segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

“O anzol da direita, fez a esquerda virar peixe [?]”*

“Ajuste fiscal” iniciado por Dilma não visa “acertar contas públicas”, mas mostrar adesão a mito conservador. Caminho pode levá-la ao desastre
“Ajuste fiscal” iniciado por Dilma não visa “acertar contas públicas”, mas mostrar adesão a mito conservador. Caminho pode levá-la ao desastre [Antonio Martins]
O cerco conservador, aos estilos venezuelano e paraguaio, obriga o governo, em nome da governabilidade, a fazer uma discutível tour em terrenos reacionários.
A meu ver, o governo necessita esticar a corda, ceder espaço para um agrupamento político que saiu fortalecido das eleições e se abriga em boa parte na coalizão que o apoia no parlamento, mas sem fazer as concessões essenciais nas políticas vitoriosas do PT desde Lula. Abrir espaço, não é o mesmo que entregar a condução do governo aos novos integrantes e aos seus representados.
Por outro lado, entendo que a crítica é sempre válida e reveladora dos ânimos e desejos, principalmente quando vem de quem quer que o avanço político permaneça virtuoso.
Seguindo este rumo, apresentamos o texto de Antônio Martins, publicado em Carta Capital e reproduzido logo abaixo, em que critica a estratégia de panos quentes de Dilma, que busca a trégua com os adversários mais vis das políticas sociais e econômicas que vigem [e são exitosas] nos últimos 12 anos no país.
Em um trecho de “Esquiva da esgrima”, do último álbum de Criolo, “Convoque Seu Buda”, o músico paulista parecia antever esta encruzilhada:
“…Novas embalagens para antigos interesses
É que o anzol da direita, fez a esquerda virar peixe”
O governo crê que, ao apaziguar os mercados, conquistará uma trégua. Mas tudo indica que está preso no que os estrategistas militares costumam chamar de “movimento de pinça”.Imagem: Bob Row
Então, quase em surdina, sem nenhum destaque nas manchetes, o Banco Central promoveu, em duas tacadas, a elevação de 0,75% na taxa de juros paga pelo Estado a seus credores. Em termos reais, já era de longe, a mais alta do mundo. Agora, subiu a 11,75% ao ano – contra 0,23% nos EUA, 0,08% na zona do euro, 1,8% nas Filipinas ou 4,42% na Colômbia. Calcule, você mesmo, o impacto sobre os gastos públicos. Se a dívida pública montaa R$ 2,183 bilhões, a União transferirá em 2015, aos possuidores de títulos de Tesouro – quase todos já fartamente endinheirados –, R$ 256 bilhões (o dobro do suposto “rombo”). Só as duas elevações da taxas de juros mais recentes decretadas pelo BC custarão R$ 16,37 bilhões, cinco vezes mais que os recursos destinados ao ministério da Cultura, em 2014.
* * *
A construção de mitos políticos completa-se, às vezes, de modo abrupto. Nos últimos meses, o arranjo lulista, que marcou o Brasil durante doze anos, deparou-se com um impasse descrito com sagacidade do Luiz Gonzaga Belluzzo e André Singer. Após seis anos, a crise econômica global minou as condições antes existentes para contentar ricos e pobres; para melhorar o padrão de vida das maiorias sem atingir lucros e privilégios das elites. Sabia-se, também, que o PT e seus parceiros estavam muito capturados pela máquina institucional e muito pouco preparados para dar um passo adiante.
Porém, poucos haviam previsto que o governo Dilma descrevesse, em apenas seis meses, o impressionante ziguezague que o fez render-se ao “ajuste fiscal” proposto, desde antes das eleições, pelos conservadores. Hoje, percebe-se com clareza que a guinada à esquerda de Dilma, durante a campanha, era apenas aparente. A candidata afirmou ter “coração valente” e prometeu “mais mudanças”. Mas ao “desconstruir” Marina Silva e ressuscitar Aécio Neves, para tê-lo como adversário no segundo turno, gerou a onda que levou à eleição de um Congresso ultra-retrógrado e tornou-se refém de seus correligionários mais fisiológicos. Um grande sucesso de marketing eleitoral produziu, em poucas semanas, uma terrível sinuca política.
Subitamente, o “ajuste fiscal” converteu-se numa espécie de “Consenso de Brasília”. A oligarquia financeira exalta-o (com previsível apoio da mídia) porque atende a seus mais caros interesses. Os políticos conservadores regozijam-se porque ele obrigará Dilma a descumprir seu programa e corroer sua própria popularidade. O governo crê que, ao apaziguar os mercados, conquistará uma trégua.
Mas tudo indica que está preso no que os estrategistas militares costumam chamar de “movimento de pinça”. A oligarquia financeira, agora instalada no ministério da Fazenda, exigirá concessões crescentes: já se aposta em novos aumentos das taxas de juros, nos próximos meses. Mas, ao invés de se satisfazer com estas concessões, a oposição conservadora irá explorar cada uma delas para desgastar o governo. Ontem, no Congresso Nacional, parlamentares do PSDB e do DEM solidarizaram-se com “manifestantes” que, da galeria, xingavam a deputada Vanessa Granhotim (PCdoB-AM) de “vagabunda”.
O Consenso de Brasília é frágil: ampara-se numa adesão de conveniência. Será crescentemente contestado pelo setor não-fisiológico da base parlamentar do governo e, em especial, pelos movimentos sociais que esperavam “mais mudanças”. Mas inverter o rumo inaugurado pela nomeação de Joaquim Levy exigirá um movimento intelectual de envergadura. Implica construir, como alternativa ao impasse do lulismo, um projeto de redistribuição de riquezas muito mais intenso e profundo que o ensaio tímido vivido entre 2002 e 2014. Quem poderá fazê-lo?
Antônio Martins
* trecho da letra de “Esquiva da esgrima” de Criolo.

 https://blogpalavrasdiversas.wordpress.com/…/o-anzol-da-d…/…

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