Ao trazer Joaquim Levy para governo, presidente procura alternativa à solidão política que ajudou no desastre final de João Goulart.
Convidado para ocupar o Ministério da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff, Joaquim Levy chega a Brasília com fama de economista de formação conservadora e opiniões firmes, que não se dobra a simples argumentos de autoridade. Recrutado por Antônio Palocci para a Secretaria do Tesouro, onde tinha a chave do cofre do governo, a postura irredutível de Levy levou o então presidente Lula a dizer a um ministro, num de seus comentários típicos, um pouco sérios, um pouco irônicos: “Às vezes eu acho que o verdadeiro presidente da República não sou eu, mas o Joaquim Levy.”
Levy retorna ao governo do PT oito anos depois que, em companhia de Antônio Palocci e do economista Marcos Lisboa, secretário de Política Econômica, foi embora do Ministério da Fazenda sob brindes de felicidade de adversários internos, para quem as denúncias do caseiro Francenildo serviram de clássico “mal necessário” que ajudou o governo Lula a se livrar de ideias que, em sua visão, apenas atrapalhavam o bom andamento da economia. Além da passagem pelo governo Lula, currículo de Levy inclui posições importantes em instituições frequentemente criticadas pelo PT. Entre 1992 e 1999, ele foi integrante dos quadros do Fundo Monetário Internacional. No governo Fernando Henrique Cardoso, foi secretário-adjunto do Ministério da Fazenda e economista-chefe do Ministério do Planejamento.
O convite de Dilma na semana passada recebeu críticas em várias fileiras do PT, o que se justifica até pela memória do corredor polonês que Palocci e seus aliados atravessaram depois de 2006. Mas críticos e adversários de Dilma já ensaiam o coro oposicionista de estelionato eleitoral, como se a indicação de um ministro representasse o rumo já traçado para quatro anos de governo, o que não é nem pode ser verdade. Não há o menor sinal de que o compromisso de Dilma, em torno da missão básica de defender empregos e salários, beneficiando a população mais pobre, vá ser abandonado ou mesmo negociado.
Foram Palocci e Levy que asseguraram, por exemplo, os recursos para o Bolsa Família, o maior sinal da prioridade social do governo Lula-Dilma.
Como a experiência que toda presidência ensina, em qualquer país do mundo, o exercício de governar implica uma sucessão de atos e decisões tomadas todos os dias, 24 horas por dia, sete dias por semana, ao longo de todo o mandato. São armadilhas que aparecem, oportunidades que surgem, planos que se abandonam e projetos que se elaboram no calor da luta. Autor da Carta ao Povo Brasileiro, Palocci foi repudiado por economistas e dirigentes petistas desde o primeiro dia. Enfrentou uma conspiração que, soube-se mais tarde, incluía não apenas adversários públicos e declarados, mas também colegas de ministério. Na passagem de Palocci pela Fazenda, a economia cresceu apenas 1,1% em 2003, contra 2,7% no último ano de FHC, mas embalou um ritmo acelerado depois disso: 5,7% em 2004, 3,2% em 2005 e 4% em 2006.
(Os números posteriores, quando os adversários de política econômica estavam no governo, também foram exuberantes por um período: 6,1% em 2007, 5,2% em 2008, 0,3% negativos em 2009 e 7,5% em 2010).
A denúncia precoce de estelionato, em 2014, tem um fundo eleitoral óbvio. Tenta-se desqualificar Dilma, alimentando um discurso negativo para o futuro. Nem o governo nem seus adversários podem prever o que irá ocorrer com a economia nos próximos anos. As variáveis são incertas como poucas vezes se viu.
Caso a economia se recupere e exiba números melhores, até 2018, esse discurso permite dizer que a presidente rendeu-se a cartilha do PSDB – exatamente como se faz com Lula desde que ele se tornou o presidente mais popular da história. Caso a economia não saia do lugar, ou se torne ainda mais fraca, recupera-se a tese do boliviarianismo sem Bolívar. Novidade? Nenhuma.
Eu acho que a realidade é outra. Levy irá integrar-se a um triunvirato político, num governo onde a presidente tem opiniões fortes sobre temas econômicos – e não consta que tenha decidido guardá-las para as poucas horas de folga. Cabe a Dilma nomear os presidentes de bancos públicos, instituições essenciais para definir o ritmo da atividade econômica.
