quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

CHARLIE HEBDO E OS TERRORISTAS.


Antes de virarmos todos Charlies Hebdos, acho saudável uma reflexão.

Por qual razão os outros atentados que ocorrem no mundo inteiro, inclusive os que aconteceram no mesmo dia não tiveram e não têm a mesma repercussão?

É só pelo fato de que os mortos são franceses brancos ou supostamente intelectualizados? É só pelo fato de os terroristas serem muçulmanos? E os que acontecem no Iraque, no Afeganistão, no Iemem e em tantos outros lugares? E os massacres perpetrados por mercenários pagos por Estados como Israel e Estados Unidos contra civís desarmados?

E quando o maluco que mata 77 pessoas é branco, nórdico, cristão, e comete o crime por motivos religiosos?

E as mulheres da Nigéria, estupradas e amputadas pelo Boko Haram? Por que não há camisetas dizendo "Je suis nigerienne" pra nos solidarizarmos com elas?

Por que muitos dos governantes que estiveram presentes na marcha em Paris em solidariedade aos mortos e em defesa da liberdade de expressão, não são a favor de parar de perseguir Julian Assange e Edward Snowden? Será que é só porque estes ilustres "criminosos" revelaram planos secretos de países, tramóias, corrupção de grandes nações, desestabilização de países e assassinatos? A liberdade de expressão e de imprensa nestes casos, não vale?

Porque a França, que é tão "libertadora" não pára de se aliar à Otan para bombardear países pobres, que nada têm além de petróleo ou gás? Ou será que é por isso mesmo que a Otan os bombardeia?

Não amigos, eu não sou Charlie. É uma revista que não sabe conviver com as diferenças. Ela também faz terrorismo, porém seu terrorismo é escrito. A consequência no entanto, das charges e dos dizeres que publica, transforma pessoas com cabeças vazias em potenciais malucos atiradores.

Sim, ao jogar um cristão contra um muçulmano, ao comparar uma ministra negra a uma macaca é sim, disseminar o ódio. Ódio este, que pode redundar em coisas muito maiores do que uma simples charge aparentemente inocente.

Todo radical é um insatisfeito, por natureza. Todo radical é em essência, um manipulado. Insatisfeitos manipulados são sempre um perigo. Instigar o ódio, para esta gente, tem o mesmo efeito que jogar gasolina na fogueira. Ou será que os terroristas que fuzilaram os Charlies não eram manipulados por alguém, que descarada ou discretamente lhes incutia um ódio irracional contra suas vítimas? O efeito da manipulação é o mesmo, não importa o lado manipulado.

A França é um país progressista. Talvez dos mais interessantes. Mas sua política, boa parte das vezes endossada pelos cidadãos, consegue ser tosca, quando quer. Há algum tempo se proibiu que as muçulmanas usassem o seu véu religioso nas escolas públicas. Isso é o equivalente a proibir que um cristão ande com um crucifixo pendurado no pescoço e vá à escola.

Ora, demonstrar a religião, é direito de cada um, especialmente se a pessoa o faz, na forma de vestimentas ou adereços, de modo pacífico e não intrusivo.

Os EUA há muito proibiram o uso de símbolos cristãos nas repartições públicas como por exemplo, as salas dos Tribunais. Isso é diferente de proibir o véu islâmico como fez a França. A mulher muçulmana demonstra sua fé através de uma roupa, que está sobre o seu corpo e não afeta ninguém, nem se utiliza de qualquer estrutura pública para isso. Um crucifixo pendurado na parede do Tribunal, aí sim, seria se utilizar do espaço público em favor de uma religião em detrimento de outra. A parede na qual está pendurado o crucifixo é pública, o corpo da mulher muçulmana não é. Ou seja, nesta seara, os EUA agiram certo, a França, agiu errado.

Assim, a França se acha republicana. Mas permite, na contramão, que uma revista publique conteúdo racista e xenófobo, a pretexto de respeitar a liberdade de expressão. Infelizmente, os EUA também permitem com base na Primeira Emenda.

