sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Eleger Dilma para que a tragédia não retorne como farsa.

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Por Paulo Amaro Ferreira*

Em seu 18 do Brumário do Luís Bonaparte, Marx afirma que os fatos e grandes personagens da história ocorrem por duas vezes: a primeira como tragédia e a segunda como farsa. É importante retomarmos esse raciocínio para analisarmos a luta de classes no Brasil, a atual correlação de forças entre elas e como isso incide nas eleições deste ano.
O curto governo de João Goulart (setembro de 1961 a março de 1964) foi repleto de contradições, muito parecidas aliás com as contradições dos governos Lula e Dilma. Jango também teve ministros da direita, seja do PSD ou seja da UDN. Inclusive teve banqueiro como ministro da fazenda. Jango também tentou, em vão, realizar reformas estruturais utilizando a estratégia institucional da coalizão entre partidos com interesses opostos. E Jango também falhou nessa estratégia.
No início da década de 1960, o Brasil experimentava um assenso na luta de massas da classe trabalhadora. O movimento estudantil, o movimento sindical, os partidos da esquerda e inclusive alguns políticos importantes do país, pressionavam pelas reformas de base, principalmente pela Reforma Agrária. Greves nacionais eram organizadas em pleno governo Jango, pressionando nas ruas, percebendo os limites da estratégia do governo de coalizão. A ilusão de que nossos inimigos de classe pudessem ser nossos aliados e a subestimação das forças da direita, nos custou muito caro. A direita não só derrubou as possibilidades de avanços democráticos e populares, como impôs uma ditadura militar que durou 20 anos e que eliminou fisicamente boa parte dos quadros da esquerda brasileira de então.
No início da década de 1980 a ditadura vinha perdendo sua força, pressionada também pelo retorno do movimento de massas, principalmente pelas greves do chamado novo sindicalismo, que tinha como expoentes, entre outros dirigentes, Lula e Olívio Dutra. A luta pela redemocratização, a fundação do PT, da CUT, do MST, e a luta por uma assembleia constituinte, que pudesse democratizar as estruturas autoritárias do regime militar, fizeram da década de 80 um dos períodos de maior debate político da nossa história. Ao ponto de, nas eleições de 1989, dois projetos antagônicos entre si estarem em disputa: de um lado o neoliberalismo de Collor, e de outro o socialismo encabeçado por Lula, mas que tinha um amplo respaldo no movimento de massas. Sabemos qual venceu naquela época e quais consequências políticas, econômicas e sociais que resultaram da nossa derrota.
A implementação do programa neoliberal durante os governos Collor, Itamar e FHC desmontou o estado brasileiro, desregulou o trabalho, retirou direitos e impôs arrocho salarial e desemprego à classe trabalhadora. Isso fez com que experimentássemos novamente um período de retrocesso no movimento de massas e de defensiva da esquerda, já que a necessidade de conservar o emprego, ainda que com salário baixo, fez com que os trabalhadores não tivessem condições objetivas e subjetivas de se organizarem. A tese esquerdista, de que a classe trabalhadora se mobiliza mais em tempos difíceis, não encontra respaldo perante o estudo da história. Ou seja, a tese do “quanto pior, melhor”, é uma tese furada.
No início dos anos 2000 a situação no Brasil era tão desanimadora, que conseguimos, através de amplas alianças, chegar à presidência da república, derrotando FHC e o PSDB. Entre erros e acertos (foram muitos), os governos Lula e Dilma melhoraram a condição da classe trabalhadora brasileira, seja através dos programas sociais, seja através da garantia do emprego e do aumento do salário mínimo sempre acima da inflação. E essa melhoria concreta nas condições de vida da classe trabalhadora possibilitou um novo assenso da luta social no Brasil.
Esse assenso não diz respeito apenas às jornadas de junho de 2013. Até por que é preciso ainda muito estudo para compreender e caracterizar com mais exatidão o que foi junho do ano passado. Mas é possível afirmar, com bastante convicção, que a classe trabalhadora brasileira voltou a se mobilizar com mais força nos últimos anos, averiguando por exemplo o número de greves deste período. Esse retorno da mobilização só foi possível por que houve condições objetivas para que ele ocorresse. Essas condições são, basicamente, garantia de emprego e melhorias constantes na vida da classe trabalhadora, que agora luta por ampliar seus direitos.
Estamos novamente diante de um acirramento da luta de classes, onde a grande burguesia, ligada aos bancos, ao latifúndio e ao capital internacional, lidera um bloco de forças ao qual se somou a burguesia brasileira e a classe média do país. Todas essas classes estão aglutinadas na candidatura de Aécio Neves. E do outro lado, ainda que haja também setores da burguesia nacional, está a candidatura de Dilma, que conta principalmente com a classe trabalhadora organizada e com alguns setores progressistas da sociedade brasileira, como artistas, intelectuais, etc.
Dilma ainda não tem, como tinha Jango, e como tinha Lula em 89, um amplo movimento das massas trabalhadoras, que possa respaldar um rompimento de ordem institucional com a burguesia brasileira. E parte disso se deve também à direção que o PT tomou na última década, adotando quase que exclusivamente uma estratégia institucional para as mudanças no país, confundindo aliados táticos com aliados estratégicos, e secundarizando o trabalho de base. Mas cada vez fica mais nítido o fato de que contamos somente com a classe trabalhadora, e é preciso que o PT se dê conta disso urgentemente.
Também é preciso que a esquerda da esquerda (PSOL, PSTU e outros) perceba que uma derrota de Dilma acarretará numa forte ofensiva da direita e, consequentemente, uma defensiva da esquerda, assim como ocorreu em 64 e 89. Como será essa ofensiva, ainda é impossível saber. Mas se algum socialista está achando que, para a luta da classe trabalhadora, é bom que Dilma perca as eleições, precisa então estudar a história da luta de classes no Brasil.
A única possibilidade de avançarmos na história, de passarmos a uma outra fase na luta de classes, de fazermos as reformas de base e de construirmos um período democrático e popular no Brasil, ampliando a participação política da classe trabalhadora, é se Dilma vencer. A vitória de Dilma pode vir a ser muitas coisas. Pode ser melhor ou pode estar aquém do que desejamos. Mas certamente a derrota de Dilma é uma derrota da classe trabalhadora e do conjunto da esquerda, e não apenas uma derrota do PT. A derrota de Dilma é uma vitória única e exclusiva das classes dominantes. Nenhuma esquerda, nenhum partido, e nenhuma parcela da classe trabalhadora escapará de sofrer as consequências de uma derrota da Dilma.
Por isso, para evitar que a tragédia do passado retorne como farsa, é preciso votar Dilma.

* Paulo Amaro Ferreira é militante do PT.

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