quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A capacidade de simular indignação torna complicado debater com Aécio.

Sobre ontem à noite


Não é fácil debater com Aécio Neves, como ficou claro ontem.
Aécio tem um atributo clássico em políticos tradicionais, ou em demagogos, caso você prefira uma palavra mais exata: a capacidade de simular indignação e, assim, comover as pessoas mais crédulas e inocentes.
Vê-lo em ação me lembra, sempre, uma passagem de Orestes Quércia num Roda Viva. Quércia fingiu indignar-se com uma pergunta e chegou a se levantar da cadeira para tentar agredir fisicamente, aspas, o autor dela.
Mas estava claro, a quem não era tão ingênuo assim, que Quércia estava tão calmo naquele momento como se estivesse tomando uma cerveja com amigos num domingo de sol.
No debate da Band, Aécio recorreu à indignação calculada quando Dilma mencionou o nepotismo que o marca como administrador.
O nepotismo é a maior negação da meritocracia, uma palavra que Aécio usa com obsessão nesta campanha como alternativa ao “aparelhamento” petista.
A maior expressão do nepotismo de Aécio – longe de ser a única – é sua irmã, Andrea Neves. Como é amplamente sabido, Andrea trabalha com Aécio e é uma das pessoas que mais o influenciam.
O marido de Andrea, Luiz Marcio, é quem cuida da agenda de Aécio na campanha.
Citada Andrea, o talento de Aécio para simular indignação jorrou no debate da Band.
Ele chamou Dilma de “leviana” e disse que ela tinha a obrigação de dizer o que Andrea fazia.
É uma pena que o debate seja tão engessado, e que Dilma não tenha demonstrando presença de espírito para continuar no assunto para expor a falácia de Aécio sobre a irmã.
Dilma não é uma debatedora natural, e isso pode custar caro a ela em enfrentamentos com um adversário com uma carga mínima de escrúpulos.
A mesma falsa indignação apareceu quando veio à tona o aeroporto que Aécio mandou construir, com dinheiro público, numa fazenda da família.
Aécio reagiu no mesmo tom com que respondeu a Luciana Genro quando esta o enquadrou num debate no primeiro turno.
Há aí um traço peculiar de Aécio. Com Dilma e Luciana, ele foi extremamente incisivo ao defender o indefensável, o aeroporto privado pago com dinheiro público.
Com Bonner, quando o tema foi levantado na sabatina do Jornal Nacional, o tom foi bem diferente, nada áspero. Bonner não foi chamado de “leviano”, ou coisa do gênero.
Outra característica que torna complicado debater com Aécio é a sem cerimônia com que ele aponta nos outros defeitos que ele próprio tem em alta dose.
Várias vezes, no debate de ontem, ele acusou Dilma de “falta de generosidade”, e de não reconhecer erros.
Alguma vez Aécio reconheceu qualquer erro? Ele mostrou algum traço de generosidade nos debates?
No extremo oposto disso, ele repetidas vezes tentou ontem usurpar os méritos do Bolsa Família.
A paternidade do Bolsa Família, repetiu Aécio, seria não de Lula, mas de FHC. Ora, durante muito tempo o programa foi desprezado, por Aécio e tucanos, como Bolsa Esmola.
Agora o pai é FHC?
O repertório demagógico de Aécio é vasto. Ele disse ontem, mais uma vez, que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa se demitiu, conforme consta de uma ata da empresa.
Ora: todo mundo sabe como funciona o cerimonial em tantas corporações e governos. A pessoa é despedida e, oficialmente, pede demissão.
Tivemos, há pouco, o caso de Patrícia Poeta na Globo. No comunicado da Globo, depois de excelentes serviços prestados ao JN, ela estava saindo porque desde o começo estipulara que ficaria três anos no posto, conforme registrado em seu contrato.
Haverá outros debates.
Aécio seguirá em seu tom. Dilma tem que se preparar melhor. Não estou dizendo que ela tenha que ser demagoga, ou cínica, ou falaciosa como seu adversário.
Mas tem que ser mais rápida e mais convincentes nas respostas, e não abandonar assuntos como o do nepotismo enquanto não forem esgotados.
Na economia, isso é particularmente importante.
Aécio faz um corte maroto e diz, insistentemente, que o Brasil cresce menos que os vizinhos.
Há copiosos dados – de organismos internacionais — que dão contexto justo e esclarecedor ao estado da economia do Brasil.
A poderosa Alemanha está em recessão, a recuperação econômica americana não veio e até a China cresce a taxas tímidas se comparadas às de alguns anos atrás.
Minas mesmo: dados do IBGE mostram como a economia de Minas, em anos sob Aécio, cresceu bem menos que os vizinhos.
Nos próximos debates, Dilma não deve agir como Aécio, porque seria péssimo para os brasileiros serem manipulados não por um dos candidatos, mas por ambos.
Mas ela poderia incorporar um pouco, ou muito, do espírito de Luciana Genro.


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Dilma lembra do aeroporto do tio de Aécio em Cláudio - MG e é chamada de leviana.


Aécio Neves Chama Dilma de Leviana - Debate Presidencial na Band Segundo Turno - 14/10/14



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Aécio não ganhou os votos de Marina, mas herdou o coitadismo.

