sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O “mar de lama” à Aécio.

Os contendores
Os contendores.

Primeiro que tudo, acho importante que haja agressividade em debates presidenciais, e que questões pessoais sejam trazidas à discussão.
É o interesse público que está em jogo. A sociedade tem que conhecer melhor cada candidato.
O pior cenário, para os cidadãos, seria uma conversa de lordes ingleses, com elogios mútuos e protocolares em meio a goles de chá.
Por isso dou nota elevada ao debate de hoje no SBT. Onde alguns viram baixaria enxerguei a tensão, a eletricidade, a adrenalina dignas de uma disputa presidencial.
A grande diferença entre Dilma e Aécio esteve no conteúdo da agressividade.
Aécio fez o que sempre faz. Pediu generosidade quando jamais é generoso. Pediu respostas quando ele invariavelmente tergiversa. Pediu sinceridade quando é cínico em regime de tempo de integral. Pediu humildade quando é arrogante a ponto de falar em nome dos brasileiros.
Num momento de descaro abissal, comparou o caso do irmão de Dilma ao time de parentes aos quais ele dá altos cargos públicos quando pode.
Uma rápida pesquisa mostra que Igor Rousseff foi assessor do prefeito petista Fernando Pimentel, de Belo Horizonte.
Depois disso, nunca ocupou cargo público nenhum. Disse o Globo, o insuspeitíssimo Globo, num perfil de 2011: “Quem não conhece o Igor não fica sabendo nunca que ele é irmão da presidente. Morre de medo de pensar que quer tirar proveito disso.” (Aqui o link.)
Pois Aécio quis tirar proveito disso.
Não há termo de comparação entre o caso da irmã de Aécio e o caso do irmão da Dilma. Mas fingiu – nisto ele é mestre – que são coisas iguais.
Andrea Neves ocupou sob Aécio um cargo – ainda que formalmente não remunerado – que dava a ela o comando das verbas publicitárias estaduais.
Sabe-se, porque a Folha enfim resolveu investigar um pouco o candidato tucano, que o governo de Aécio colocou dinheiro público nas rádios da família.
É, em si, uma indecência. Isso piora quando, numa afronta brutal ao conceito de transparência tão citado por Aécio, ninguém informa quanto foi o dinheiro público investido nas rádios.
E não é apenas Andrea. É o cunhado, são primos, agregados – em funções muitas vezes de mando.
Meritocracia?
Só se for pela ótica de quem, aos 25 anos, foi nomeado diretor da Caixa Econômica Federal pelo mérito de ser neto de Tancredo Neves.
Aécio não surpreende. A cada debate, ele faz mais do mesmo.
Dilma, ao contrário, surpreendeu ao adotar o mesmo tom de Aécio. Ou quase o mesmo: Aécio a chamou de mentirosa várias vezes e Dilma disse o mesmo uma ou duas.
Onde ela avançou em relação ao primeiro debate: não deixou que certos assuntos sumissem da discussão.
O aeroporto de Cláudio é o maior exemplo. Aécio fala, tergiversa, se desvia – mas não consegue dar uma única explicação convincente para o aeroporto de uso privado construído com dinheiro público.
Jornalistas de Minas disseram que essa história já era conhecida nas redações. Mas ninguém publicava pela censura que, na prática, Andrea Neves comandava para proteger o irmão de notícias desfavoráveis.
Eis o conceito de liberdade de expressão de Aécio.
Para quem lida com palavras como eu, irritou particularmente a manipulação de Aécio ao usar uma frase de Dilma que, supostamente, seria um incentivo à corrupção.
O significado da frase é o seguinte: todo mundo pode cometer corrupção.
É uma verdade verdadeiríssima. Ninguém está acima às tentações que o poder e a sensação de impunidade trazem, como mostra o próprio episódio do aeroporto de Cláudio.
A questão é fiscalizar e punir.
Neste sentido, o PSDB – dos votos comprados para a reeleição de FHC às propinas do Metrô de SP – não tem muita coisa a dizer.
No debate, Aécio voltou a afirmar que não havia evidências de nada nos casos de corrupção do PSDB.
Hoje mesmo, viralizou na internet o depoimento do jornalista Fernando Rodrigues, da Folha, autor do furo em 1997 sobre a compra de votos.
“Não eram evidências”, disse ele. “Eram provas.” Ninguém investigou – incluída, como lembra Rodrigues, a mídia. Como FHC era presidente, e amigo dos donos da mídia, entendeu-se que não era assunto a compra de votos para que ele pudesse se reeleger.
Como Lacerda, Aécio fala em “mar de lama” olhando para o outro. Ambos deveriam, no entanto, olhar para o espelho.

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Dilma passa mal depois de debate no SBT.





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A pressão baixa de Dilma e a pressão alta dos debates.

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A pancadaria franca do debate no SBT, em que Dilma e Aécio se acusaram mutuamente durante o tempo inteiro, sem trégua, teve dois momentos emblemáticos.
O primeiro foi o aparte de Carlos Nascimento, o mediador, pedindo para a claque do PSDB se comportar. Foi uma bronca lúcida, a partir do seu púlpito esquisito, na torcida organizada, que aplaudiu estrepitosamente o candidato depois de um discurso.
O segundo foi o baque de Dilma na entrevista que se seguiu ao programa. A presidente tenta terminar uma frase, se atrapalha com a palavra inequivocamente, avisa que está mal.
A jornalista Simone Queiroz, solícita, lhe oferece um copo d’água e a conduz até uma cadeira. Simone afirmaria, na seqüência, que Dilma parecia já não estar se sentindo muito bem antes das duas começarem a conversa.
É absolutamente normal que, após quase duas horas de tensão e de trocas de ofensas pesadas, Aécio e Dilma tenham se sentido exauridos. Aécio tinha as mãos trêmulas quando questionado sobre nepotismo e falou abertamente de sua irmã Andrea.
Aos 66 anos, Dilma sentiu o peso do confronto e, segundo ela mesma, sua pressão baixou. A reação ao ocorrido, porém, foi no tom que tem sido conferido a esta campanha.
Militantes a chamaram de covarde, fujona, mentirosa, fingidora, farsante — e esses são os adjetivos publicáveis. Aécio, mesmo, foi flagrado pela Folha num telefonema com Marina Silva. “Deu o desespero. Viu que ele passou mal no final?”, disse a Marina.
É importante que debates tenham uma dose de agressividade para que ninguém durma. Mas quem esperava algo um pouco mais propositado — por exemplo, os milhões de indecisos — testemunhou uma briga de galo girando, basicamente, nos mesmos temas.
É sintomático do atual estado de ânimos que a cena de uma senhora pedindo para se sentar, após uma troca de golpes intensa, seja motivo de chacota, desconfiança e ódio ao invés de algo próximo de compaixão.
Se esse for o caminho dos próximos dois debates, não será de se estranhar se um dos dois contendores sair de maca, numa ambulância, enquanto a plateia urra e aponta os polegares para baixo.
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