Nelson Barbosa, convidado para o Planejamento, foi um aplicado construtor de políticas econômicas durante sua primeira passagem pelo governo, cabendo-lhe elaborar a arquitetura detalhada do programa Minha Casa, Minha Vida, principal alavanca de emprego e atividade econômica dos últimos anos. Ao convocar os dois para um trabalho em comum com Alexandre Tombini, Dilma procura reconstruir uma linha de continuidade com o condomínio político que tomou posse no Planalto, em 2003. É uma cartilha que pode incluir um certo esfriamento na economia. Mas não se prevê arrocho nos salários nem recessão.
A situação do segundo mandato possui muitas diferenças, contudo. Dilma Rousseff saiu das eleições de 26 de outubro numa situação na qual, considerando todas as distâncias da história, da vida social e dos pensamentos do mundo, guarda uma certa semelhança a de João Goulart no comício de 13 de março de 1964, duas semanas e meia antes do golpe.
O que mudou foi a postura presidencial? O apoio popular a Jango era indiscutível. Não só vencera o plebiscito do presidencialismo, mas seu projeto de reformas de base tinha respaldo junto à maioria da população. Ao mesmo tempo, Jango era alvejado pelo ódio de uma fatia da classe média, mobilizada pela Igreja e também por lideranças que eram vinculadas à CIA. Enfrentou a conspiração em alta velocidade do empresariado, com sinal verde da Casa Branca e apoio logístico do Exército norte-americano.
No comício do dia 13, empurrado por uma imensa pressão à esquerda, que incluía sublevação nas camadas de baixo das Forças Armadas, num aliado que passara a jogar pelo fechamento do Congresso em função de sua maioria reacionária, Leonel Brizola, Goulart deu um salto a frente. Avançou no distanciamento com o PSD, maior partido do Congresso e presença em postos importantes no ministério. Sem jamais romper a legalidade democrática, entre o 13 de março e o golpe, Jango pisou no acelerador de mudanças à esquerda, incluindo iniciativas de apoio a revoltas entre o baixo clero militar. Esperou um apoio que não veio, contou com uma resistência que não apareceu – e que no final ele próprio não convocou.
Quando convidou um economista com o currículo de Levy para a Fazenda, o governo Dilma se encontrava numa situação peculiar. Não era extrema nem difícil como a de Jango, mas possuía semelhanças. Apesar da vitória na eleição presidencial, onde teve força inclusive para neutralizar um golpe eleitoral midiático nos últimos dias, o Planalto passou a dispor, quando muito, de uma maioria nominal no Congresso.
Sua relação com os mercados tornou-se uma de fratura exposta, visível depois que os grandes investidores da bolsa de valores se engajaram como nunca na campanha presidencial.
Apesar das várias iniciativas do Planalto, inclusive concessões materiais como as desonerações de tributos, não trouxeram o efeito desejado. Mesmo longe do caráter de apocalipse anunciado pela oposição, ninguém pode imaginar que uma economia que gira entre 0% e 1% se encontra na melhor saúde.
O país tem sido capaz de garantir a preservação da prioridade real do governo, que se encontra no emprego e no salário – e nisso reside a diferença essencial em relação aos anteriores –, mas coloca várias interrogações a respeito de seu futuro.
A pergunta envolve saber como aquecer investimentos produtivos e recuperar o chamado “espírito animal dos empresários,” de que falava John Mainard Keynes, numa conjuntura em que vários dados se tornaram complicados, inclusive pelo escândalo da Petrobrás.
Em julho de 1963, num movimento que também possui uma semelhança num universo de imensas diferenças do Brasil de hoje, Goulart convocou Carvalho Pinto para ocupar o Ministério da Fazenda. Político ligado à UDN, ao grande empresariado paulista e ex-governador de São Paulo, Carvalho Pinto tornou-se uma alternativa de Jango depois que o Plano de Metas do ministro Celso Furtado naufragou por falta de apoio entre deputados e sindicatos.
A presença de Carvalho Pinto trouxe melhoras para a diplomacia brasileira, que viveu um fugaz momento de reaproximação com os EUA. Sua permanência no posto durou pouco mais de seis meses. Jango logo perdeu a paciência com frequentes pedidos de demissão de Carvalho Pinto, assombrado pela guerra permanente contra suas decisões e também campanha que Leonel Brizola fazia para tomar seu emprego – com apoio integral à esquerda.
Não se trata, é claro, de forçar uma comparação para reforçar um argumento político. Nem de imaginar que os homens são obrigados a repetir os passos da história para escapar de suas tragédias. Mas, quatro meses depois da saída de Carvalho Pinto, a máquina do golpe de 64 depunha o presidente. Toda decisão política se faz em seu aqui e agora.
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quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Dilma tenta evitar armadilha de Jango.
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