Eles


O apoio tardio de Marina Silva a Aécio Neves, depois de uma negociação interminável, não rendeu votos ao tucano, mas parece ter provocado uma transferência sensível de humor.
Aécio está incorporando o coitadismo de Marina.
Depois do número do dedo em riste (“leviana!”) no debate com Dilma, o candidato do PSDB reclamou que é “vítima de ódio e rancor”.
Estão sendo ditas “mentiras, infâmias e calúnias” sobre ele. É uma campanha desesperada, “que não consegue olhar para o futuro. Ela olha para o passado”.
Para Aécio, esse é “o modus operandi do PT. Minas Gerais é o estado que tem o maior número de municípios em todo Brasil e temos a melhor educação fundamental do Brasil”.
A vitimização é um jogo de cena que foi bastante usado por Marina no primeiro turno. Ela ainda tinha um agravante passivo agressivo: ao mesmo tempo em que se queixava, batia sem dó. O ápice foi quando declarou que passou fome.
No caso de Aécio essa tática é, sob todos os aspectos, uma piada. Em seu mundo ideal — a Minas Gerais de suas duas gestões, digamos –, ele solaria à vontade, sem ser questionado por ninguém a respeito de nada.
Quando convocado a se explicar a respeito de questões fundamentais para a sociedade, e que se referem a sua vida pública, tenta transformar tudo num drama.
Na Band, foi confrontado com seus fantasmas. Perdeu as estribeiras ao falar do aeroporto do tio. E mentiu. Mentiu que venceu todas as eleições em seu estado, mentiu sobre o aumento de homicídios por lá, mentiu quando afirmou nunca ter criticado o Mais Médicos…
Embora não colasse, Marina ainda tinha, de certo modo, uma adequação ao papel de coitada. O physique du rôle. Ex-seringueira, cinco vezes malária, magrinha, analfabeta até os 16 anos etc etc.
Aécio, pelo contrário, desfila todo aquele aplomb de moço bem criado, o terno sob medida, o botox, a pele bronzeada, o orgulho viril meritocrata — além da ironia profissional exibida ao longo dos últimos meses. Não cabe, de uma hora para outra, virar um mártir.
Se ele é vítima, talvez seja da própria Marina. Segundo o Datafolha, 23% dos eleitores responderam que o apoio dela faria com que eles não votassem no candidato indicado.
Essa estratégia não funcionou com a ex-candidata do PSB e não vai funcionar com Aécio. Mas, se ele quiser insistir, pode pedir conselhos a sua nova colega de palanque. O xalezinho sobre os ombros cairia bem.


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O Datafolha parece mostrar que o ¨momento¨de Aécio passou.

No debate, foi confrontado com o aeroporto
No debate, foi confrontado com o aeroporto.


Quando saíram os resultados do primeiro turno, escrevi que os tucanos tinham motivos para ir às ruas festejar enquanto os petistas deveriam entender melhor o que aconteceu.
Agora, com o Datafolha que acaba de sair, a situação é mais ou menos inversa, a nove dias da eleição.
O empate técnico entre Dilma e Aécio – 51% a 49% para ele – é brutalmente frustrante para a oposição.
Este sentimento fica exposto num tuíte postado por um antipetista entusiasmado, Ricardo Noblat.
“Desfavorável para Aécio a pesquisa Datafolha. Ele não saiu do lugar depois de uma semana de notícias só positivas para ele e negativas para Dilma”, disse Noblat.
Sim, na semana passada o Datafolha trouxera exatamente aqueles números. Só que, de lá para cá, houve fatos como a adesão de Marina e Renata Campos a Aécio, para não falar do bombardeio da mídia no caso Petrobras.
(Isso chama a atenção: Marina, aparentemente, teve impacto ZERO com seu apoio. Provavelmente, seus eleitores mais à esquerda optaram por não segui-la.)
Uma leitura mais minuciosa da pesquisa piora ainda mais o quadro para Aécio.
A aprovação de Dilma, que batera em 32% em julho passado, chegou agora a 40%. No mesmo período, a rejeição baixou de 29% para 21%.
Aécio parece no caminho contrário. Sua rejeição, por exemplo, subiu de 34% para 38%.
A pesquisa não capta o debate de ontem, no qual, fora do antipetismo convicto, pouca gente atribuiu vitória a Aécio, acossado pela exposição de escândalos de corrupção que vão da compra de votos para a reeleição de FHC ao aeroporto de Cláudio.
A decepção com os resultados da pesquisa fora captada pela manhã pela Bolsa de Valores, que caiu 3,24%.
Virou já um dos fatos pitorescos das eleições de 2014: você sabe de dia, pela Bolsa, se as pesquisas que serão divulgadas à noite trarão boas ou más notícias para Dilma.
Nove dias são uma eternidade, numa campanha tão acirrada como esta. Como dizem os locutores de futebol, tudo pode acontecer.
Mas que os ventos, neste momento, sopram vigorosamente a favor de Dilma, isto é indiscutível.

O momento de Aécio, como aconteceu com Marina algumas semanas atrás, dá sinais de estar perto do fim – se é que já não acabou.

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