.

No caso, a montagem do Ministério da Justiça e Segurança constitui atividade tipicamente político-partidária, totalmente estranha à magistratura. Estando ainda no cargo. Não é necessário ser filiado para exercer atividade política partidária. Aliás, fosse necessária a filiação para configurar o tipo administrativo, a Constituição teria colocado "filiação", e não a palavra atividade.

Aguardemos. Na verdade, este texto é muito mais uma pauta para jornalistas do que um material para juristas e para o Judiciário, se nos permitem uma pequena ironia!

Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional, Fundamentos de Direito Público e Teoria Geral do Direito da PUC-SP, pós-doutor em Teoria Geral do Direito pela Universidade de Lisboa e doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.
*Publicado originalmente no Consultor Jurídico


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