Como já dito, Julian Assange e Edward Snowden também expressavam sua liberdade de informar, mas são perseguidos e tratados como criminosos, inclusive pela França e pelos EUA.

A título de comparação, no Brasil seria bem ao contrário. Aqui uma muçulmana pode usar o véu dentro de uma escola pública, pois tem o direito de demonstrar qual a fé que professa. Por outro lado, quando uma revista publica conteúdos como a da Charlie (e isso seja ostensivo) o Ministério Público haverá de processá-la, já que a Constituição veda qualquer tipo de ofensa à religiosidade alheia.

Não amigos, Charlie não era "inocente". Apesar de não merecer o destino que teve, está longe de ser uma revista inocente.

Ou será que a massiva (desde 2001) criminalização do seguidores do Islam é uma simples coincidência? Porque não falta gente que acredita realmente que, basta alguém ser seguidor de Alá, que isso o faz automaticamente, ser um terrorista.

Charlie é uma publicação que manipula, e é manipulada, também. Charlie, resumindo, tratava a todos os seguidores de Alá, como criminosos e terroristas. Charlie zombava de sua fé, coisa que não se pode fazer, caso você se intitule um democrata incentivador das liberdades individuais.

Sim, Charlie fazia troça com todas as religiões. Mas o fato de seu corpo intelectual ser ateu, não significa que possa ofender quem não é.

Infelizmente, no mundo de hoje em dia, tudo se resume a, "de que lado você está", porque somos quase obrigados a estar de "algum" lado.

Não, comigo não. Eu não sou Charlie, mas também não concordo com os terroristas. Tenho cérebro, e posso usá-lo pra pensar, ponderar e refletir. 

Quem aí acha que esse recrudescimento dos governos contra os muçulmanos é uma mera consequência dos atentados, que me desculpem, mas deveria comprar alguns livros de história recente.

Não estou dizendo que seja o caso, mas há inúmeras ocorrências na história, de atentados de "menor grau" que se transformam em estopins para serem iniciadas guerras. E como sabemos, nunca é o povo que ganha uma guerra, esteja ele, do lado que estiver. Governos ganham ou perdem guerras. O povo, perde sempre.

Os atentados de 11 de setembro, podem até não terem sido ocasionados pelo governo americano (apesar de muita gente importante achar que foram), porém, inegável que ele se aproveitou deles pra fazer o que bem quisesse, inclusive bombardear o Iraque, alegando que eles tinham armas de destruição em massa, coisa que como o planeta todo sabia, era mentira.

Após os atentados das torres gêmeas, era impossível andar numa cidade americana com um turbante islâmico na cabeça, sem ser agredido ou ofendido.

Houve uma clara distorção que confundiu as pessoas. Os muçulmanos passaram a ser confundidos com terroristas e o governo americano foi 100% responsável por esse engano.

Clamo para que o cérebro da maioria funcione. Hoje em dia é bem mais fácil rastrear a informação de quem ganha e quem perde com uma ação como essas. Ou seja, antes de ficar vestindo camisas de eu sou isso, eu sou aquilo, vale a pena dar uma rápida googleada pra se informar melhor.

Está na hora de sermos bem menos, massa de manobra, como temos sido até agora.

Condenar os atentados é uma coisa, que eu também condeno. Me incluir nesse grupo do "somos Charlies" é outra bem diferente. Apoiar eventos contra muçulmanos, então, tô fora. Mesmo que você seja ateu, não tem o direito de espinafrar e humilhar quem não é.

Eu sou cristão e condeno muito minha própria religião pelos crimes que cometeu ao longo da história, e pelo amontoado de besteiras que são faladas em cada missa dominical, mas se tem uma coisa que Cristo em pessoa, dizia (nas palavras e parábolas dele) era, respeite a todos, independente de quem são e qual fé professem. 

Mas hoje parece que o povo tem medo de não pertencer a um grupo, qualquer que seja, ele. Por isso vão se metendo em apoios insanos como esse. Não sou Charlie, e nem quero ser. Não preciso.

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